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A soberania fiscal e a integração europeia : evolução e desafios

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Academic year: 2021

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço aos meus pais porque sem eles nada seria possível.

Expresso também a minha sentida gratidão à Senhora Professora Doutora Paula Rosado Pereira, pela compreensão e motivação.

Aos meus amigos que perceberam as minhas ausências e mas perdoaram e aos meus colegas que partilharam o meu esforço, o meu obrigada.

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Resumo: É frequente a referência a uma perda de soberania dos Estados-Membros decorrente da integração europeia. A soberania dos Estados pode exteriorizar-se de diversas formas, sendo uma das suas manifestações específicas a soberania fiscal.

Os poderes tributários dos Estados, em particular, no que diz respeito à tributação das sociedades, são muitas vezes caracterizados como constituindo o último reduto de soberania fiscal.

Através do presente trabalho pretendemos efetuar uma análise dos efeitos que a integração europeia comporta para a soberania fiscal dos Estados-Membros, em particular no que concerne à fiscalidade direta.

Tendo em vista este objetivo, começamos por efetuar uma breve abordagem ao conceito de soberania e à evolução da integração europeia. Posteriormente, analisamos a noção de soberania fiscal de acordo com os diversos entendimentos doutrinais.

Em seguida fazemos uma análise da harmonização fiscal negativa, levada a cabo pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, através da qual concluímos que o último reduto de soberania em que se converteu a competência dos Estados-Membros em matéria de fiscalidade direta sofre limitações decorrentes da atuação do Tribunal.

Passamos depois a efetuar uma referência à harmonização fiscal positiva da tributação das sociedades, dando conta das várias iniciativas que, ao longo dos anos, foram sendo desenvolvidas com vista a alcançar tal desiderato. Concluímos, porém, que, apesar dos muitos esforços encetado,s os resultados obtidos são escassos, o que também é revelador da falta de vontade dos Estados-Membros em abdicar ou partilhar a sua soberania fiscal.

Finalmente, tratamos a questão da globalização e internacionalização e os efeitos que, num espaço de integração como o que caracteriza a União Europeia daí advêm. Esta análise centra-se, predominantemente, na concorrência fiscal prejudicial, percorrendo, ainda, alguns dos fenómenos a ela associados, como o planeamento fiscal agressivo e elisão fiscal. Desta abordagem concluímos que as alterações de política fiscal impostas por tal concorrência se traduzem num enfraquecimento da soberania fiscal.

Palavras-chave: soberania fiscal, integração europeia, harmonização fiscal, concorrência fiscal, tributação das empresas.

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Abstract: The reference to a loss of sovereignty of the Member States as a result of European integration is common.

States’ sovereignty can be expressed in a number of ways, one of their specific manifestations being tax sovereignty.

The tax powers of the Member States, in particular with regard to company taxation, are often characterized as the ultimate stronghold of tax sovereignty.

Through the present work we intend to analyze the effects of European integration on the States’ tax sovereignty of the Member States, in particular as regards direct taxation. With this in mind, we begin by taking a brief approach to the concept of sovereignty and the evolution of European integration. Subsequently, we analyze the notion of tax sovereignty according to the different doctrinal understandings.

We next analyze the negative tax harmonization carried out by the Court of Justice of the European Union, whereby we conclude that the last sovereign strength in which the competence of the Member States for direct taxation has been converted is limited by the Court action.

We will then make a reference to the positive tax harmonization of corporate taxation, taking into account the various initiatives that have been developed over the years with a view to achieving this. We conclude, however, that despite the many efforts made, the results obtained are scarce, which is also a sign of the Member States' unwillingness to abdicate or share their tax sovereignty.

Finally, we address the issue of globalization and internationalization and the effects that, in an area of integration such as that which characterizes the European Union, arise. This analysis focuses predominantly on harmful tax competition, including some of the associated phenomena, such as aggressive tax planning and tax avoidance. From this approach we conclude that the tax policy changes imposed by such competition translate into a weakening of fiscal sovereignty.

Keywords: tax sovereignty, European integration, tax harmonization, tax competition, coporate taxation.

