• Nenhum resultado encontrado

A MANIPULAÇÃO DO CONFLITO DE INTERESSES E AS NULIDADES

VERSUS INDIVIDUAL: PROCESSO PENAL PARA QUEM? Murilo Darwich Castro de Souza

3 PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO DE REALIZAÇÃO CONSTITUCIONAL E DE PROTEÇÃO DO

3.4 A MANIPULAÇÃO DO CONFLITO DE INTERESSES E AS NULIDADES

O processo penal, compreendido como uma garantia que visa à proteção do réu frente ao poder punitivo estatal exige que seus atos processuais sejam praticados em conformidade com o que determina a lei, a forma dos atos processuais traz consigo o respeito a direitos e garantias fundamentais, caso contrário, as formas previstas em lei seriam apenas fruto de mero capricho do legislador.

Nulidade e ilegalidade são lados da mesma moeda, qualquer ato processual que viole uma lei de direito material ou de direito processual se configura em verdadeira ilegalidade, devendo ser corrigido, quando possível, ou desentranhado dos autos.

Nesse contexto, quando falamos em provas ilícitas, a doutrina majoritária costuma distinguir entre provas ilícitas, produzidas em violação ao direito penal material, e provas ilegítimas, produzidas em violação ao direito processual penal, deve-se asseverar que é dado um tratamento diferenciado aos dois casos, de acordo ainda com a doutrina majoritária, de tal modo que as provas produzidas em violação ao direito processual seriam, de certo modo, “menos graves”, com o devido respeito aos que pensam assim, filiou-me ao entendimento que o Código de Processe Penal em seu art. 157 não fez qualquer distinção entre essas duas categorias e, portanto, qualquer prova produzida em ato violador de regra processual é ilícita e não, meramente ilegítima.

Nesse sentido:

A reforma e 2008 acolheu, claramente, a ideia de que provas produzidas ao

182

arrepio da lei processual penal também geram ilicitudes, aptas a acarretar o desentranhamento da respectiva prova. Esse é o quadro ideal para a lisura e ética da produção de provas, consentâneo ao Estado Democrático de Direito. O cenário das nulidades deve ser reservado a outros vícios, longe do âmbito das provas. (NUCCI, 2016, p. 369).

Dando continuidade, é amplamente lecionado e reproduzido, sem maiores reflexões, que existiriam duas categorias de nulidades, as relativas e as absolutas, e cada uma delas gozariam de características próprias que as diferenciariam, dentre essas características afirma-se que, as nulidades absolutas estariam baseadas na proteção do interesse público, enquanto que as nulidades relativas baseadas nos interesses das partes, ou no interesse privado.

Tal morfologia está completamente equivocada quando falamos em processo penal, essa categorização foi, inadequadamente, importada de um lógico do processo civil (atos nulos e anuláveis), sendo totalmente impensável sua aplicação no processo penal por vários motivos, sendo o mais importante deles o simples fato de que, em processo penal, todos os interesses são públicos.

Em especial, a categoria das nulidades relativas, por exemplo, é imprestável para o processo penal, pois possui um gravíssimo vício de origem: nasce e se desenvolve no direito civil, com a teoria dos atos anuláveis e nulos, com uma incompatibilidade epistemológica insuperável. Depois, é transplantada para o processo civil, o que em nada atenua essa incompatibilidade. (AURY, 2016, p. 765).

183

Ademais, como já foi dito incessantemente nesse artigo, a visão maniqueísta e dualista, de que dentro do processo penal, existiria um conflito de interesses (público e privado) ponderáveis, não passa de uma manipulação dos fundamentos do processo penal que, em regra, operam a serviço do punitivismo.

Afirmar que no processo penal existem formas que tutelam um interesse “da parte”, “privado”, é o erro de não compreender que no processo penal – especialmente em relação ao réu – todos os atos são definidos a partir de interesse públicos, pois estamos diante de formas que tutelam direitos fundamentais assegurados na Constituição e nos Tratados firmados pelo País. Não há espaço para essa frágil dicotomização público/privado. Aqui se lida com direitos fundamentais. (AURY, 2016, p. 765).

Tudo isso exposto até aqui, parte de uma compreensão de que processo é garantia, configurada no respeito à tipicidade processual (forma como garantia). O processo penal opera, portanto, em favor do réu, sendo sua única razão de ser, justamente, o de servir ao réu, como proteção contra abusos e ilegalidade.

