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PARTE II – LIMITES À SOBERANIA FISCAL: A HARMONIZAÇÃO

Capítulo 4.º HARMONIZAÇÃO FISCAL POSITIVA DA TRIBUTAÇÃO DAS SOCIEDADES:

2. A Deriva para a Coordenação: os anos 90 e a MCCCIS

2.2 A MCCCIS

Do outro caminho da estratégia adotada em 2001, apontando para medidas globais de carácter geral, temos de salientar o objetivo de proporcionar uma MCCCIS.

Não obstante as diversas Comunicações182, através das quais a Comissão reforçou o seu

empenho em tal propósito e indicou os benefícios que desta introdução poderiam resultar, bem como criação, em 2004, de um grupo de trabalho183 sobre uma MCCCIS,

não foram adotadas quaisquer medidas concretas. Mais uma vez se revela a intransigência dos EM em abdicar da sua soberania fiscal em sede de tributação direta. As abordagens propostas foram várias: tributação pelo Estado de origem ("Home State Taxation"); tributação da base comum (consolidada) ("Common (Consolidated) Base Taxation"); imposto europeu sobre os rendimentos das empresas ("European Corporate

181 JO L 84 de 31/03/2010.

182 COM (2003) 726 final; COM (2005) 532 final; COM (2010) 608 final; COM (2010) 608 final; COM

(2011) 0712; e COM (2011) 0206 final.

183 Este grupo de trabalho, composto por peritos e partes interessadas dos EM trabalhou entre 2004 e

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Income Tax"); e uma abordagem mais "tradicional", com a criação de uma base tributável e de um regime fiscal únicos para as empresas da UE, que substituiria os regimes nacionais em vigor.

As duas últimas opções apresentadas afiguravam-se menos exequíveis e concretizáveis, daí que a análise tenha recaído sobre as duas primeiras, ou seja, sobre a tributação pelo Estado de origem (HST) e sobre a introdução de uma matéria coletável comum consolidada (MCCCIS).

A tributação no Estado de residência (HST) propunha que, à determinação da matéria coletável de um grupo de sociedades, fossem aplicáveis as regras fiscais de apenas um EM, mais concretamente seriam aplicadas as regras do EM de origem ou de residência da sociedade-mãe, a todas as sociedades dominadas residentes nos outros EM. Pese embora se tratasse de uma solução pragmática, este mecanismo apresenta alguns inconvenientes. Desde logo, o sistema de tributação na origem, carecendo de verdadeira neutralidade, poderia incrementar a concorrência fiscal e criar distorções fiscais entre EM. Acrescem, ainda, problemas de ordem administrativa, ligados à necessidade de as administrações fiscais conhecerem a legislação tributária de todos os EM.

Os problemas levantados levaram a que a opção recaísse sobre a definição de uma MCCCIS, o que implicaria a criação de um conjunto novo de regras fiscais comuns aos EM.

O HST seria o método aplicável a um eventual regime-piloto de tributação das pequenas e médias empresas184.

De referir que a opção por uma MCCCIS facultativa para as empresas e que se reparta entre os EM, foi considerada como a via mais adequada para assegurar a sua aplicação. A preferência por uma matéria coletável facultativa e não obrigatória é justificada pelo facto de nem todas empresas exercerem as suas atividades em mais de um EM, pelo que não seria necessário mudarem a sua base de tributação, nem seria desejável que fossem onerados com os encargos de tal mudança. Além disso, o carácter opcional, foi considerado como sendo facilitador da obtenção do apoio de todos os EM, não obstante as questões específicas que podem surgir a nível das administrações fiscais. Finalmente,

184 COM (2005) 702 final.

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o facto de ser uma opção poderia incitar a que a MCCCIS se tornasse tão concorrencial, simples e uniforme, quanto possível, em toda a UE185.

Sublinhe-se a preocupação constante da Comissão em assegurar aos EM que a introdução de uma MCCCIS não implicaria qualquer proposta de harmonização das taxas de impostos sobre as sociedades, permitindo-se, assim, que conservassem a soberania total sobre as suas receitas fiscais186.

Embora tenham sido registados alguns avanços em áreas muito específicas, designadamente através da adoção de um código de conduta relativo à documentação dos preços de transferência187 e de diretrizes para os acordos prévios em matéria de

preços de transferência na UE188, e das Comunicações da Comissão de 2006, sobre a

necessidade de coordenação acrescida entre os EM no que respeita aos seus sistemas fiscais189 e sobre os incentivos fiscais em favor da investigação e do desenvolvimento190,

continua a ser necessária uma abordagem mais abrangente.

Neste contexto, e embora assumindo que é um objetivo ambicioso e que suscita diversas dificuldades técnicas aos EM, a adoção da MCCCIS é considerada como um instrumento fundamental para o êxito do mercado interno, para o aumento do crescimento e do emprego, para o reforço da competitividade das empresas da UE no mundo e para tornar o mercado da União mais atrativo para o investimento, tanto intracomunitário como estrangeiro.