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LISTA DE ABREVIATURAS... 1

INTRODUÇÃO ... 2

PARTE I – SOBERANIA FISCAL E INTEGRAÇÃO EUROPEIA: ENQUADRAMENTO ... 4

Capítulo 1.º – SOBERANIA ... 4

Capítulo 2.º – A INTEGRAÇÃO EUROPEIA ... 6

1. Integração no período que antecede o final da II Guerra Mundial ... 6

2. A Integração Europeia após a II Guerra Mundial ... 8

Capítulo 3.º – SOBERANIA FISCAL ... 17

PARTE II – LIMITES À SOBERANIA FISCAL: A HARMONIZAÇÃO ... 19

Capítulo 1.º – A HARMONIZAÇÃO FISCAL ... 22

1. Noção e Natureza da Harmonização Fiscal ... 23

Capítulo 2.º - HARMONIZAÇÃO FISCAL: LIMITES ... 26

1. A Regra da Unanimidade ... 27

2. Cooperação reforçada ... 28

Capítulo 3.º – HARMONIZAÇÃO FISCAL NEGATIVA ... 35

1. O TJUE ... 35

2. Particularidades do Ordenamento Jurídico ... 37

2.1. Aplicabilidade direta e Efeito Direto do Direito Europeu ... 38

2.2. O Primado do Direito Europeu ... 39

3. A atuação do TJUE ... 40

4. Críticas à Atuação do TJUE ... 42

Capítulo 4.º - HARMONIZAÇÃO FISCAL POSITIVA DA TRIBUTAÇÃO DAS SOCIEDADES: TENTATIVAS E CONCRETIZAÇÕES ... 44

1. A Via da Harmonização: de 1960 até aos anos 90 ... 46

2. A Deriva para a Coordenação: os anos 90 e a MCCCIS ... 48

2.1. Harmonização Positiva - Diretivas ... 53

2.2 A MCCCIS ... 57

3. A Luta contra a fraude, evasão e elisão fiscal: Os vários Planos de Ação e Pacotes Fiscais da UE ... 61

3.1. Plano de Ação 2012 ... 62

3.2. Plano de Ação BEPS ... 63

3.3. Pacote Transparência Fiscal (2015) ... 67

3.4. Plano de Ação (2015) ... 69

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3.6. Pacote sobre a Reforma da Tributação das Sociedades (2016) ... 74

PARTE III – LIMITES À SOBERANIA FISCAL: GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO, MERCADO INTERNO E CONCORRÊNCIA FISCAL ... 77

Capítulo 1.º - DUPLA TRIBUTAÇÃO ... 79

Capítulo 2.º - CONCORRÊNCIA FISCAL ... 84

1. Noção e Distinções de Concorrência Fiscal ... 86

2. Concorrência Fiscal Benéfica e Prejudicial ... 88

3. Concorrência fiscal na UE ... 92

4. O Código de Conduta ... 95

5. O Relatório da OCDE ... 102

6. A sequência do Código de Conduta e do Relatório OCDE ... 104

7. Outros Mecanismos ... 107

CONCLUSÃO ... 110

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LISTA DE ABREVIATURAS BENELUX – Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo

BEPS – “Base Erosion and Profit Shifting”

CDT – Convenções em matéria de Dupla Tributação CED – Comunidade Europeia de Defesa

CEE – Comunidade Económica Europeia

CEEA – Comunidade Europeia da Energia Atómica CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CFC – “Controled Foreign Companies”

DCA – Diretiva de Cooperação Administrativa EM – Estado(s)-Membro(s)

EU – União Europeia

EUA – Estados Unidos da América

ITF – Imposto sobre as Transações Financeiras IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado

OCDE –Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico PEC – Pacto de Estabilidade e Crescimento

PESC – Política Externa e de Segurança Comum SME – Sistema Monetário Europeu

TCE – Tratado que institui a Comunidade Europeia

TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia

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2

INTRODUÇÃO

A soberania é um tema cuja relevância e atualidade são uma constante ao longo de todo o processo de integração Europeia.

Com fundamento na defesa da soberania, assistimos, com bastante frequência, ao extremar de posições por parte dos Estados-Membros (EM), que se mostram inflexíveis em dela abdicar.

Esta obstinação, presente nos mais diversos domínios, revela-se de importância acrescida numa das suas vertentes: a soberania fiscal.

De facto, por contender com objetivos essenciais da União Europeia (UE), que estiveram na base da sua criação, em particular, o pleno funcionamento do mercado interno e as liberdades consagradas nos Tratados, o exercício do poder tributário por parte dos Estados no quadro da União merece um particular destaque.

Através do presente estudo pretendemos, precisamente, analisar os efeitos da integração europeia na soberania fiscal. Essa análise irá incidir sobre a tributação direta, mais concretamente sobre a tributação das sociedades, considerada como o derradeiro bastião da soberania fiscal e que, recentemente, tem sido alvo da intervenção, pelo menos na forma tentada, dos órgãos políticos e legislativos da UE.

Assim, na primeira parte do nosso trabalho, abordaremos, de forma breve, o conceito de soberania e a evolução geral da integração europeia, para, em seguida, nos debruçarmos sobre o conceito e conteúdo de soberania fiscal.

Na segunda parte do nosso estudo, faremos a análise de um dos limites da soberania fiscal que advém da integração europeia: a harmonização. Começaremos por elencar as várias noções, natureza e limites de tal conceito, para, posteriormente, analisar a harmonização fiscal negativa, levada a cabo pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), e a harmonização fiscal positiva, materializada, designadamente, em regulamentos, diretivas e decisões. De referir que a análise da harmonização fiscal positiva, face aos inúmeros desenvolvimentos ocorridos, está limitada no tempo, pelo que o seu estudo se cingirá ao final do ano de 2016.

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Finalmente estudaremos as limitações que decorrem para a soberania fiscal de fenómenos como a globalização e a internacionalização das relações económicas, com particular ênfase para os efeitos da concorrência fiscal.