Processo não é mecanismo para se fazer segurança pública, isso faz parte da mitologia que se alastra em nosso processo penal, ele não serve ao Estado e sim ao cidadão que se vê processado.

De todos os mitos que interagem no universo processual penal, há um sempre presente em regimes autoritários que se apresentam como Estados de Direito: o de que o processo

184

penal é instrumento de segurança pública/pacificação social. Esse mito surge em meio a um discurso de viés repressivo, no qual se identifica perspectiva utilitarista, reforçadora do caráter instrumental/formal do processo penal. Este, por sua vez, passa a ser visto como simples meio de atingir indivíduos que violam a norma penal. (CASARA, 2015, p. 194).

Ao final, reforçamos o entendimento aqui defendido, e alicerçado em grandes autores que, o exercício do poder acusatório e punitivo do estatal é que deve ser controlado e limitado, nesse sentido, o processo penal cumpre um importante papel de proteção de direitos e garantias fundamentais e de instrumento de realização constitucional, sendo a liberdade inerente ao ser humano, não precisando de qualquer legitimação, por outro lado, a punição necessita de legitimidade apenas alcançável mediante um processo penal legítima e que cumpre o seu papel de servir ao imputado, jamais algo que tem em sua natureza o de servir ao réu, pode ser manipulado a fim de prejudicá-lo.

4 CONCLUSÃO

Sem a pretensão de ter exaurido um tema tão complexo, conclui-se que quando falamos de direito processual penal, devemos atentar para suas peculiaridades, negando qualquer entendimento embasado em um senso comum teórico alicerçado em uma, suposta, teoria geral do processo.

Nesse contexto, buscou-se refutar a hipótese de que dentro do processo penal teríamos um conflito entre interesses públicos e privados, por meio da afirmação de que todos os interesses em jogo são públicos visto que, os direitos de defesa se configuram no respeito a uma série de direitos e garantias fundamentais.

185

Assim sendo, o processo penal deve ser entendido como um instrumento de realização desses direitos e garantias sendo uma verdadeira barreira de proteção contra abusos e autoritarismo. Terminamos por concluir que a única hipótese cabível, baseada em uma Constituição garantista e em um Estado Democrático de Direito, é de que o processo penal serve ao indivíduo como proteção e que isso apenas é possível com um rigoroso respeito ao devido processo e suas formalidades. Vimos, no decorrer do trabalho, como a manipulação do suposto conflito de interesses pode servir para destruir garantias, como ocorreu com a presunção de inocência, bem pode servir para validar atos nulos/ilegais produzidos em processo, ao arrepio da legislação e da Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Olney Queiroz; KUMPEL, Vitor Frederico. Manual de

antropologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2011.

CASARA, Rubens; ALVES, Giane Ambrósio. Neofascismo:

eles passarão? in: ALVES, Giane Ambrósio; SEMER,

Marcelo; (et al). Brasil em fúria. Belo Horizonte: Letramento, 2017.

CASARA, Rubens R. R. Mitologia processual penal. São Paulo: Saraiva, 2015.

CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e Justiça

Distributiva. 2ª. ed. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2000.

COELHO, André Luiz Souza. Teoria da argumentação

jurídica, de Robert Alexy: valorações justificadas pela teoria do discurso, in: DIAS, Carlos Jean (Coord.); (et al). O pensamento jurídico contemporâneo. São Paulo: Método,

2015.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 4ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2014.

186

HASSEMER, Winfried. Direito penal libertário. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007.

LOPES JR, Aury. Fundamentos do processo penal: uma

introdução crítica. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

_____________. Direito processual penal. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ACRE. Mpac oferece denúncia

em audiência e obtém condenação de réu em três dias.

Disponível em: http://www.mpac.mp.br/xapuri-mpac-oferece- denuncia-em-audiencia-e-obtem-condenacao-de-reu-em-tres- dias/. Acesso em 10/01/2017.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e

execução penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

TRINDADE, Andre Karam (Org.). Garantismo versus

neoconstitucionalismo: os desafios do protagonismo judicial em terra brasilis, in: ROSA, Alexanre; NETO,

Alfredo;

TRINDADE, André; (et al). Garantismo, hermenêutica e

(neo) constitucionalismo um debate com Luigi Ferrajoli.

187

O DIREITO AMBIENTAL COMO CIÊNCIA JURÍDICA E