Apesar do objetivo inicial de apresentar uma proposta legislativa em 2008, só em março de 2011 é apresentada uma proposta de Diretiva do Conselho relativa a uma MCCCIS191.

A MCCCIS seria introduzida com o objetivo de lutar contra alguns dos principais entraves fiscais ao crescimento do mercado único, designadamente: sobretributação e

185 COM (2006) 157 final.

186 COM (2007) 223 final.

187 Código de conduta relativo à documentação dos preços de transferência para as empresas associadas

na UE, publicado com a comunicação da Comissão sobre os trabalhos efetuados pelo Fórum Conjunto da UE em matéria de Preços de Transferência no domínio da documentação dos preços de transferência para as empresas associadas na UE – COM (2005) 543 de 07/11/2005 – adotada pelo Conselho em 27 de junho de 2006. Este Código mais uma vez assumiria o papel de um compromisso político, que não afetaria os direitos e obrigações dos EM ou as respetivas esferas de competência dos EM e da Comunidade.

188 COM (2007) 71.

189 COM (2006) 823; COM (2006) 824; e COM (2006) 825. 190COM (2006) 728.

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dupla tributação; encargos administrativos pesados e elevados custos de cumprimento das obrigações fiscais, que podem advir da coexistência de sistemas fiscais distintos; elevado custo do cumprimento das formalidades ligadas aos preços de transferência; problemas relacionados com a compensação de perdas a nível transfronteiriço e, ainda, as dificuldades das pequenas e médias empresas em beneficiarem do mercado interno. Este mecanismo traduzia-se num sistema único de regras para as sociedades com atividades no território da UE, e sucursais situadas na União de sociedades de países terceiros, calcularem a sua matéria coletável. A proposta de diretiva mantém a característica do regime ser facultativo para as empresas, permitindo às sociedades a possibilidade de optarem por este esquema harmonizado, caso entendam que lhes é benéfico, ou de continuarem a trabalhar no âmbito dos seus sistemas nacionais.

A MCCCIS estaria disponível para empresas de todas as dimensões e implicaria a consolidação dos lucros e perdas da sociedade, ou da sociedade-mãe e das várias subsidiárias para o cálculo da matéria coletável. Acresce que a harmonização pretendida envolveria apenas o cálculo da matéria coletável, mantendo os EM as suas regras nacionais em matéria de contabilidade financeira e, também, não implicaria a harmonização das taxas de tributação, que é considerada uma questão inerente à soberania fiscal dos EM, devendo, por conseguinte, ser regida através de legislação nacional.

Ademais, a repartição da matéria coletável, por todos os EM em que a sociedade opera, seria efetuada com base numa fórmula que tem em conta três fatores (ativos, mão-de- obra e vendas), e cada EM tributaria a parte que lhe coubesse, aplicando para o efeito a respetiva taxa de imposto.

Outra característica relevante era a introdução de um “balcão único”. Na prática significaria a existência de apenas uma administração fiscal interlocutora, junto da qual deveriam ser apresentadas as declarações fiscais sobre o conjunto das atividades na UE da sociedade, ou grupos de sociedade, e que corresponderia às autoridades fiscais do EM principal da sociedade.

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Porém, não obstante as vantagens que a introdução da MCCCIS traria, designadamente a nível de simplificação e redução dos custos no cumprimento das obrigações fiscais, de eliminação da necessidade de recorrer ao complexo e dispendioso sistema dos preços de transferência, compensação transfronteiras de perdas e aumento da transparência, algumas dificuldades foram indicadas.

Assim, a questão do impacto que o sistema traria em termos de receitas tributárias; o aumento de custos administrativos para os EM e empresas, derivado da existência dois regimes fiscais distintos (a MCCCIS e o imposto sobre o rendimento das sociedades nacional); os três fatores utilizados na fórmula de repartição da matéria coletável, que não são considerados critérios objetivos para determinar a quota-parte de cada sociedade na matéria coletável consolidada de um grupo; o mecanismo de repartição proposto não refletir adequadamente as especificidades da economia de cada EM; a redução das vantagens competitivas da União, decorrente da diversidade de normas fiscais, que levaria a que o investimento fosse desviado do espaço europeu para países com regimes fiscais mais favoráveis; o facto de os EM se verem impossibilitados de reagir às alterações da realidade económica e do ambiente empresarial através da política fiscal; bem como a não observância dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade192, são alguns dos entraves apontados à introdução da MCCCIS e que

levaram a que a proposta não fosse concretizada193.

3. A Luta contra a fraude, evasão e elisão fiscal: Os vários Planos de Ação e Pacotes