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PARTE I – SOBERANIA FISCAL E INTEGRAÇÃO EUROPEIA: ENQUADRAMENTO

Capítulo 1.º – SOBERANIA

Apesar de sobejamente utilizado no quotidiano, nos mais diversos contextos e por vários atores, o conceito de soberania não é de fácil apreensão, quer quanto às dimensões que comporta, quer quanto à evolução que foi sofrendo.

Ao longo da história foram várias as teorias formuladas a propósito da noção de soberania. Estas doutrinas, desenvolvidas a partir de entendimentos distintos e influenciadas, muitas das vezes, pelos ideais políticos da época, acabaram por servir de apoio e fundamento aos mais diversos interesses.

Não se afigura tarefa fácil definir soberania, nem o estudo a que nos propomos tem tamanha pretensão. Apenas se procura uma breve compreensão do quadro mais amplo em que se insere a soberania fiscal. É esse o trabalho que empreenderemos de seguida. A formulação do conceito de soberania, comummente atribuída a Jean Bodin, surge no século XVI, num contexto em que, após anos de submissão ao Papa e ao Império e sob as pressões dos senhores feudais, se buscava a legitimação dos Estados que se afirmavam na Europa1.

Refira-se, porém, que a ideia de poder absoluto e ilimitado atribuída a este autor não corresponde à realidade. Se, por um lado, Bodin afirmava que a soberania é a “potestas a legibus soluta”, por outro lado, tal expressão apenas visava demonstrar que o monarca não estava limitado pelas leis que ele próprio editava e, portanto, a todo o momento, podia revogar. Acresce que este mesmo teórico apontava como limitações ao poder soberano o direito divino, o direito natural, o direito comum a todas as nações e as designadas “leges imperii”2.

O modelo de soberania como poder absoluto, sem quaisquer limites, foi introduzido por Thomas Hobbes e, em 1648, com os Tratados de Vestefália a soberania dos Estados,

1 NGUYEN QUOC DIHN, PATRICK DAILLIER e ALAIN PELLET, Direito Internacional Público, Lisboa, Fundação

Calouste Gulbenkian, 1999, p. 44.

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enquanto titulares exclusivos do poder que é exercido de forma livre e unilateral3, é

reconhecida como princípio regulador das relações internacionais.

Superado o absolutismo monárquico e formados os Estados democráticos e constitucionais, assiste-se ao despontar de um novo paradigma de soberania.

O advento da separação de poderes, que anteriormente estavam concentrados no monarca, conduz, inevitavelmente, a que se proceda a uma destrinça entre a titularidade da soberania - que passa a pertencer à Nação, ao Povo, ao Estado e ao Parlamento – e o seu exercício – repartido por vários órgãos. Ultrapassada, desta forma, a ideia de que todas as funções do Estado são soberanas, a soberania passou a exprimir-se essencialmente na função legislativa4.

Enquanto conceito jurídico, a soberania tem expressão tanto internamente como externamente. Ao nível interno, podemos atribuir-lhe as características da unidade – que engloba também as dimensões de indivisibilidade e inalienabilidade – e da unilateralidade – no sentido de que o exercício da soberania não necessita da obtenção de consentimento por parte dos seus destinatários. Já no plano externo, são a independência jurídica face ao exterior e a igualdade dos Estados, que caracterizam a soberania5.

Consequentemente, se descrevermos a soberania enquanto poder jurídico, tal significará que é um poder com limites, também eles jurídicos. Assim, estaria limitada, internamente, pelo direito constitucional e em algumas matérias pelo direito internacional e, externamente, pelo direito internacional6.

Em conclusão, a soberania, enquanto conceito jurídico, não absoluto, ou seja, limitado e aplicável à situação normal, tem a sua expressão fundamental na função legislativa7.

3 MARIA LUÍSA DUARTE, União Europeia - Estática e Dinâmica da Ordem Jurídica Eurocomunitária, Vol. I,

Coimbra. Almedina, 2011, p. 25.

4 JOSÉ CASALTA NABAIS, Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Vol. II, Coimbra,

Almedina, 2008, p. 10 e11.

5 Idem, p. 12. 6 Idem, p. 13. 7 Idem, p. 14.

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Capítulo 2.º – A INTEGRAÇÃO EUROPEIA

Efetuado este breve exame ao conceito de soberania e centrando a nossa análise no fenómeno da integração europeia, verificamos que a UE acarreta para os EM que a compõe relevantes limitações à soberania.

Estas limitações, com claros reflexos internos, provêm, designadamente, da primazia do direito da União sobre o direito interno, do efeito direto das normas da UE, ou das decisões do TJUE. No plano externo a UE, de forma exclusiva ou conjuntamente com os EM, assume extrema relevância na definição das políticas externas, designadamente a nível económico8.

Face a esta realidade, é relevante proceder a uma breve resenha da história da integração europeia.

1. Integração no período que antecede o final da II Guerra Mundial

A unidade da Europa constitui uma ideia multisecular revelada em diversos momentos e tendo protagonistas distintos.

Desde as tendências imperialistas reveladas por Roma ou Carlos Magno, à autoridade do Papado, passando pela tentativa de domínio da Europa promovida pela dinastia dos Habsburgos, pelo autoproclamado imperador Napoleão Bonaparte, ou pela destruidora utopia do “império de raça ariana” de Hitler, as tentativas de unidade são uma constante da história europeia.

É inevitável, ainda, fazer-se referência a numerosos projetos9, de índole

predominantemente pacifista, e que se revelaram importantes na construção e evolução da ideia de UE: Pierre Dubois e Dante, no século XIV; Antoine Marini no século XV; Duque de Sully e William Penn no século XVII; Abade Saint-Pierre, século XVIII. Efetivamente, a busca da paz é uma ideia que atravessa toda a evolução da integração europeia, desde as teorias embrionárias que estiveram na sua génese, até ao momento da sua materialização.

8 JOSÉ CASALTA NABAIS, Por um Estado Fiscal Suportável, op. cit., p. 14.

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No século XIX, o pensamento integracionista europeu, continua a enformar os ideais de alguns pensadores da época, como sejam o Conde Saint-Simon, Benjamin Constant ou Ernest Renan. Aliás, é a este último filósofo que é atribuída a indicação do consentimento como elemento fundamental de qualquer comunidade política, sendo esta uma ideia que perdurou no processo de integração da Europa10.

Em 1914, eclode a I Guerra Mundial e assistimos ao declínio da Europa.

Com o fim deste confronto, é criada a Sociedade das Nações. Surge, assim, a primeira organização com vocação internacional, com o objetivo de manter a solidariedade e cooperação entre os povos e evitar um novo conflito beligerante, como o que esteve na sua origem. A prossecução de tais objetivos, por mais louvável e necessária que fosse, estava ab initio inquinada pelas ausências, iniciais ou subsequentes, de Estados como os Estados Unidos da América (EUA), Japão, Alemanha e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que levaram a um enfraquecimento da organização.

Apesar do desânimo que, nesta época, assombrava a ideia de unidade europeia, surgem algumas teses que a propugnavam. Uma das mais relevantes foi a defendida por Coudenhove-Kalergi, na sua obra Paneuropa. Este autor, que preconizava uma federação de nações europeias, é o fundador do primeiro movimento federalista europeu - a União Pan-Europeia11.

É na sequência da ação de Kalergi que se realiza, em Viena, o congresso Pan-Europeu, sob a presidência Aristides Briand.

O mesmo Aristides Briand que, na qualidade de ministro dos negócios estrangeiros francês, apresenta à Sociedade das Nações, em 5 de setembro de 1929, a ideia da criação de uma federação designada União Europeia e que se revelou a primeira tentativa intergovernamental de alcançar a unidade europeia12.

No discurso proferido nessa ocasião e que havia de perdurar na história, referia Briand: “Penso que entre os Povos que estão geograficamente agrupados, como são os da Europa, deve existir uma espécie de vínculo federal. Estes Povos devem ter a possibilidade em qualquer momento de entrar em contacto, de discutir os seus interesses, de tomar

10 Idem, p. 26.

11 Idem, pp. 29 e 30. 12 Idem, p. 30.

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resoluções comuns, de estabelecer entre eles laços de solidariedade que lhes permitam enfrentar em cada momento as circunstâncias graves que podem sobrevir (…). A associação atuará, evidentemente, sobretudo no âmbito económico, que é a questão mais premente, mas estou certo que também do ponto de vista politico e social, o vínculo federal, sem tocar na soberania comum das nações, poderá configurar aquela associação” 13.

A posição federalista de Briand e que recebeu o apoio da Alemanha foi, apesar da menção à manutenção da soberania, recebida de forma bastante mais reservada e cautelosa por outros países, designadamente a Grã-Bretanha14.

O que facilmente se compreende, desde logo, pela contradição insanável entre união federal e manutenção de soberania. De facto, qualquer forma de federalismo tem como pressuposto e implica uma limitação de parcelas de soberania15.

Não sendo capaz de reunir consensos, esta ideia apresentada por Briand para uma união política da Europa soçobra perante a depressão económica dos anos 30 e o advento do nacional-socialismo na Alemanha, que culminou na eclosão da II Guerra Mundial.

2. A Integração Europeia após a II Guerra Mundial

O final do maior e mais mortífero confronto bélico da história mundial, marcou fortemente o processo de integração europeia.

É efetivamente o final da II Guerra Mundial o momento marcante da UE, tal como hoje a vivemos e conhecemos.

Com a capitulação da Alemanha e o fim da guerra em 1945 assistimos a mudanças profundas no panorama político mundial. De entre estas mudanças podemos salientar a redistribuição de forças a nível mundial, resultado da destruição europeia e em que se

13 Idem, p. 31.

14 Refira-se, no entanto, que Winston Churchill não se opunha, frontalmente, à iniciativa, embora deixasse

claro que estava com a Europa, mas não era da Europa. Mais se diga que esta atitude do líder britânico se manteve após a Segunda Guerra Mundial, revelando a falta de vontade do Reino Unido em participar da integração europeia. Aliás, a posição britânica relativamente à Europa, que se manteve ao longo do tempo e que pode até ajudar a perceber o desfecho recente do “Brexit” é resumida por uma das mais célebres frases deste político inglês: “We are with them, but we are no tone of them”. Idem, p. 33.

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assumem como superpotências os EUA e a URSS, e, ainda, a divisão da Europa por uma “cortina de ferro”.

Perante uma Europa completamente destruída por seis anos de guerra, os EUA criaram um plano de ajuda, que visava prestar apoio à recuperação da economia dos países aliados europeus – o célebre Plano Marshall.

Contudo, para que tal ajuda fosse concedida, os estadunidenses estabeleceram uma condição prévia: os países europeus teriam de aceitar gerir o programa de ajuda solidariamente entre si16.

Tratou-se, pois, de uma solidariedade “forçada”, que foi aceite por 16 Estados, e levou à criação, em 16 de abril de 1948, da Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE)17.

Por outro lado, a aliança militar entre a França e o Reino Unido, instituída em março de 1947, com o Tratado de Dunquerque, à qual está subjacente o propósito de evitar o renascimento do perigo alemão é alargada, em 17 de março de 1948, com a assinatura do Tratado de Colaboração Económica, Social e Cultural e de Defesa Coletiva, também designado por Tratado de Bruxelas, aos países que compõem o BENELUX (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo). A Organização do Tratado de Bruxelas, como foi designada inicialmente, consubstanciava um pacto de cooperação a nível económico, cultural e social e um acordo de defesa intergovernamental.

Mais tarde, em 1954, com o Tratado de Bruxelas Modificado que permitiu as adesões da República Federal da Alemanha e da Itália, a Organização adotou o nome de União da Europa Ocidental18.

Posteriormente, em 1948, realiza-se, na cidade de Haia, o Congresso da Europa. Neste evento participaram mais de 700 delegados, entre os quais Jean Monnet, Robert

16 Idem, p. 34.

17 Em 14 de dezembro de 1960 realizou-se a Convenção da Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Económico, passando a designar-se Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Com as adesões de Canadá, EUA e Japão, deixou de ser considerada uma organização europeia, para assumir um papel mundial.

18 Esta União da Europa Ocidental, desenvolveu-se no âmbito do Tratado de Bruxelas, o mesmo quadro

jurídico que enformou a NATO e, na sequência do Tratado de Amsterdão de 1998, viu o seu conteúdo esvaziar-se e passar progressivamente para a esfera da UE, tendo sido formalmente extinta em 30 de junho de 2011.

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10

Schuman, Alcide de Gasperi, Paul-Henri Spaak, Paul Reynaud e Léon Blum. A relevância destes políticos no processo de construção europeia foi de tal ordem que lhes valeu, posteriormente, a designação de “pais fundadores” da Europa19.

Nesta sequência, é criado, em 1949, o Conselho da Europa. Esta organização de cooperação política atuou, primordialmente, em matérias como a promoção e defesa dos princípios fundamentais da liberdade individual, política e do primado do Direito, bem como na promoção e defesa dos valores relacionados com a democracia representativa20.

Em 9 de maio de 1950 é protagonizado por Robert Schuman um dos momentos mais importantes do movimento de integração europeia. Num discurso inspirado por Jean Monnet e onde é apresentado o conceito de supranacionalidade, o Ministro francês dos Negócios Estrangeiros propõe que as indústrias do carvão e do aço francesas e alemãs estejam sujeitas a uma autoridade comum e independente – a Alta Autoridade. À organização que surgiria desta união, é ainda proposto, que poderiam aderir outros Estados21.

Através da adoção de um método de integração funcionalista, utiliza-se uma abordagem de integração parcelar de sectores limitados, que se traduziria como “as primeiras bases concretas de uma federação europeia indispensável à preservação da paz”. Com base nesta Declaração (Schuman), que teve o acordo de Alemanha, BENELUX e Itália, institui-se a primeira Comunidade – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) – cujo tratado institutivo foi assinado em Paris, em 18 de junho de 195122 .

Estes mesmos seis países que integravam a CECA, impulsionados pelo deflagrar da Guerra da Coreia, procuraram transpor a experiência de integração para o terreno militar. Com tal propósito celebraram um Tratado, em 28 de maio de 1952, que instituía a Comunidade Europeia de Defesa (CED) e assim materializavam a intenção de criar um exército europeu. Esta Comunidade deveria ser acompanhada de uma Comunidade de

19 MARIA LUÍSA DUARTE, op. cit., pp. 34 e 35.

20 Refira-se que esta organização desempenhou um papel importante na assinatura, em 1950, da

Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e, atualmente, é formada por 47 Estados - a designada “Grande Europa” -, incluindo os (ainda) 28 EM da UE – a “Pequena Europa”. Idem, p. 36.

21 Idem, pp. 40-41. 22 Idem, pp. 41-43.

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natureza política. Porém, ambos os projetos revelar-se-iam um fracasso, na sequência da recusa, em 1954, por parte da Assembleia Nacional francesa, de ratificar o Tratado que instituía a CED23.

Na sequência de tal insucesso, pode observar-se um refrear do entusiasmo sentido com a instituição da CECA e com a génese do CED.

E é precisamente neste momento, que a proposta de relançamento europeu apresentada pelos seis países membros da CECA, em Messina, marca uma nova fase de construção europeia. Esta nova etapa, face aos acontecimentos que a antecederam, já não assentava numa integração a nível político, apontando, ao invés, para uma integração no domínio económico, com a criação de um mercado comum. A proposta apresentada consagrava as ideias que serviriam de base a dois tratados, assinados em Roma em março de 1957 e através dos quais se instituíram duas Comunidades: a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA), centrada especificamente no sector específico da energia atómica24.

Tal como definido no seu Tratado constitutivo, a CEE teve por base a união aduaneira, caracterizada pela livre circulação de mercadorias e por uma pauta aduaneira comum nas relações entre os 6 países membros e o exterior, complementada por políticas comuns em sectores como a Agricultura ou Pescas. Saliente-se, ainda, que, aquando da criação da CEE, a menção à supranacionalidade é omitida, em detrimento da predominância do fator intergovernamental.

Poucos anos após a criação da CEE, o Reino Unido, que inicialmente se havia recusado a participar em tal projeto, altera a sua posição e formula um pedido de adesão à Comunidade. Este pedido é recusado pela França, uma primeira vez em 1963 e, novamente, em 196725.

Mas uma outra questão viria a ensombrar as Comunidades. A posição do presidente francês General De Gaulle, que via com desagrado o crescente poder de organizações de carácter supranacional (como era o caso da Comissão Europeia) e cuja posição mais radical se pode sintetizar na frase “não pode haver outra Europa possível que não seja a

23 Idem, p. 44.

24 Idem, pp. 45-46. 25 Idem, p. 53.

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dos Estados” conduz à chamada “política da cadeira vazia”. Esta política consistia na não comparência francesa nos órgãos comunitários. Ademais, a França mostrou-se, também, adversa à introdução da regra da maioria qualificada no Conselho, substituindo a tradicional regra da unanimidade. O seu ponto de vista prevaleceu e, em 1966, com o “Acordo do Luxemburgo”, é consagrada a possibilidade de veto, por qualquer Estado, quando estivessem em causa decisões importante para um ou vários EM26.

A subida à presidência francesa de Georges Pompidou conduziu a uma moderação das posições mais extremistas do seu antecessor e, em Dezembro de 1969, realiza-se a Cimeira de Haia, no âmbito da qual foi aprovado o alargamento da Comunidade. Este alargamento concretizou-se em 1973 com a adesão do Reino Unido, República da Irlanda e Dinamarca. Desta Cimeira resultou, também, o objetivo de acabamento do Mercado Comum, objetivo este cuja concretização reclamava a existência de um sistema de recursos próprios da Comunidade capaz de financiar a prossecução das políticas comuns. Finalmente, mas não menos importante, resulta da reunião realizada na cidade holandesa a necessidade de aprofundamento, que se traduziria na criação do sistema monetário europeu27.

De realçar, entre os importantes avanços ocorridos durante este período, que se realizaram as primeiras eleições diretas para o Parlamento Europeu. Com a utilização deste método de sufrágio direto universal, que substituía o anterior sistema em que os membros do Parlamento Europeu eram designados pelos parlamentos nacionais, pretendeu reforçar-se a legitimidade democrática deste órgão. Outra nota de destaque vai para o Sistema Monetário Europeu (SME), lançado em março de 1979, a que acresce a criação de uma unidade de conta europeia, com o objetivo de obter assim a estabilidade monetária da Comunidade.

A adesão da Grécia em 1981, antecede a assinatura, em fevereiro de 1986, do Ato Único Europeu. O Ato Único concentrava num só documento a panóplia de disposições existentes e veio estabelecer como objetivo a concretizar até ao final de 199228, a

26 Idem, p. 54.

27 Idem, pp. 54-55.

28 Como salienta MARIA LUÍSA DUARTE, após 1992, a realização plena do mercado interno continuou a

reclamar a adoção de medidas adequadas e a sua adaptação ao novo enquadramento internacional, em virtude da globalização das relações económicas e comerciais, bem como da revolução tecnológica e a sua notável incidência no plano do funcionamento dos mercados. Idem, p. 56-57.

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formação do mercado interno, entendido como um espaço em que são abolidas as fronteiras internas e onde existe liberdade de circulação de pessoas, mercadorias, serviços e capitais.

Em 1986, a CEE sofre um novo alargamento, desta feita à Península Ibérica, com a adesão simultânea de Portugal e Espanha.

Outro marco indelével do projeto de integração nasce em 1989, com o Plano Delors, que propôs a realização de uma união económica e monetária.

Na sequência de duas Conferências Intergovernamentais, realizadas nos anos seguintes, foi aprovada a proposta do Tratado da União Europeia (TUE), ou Tratado de Maastricht, que entrou em vigor a 1 de novembro de 1993.

Tal Tratado, além de proceder à alteração dos tratados europeus anteriores, criou uma União Europeia assente em três pilares - as Comunidades Europeias (Comunidade Europeia e Comunidade Europeia da Energia Atómica); a cooperação no campo da política externa e de segurança comum (PESC); e a cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos. Ademais é com o Tratado de Maastricht que aparecem enunciados os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade no contexto europeu.

Foi também com o Tratado de Maastricht que foi criada a cidadania da União, que se reconheceu a intervenção do Parlamento Europeu no processo de decisão (processo de codecisão) e se previu a instituição da moeda única29. A denominada moeda única,

designada por “euro”, é criada em 1999, começando a circular fisicamente sob a forma de moedas e notas em 2002.

A ratificação do Tratado de Maastricht foi um processo difícil, marcado pelos resultados (inicialmente) negativos do referendo na Dinamarca e pelo euro-ceticismo de alguns deputados britânicos. Tal estado de espírito era demonstrativo das preocupações de alguns países relativas à perda de soberania que sucederia, forçosamente, na sequência da entrada em vigor do Tratado.

29 Note-se que o Tratado reconhece regimes de exceção ao Reino Unido e Dinamarca que, desta forma, não

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Em 1995, cresce uma vez mais o número de EM com o alargamento a três países: Áustria, Finlândia e Suécia.

O Tratado de Amesterdão, que modificou o TUE e os Tratados que instituem as Comunidades Europeias e certos atos afins, foi assinado 1997 e entrou em vigor em 1 de maio de 1999. Apesar da revisão minimalista que operou, é forçoso sublinhar que foi com este Tratado que se introduziu o mecanismo de cooperação reforçada. Este mecanismo inovador, tem subjacente o reconhecimento de modalidades de integração diferenciada, permitindo que um certo número de EM pudesse optar por uma forma mais célere e profunda de realizar os objetivos da União e das Comunidades Europeias (com exceção das questões do segundo pilar, ou seja, da PESC)30.

De salientar, que uma análise mais profunda deste instrumento introduzido pela revisão de Amesterdão, permite concluir que a maior abertura às iniciativas de cooperação reforçada é apenas aparente. Com efeito, bastaria um dos membros do Conselho opor-se a esta maioria qualificada, para a decisão ser submetida ao Conselho Europeu, que, por sua vez, decide por unanimidade. Assim, se por um lado se expressa uma forma de flexibilidade, que permitiria a alguns Estados avançar mais rapidamente no esforço da integração, fazendo-se menção expressa a uma evolução diferenciada dessa mesma integração, por outro lado, as condições restritivas em que pode operar e as reservas para o poder dos Estados que são reconhecidas, são de tal ordem que põem em causa o seu efeito prático31.

Ademais, foi com o Tratado de Amesterdão que surge em anexo ao TUE o “Protocolo Relativo à Aplicação dos Princípios da Subsidiariedade e da Proporcionalidade”.

Outro aspeto a realçar com esta revisão e que esteve na origem de vários processos referendários, consiste nas maiores limitações à soberania dos Estados em matérias relacionadas com a livre circulação de pessoas, como sejam as matérias de asilo, imigração e vistos32.

Com a perspetiva de um novo alargamento a novos EM, passou a estar em cima da mesa uma nova revisão ao Tratado. Apesar de apenas preparar parcialmente tal alargamento,

30 MARIA LUÍSA DUARTE, op. cit., p. 63.

31 PAULO DE PITTA E CUNHA, De Maastricht a Amesterdão – Problemas da União Monetária Europeia, Coimbra,

Almedina, 1999, p. 103.

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foi assinado em 2001 o Tratado de Nice. Este instrumento introduziu alterações importantes na cooperação reforçada que passou a operar no segundo pilar (PESC), o qual, pelas matérias delicadas que comportam e que constituem o cerne da soberania, tinha ficado excluído do âmbito de aplicação de tal mecanismo, aquando da sua introdução pelo Tratado de Amesterdão33. É, ainda, de salientar que, muito embora

tenha sido alargada a possibilidade de tomada de decisões por maioria qualificada, em matérias importantes, como a política fiscal, continuou a aplicar-se a regra da unanimidade.

De acordo com a Declaração n.º 23, anexa ao Tratado de Nice, o Conselho Europeu de Laeken, realizado em dezembro de 2001, decidiu organizar a Convenção sobre o Futuro da Europa. De entre os trabalhos que incumbiam a esta Convenção, consta a redação de uma Constituição para os cidadãos da Europa.

A designação pouco cautelosa escolhida para tal instrumento, “Constituição Europeia”, por si só já suscetível de causar alguma inquietação, acrescida de outras previsões, como seja a enunciação expressa do primado do Direito da União Europeia34, conduziu ao

insucesso de tal projeto constitucional.

Os resultados dos referendos obtidos em França e nos Países Baixos fizeram com que se abandonasse definitivamente a ideia da Constituição e conduziram à assinatura do Tratado de Lisboa em 2007.

O Tratado de Lisboa consuma assim o processo de “desconstitucionalização” e “tem um significado que ultrapassa largamente os aspetos relacionados com a nova designação e a supressão de disposições de analogia estadual ou federal. (…) o Tratado de Lisboa recupera o significado pactício do estatuto jurídico da união, atualizando-o ao estádio atual de evolução do processo de integração europeia.”35

Com a crise de 2008 e após algumas garantias concedidas à República da Irlanda36,

nomeadamente relativas à manutenção da sua soberania fiscal, o Tratado de Lisboa, que

33 Como salienta Paulo de Pitta e Cunha, neste campo, continua a valer o veto nacional. Cfr. PAULO DE PITTA

E CUNHA, Direito Institucional, op. cit., p. 28.

34 A inclusão de um artigo a consagrar formalmente o primado do direito da União sobre o direito nacional

foi retirado do Tratado de Lisboa. No entanto, este Tratado tem anexa uma declaração nesse sentido (Declaração n.º 17).

35 MARIA LUÍSA DUARTE, op. cit., pp. 71-72.

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altera o Tratado da União Europeia (TUE) e o Tratado que institui a Comunidade Europeia (TCE), entra em vigor em 1 de dezembro de 2009.

É com este instrumento que deixa de existir a Comunidade Europeia, sucedendo-lhe a UE. A União toma o lugar da Comunidade, sendo a sua sucessora legítima. Daí que o TCE passe a designar-se “Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia” (TFUE). Acresce que os princípios da competência por atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade, que delimitam as competências entre a UE e que foram inicialmente formulados pela jurisprudência, passam agora a constar expressamente do Tratado. No que se refere, especificamente, ao princípio da subsidiariedade, importa salientar que com o Tratado foi instaurado um sistema de alerta precoce, ou seja, um mecanismo que permite aos parlamentos nacionais zelar para que as propostas legislativas apresentadas respeitem este princípio, bem como que tais projetos respeitem o princípio da proporcionalidade (Protocolo n.º 1 relativo ao papel dos parlamentos nacionais na UE e Protocolo n.º 2 relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade).

Outras das inovações é a inclusão no Tratado de um procedimento formal, a seguir pelos EM que desejem sair da UE, de acordo com as respetivas normas constitucionais e regulado pelo artigo 50.º do TUE.

A integração europeia assentou, portanto, em pequenos avanços graduais, considerados, até há bem pouco tempo, como irreversíveis. Avanços estes que, apesar de decorrerem de negociações, constituem limitações à soberania dos EM. Refira-se ainda que, além destas limitações “negociadas”, existe uma outra limitação informal assumida pelo TJUE “no exercício da sua função de interpretação e aplicação das normas comunitárias (ativismo judicial)”37.

Assim, o processo de integração europeia tem sido desafiado por diversas crises e caracterizado por períodos em que, ao ímpeto unificador, se sucedem fases de ceticismo e retrocesso.

E se alguns consideram que o pendor federalista que se retira, desde logo, da declaração fundadora de Robert Schuman é inevitável, muitas dúvidas subsistem quanto à

37 MARIA LUÍSA DUARTE, op. cit., p. 84.

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concretização de tal desiderato. Dúvidas essas que sobressaem nos mais recentes desenvolvimentos e tendências nacionalistas que emergem em vários países, nas duras críticas efetuadas à União e ao seu funcionamento e cujo expoente máximo se revela na recente decisão do Reino Unido abandonar a União, o chamado “Brexit”.

Todavia, a saída do Reino Unido da UE poderá servir um de dois propósitos. Poderá constituir uma oportunidade de a União repensar a sua existência e obter o impulso para uma maior integração, ou, pelo contrário, resvalar para a desintegração.

Capítulo 3.º – SOBERANIA FISCAL

Tal como sucede aquando da tentativa de determinar uma definição de soberania, também chegar a uma noção de soberania fiscal se revela, por maioria de razão, uma tarefa difícil.

Podemos falar de soberania fiscal enquanto nível supremo do poder tributário e, desta forma, fazer uma separação entre esse nível – que compete ao Estado e que se traduz na competência, para criar, modificar o extinguir impostos, a título originário e sem quaisquer outros limites que não os que decorrem da Constituição – dos outros níveis desse poder, na esfera de estruturas de desconcentração estadual, como é o caso das regiões38.

É possível, ainda, abordar o conceito de soberania de um ponto de vista factual. De tal ponto de vista, a soberania terá uma expressão mais intensa consoante maior for a dimensão económica e a independência económica do Estado39.

O poder tributário do Estado, nas suas várias manifestações, conduz a um desdobramento da soberania fiscal nas suas diversas componentes: soberania fiscal legislativa, soberania fiscal administrativa, soberania fiscal judicial e soberania quanto às receitas40.

38 JOSÉ CASALTA NABAIS, Por um Estado Fiscal Suportável, op. cit., p. 15.

39 J.L.SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 2.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 57. 40 Idem, p. 58.

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Ora, tal poder tributário, manifestado na competência para produzir normas gerais e abstratas que criam na esfera jurídica do cidadão um dever de prestar, constituiria a soberania fiscal legislativa. Tal soberania seria externamente limitada pela celebração de acordos de dupla tributação e pelo nascimento do Direito Fiscal Europeu41.

A soberania fiscal administrativa, por sua vez, corresponderia ao conjunto de poderes atribuídos à Administração, que lhe permitem a aplicação coativa da lei, e seria limitada pelas obrigações de cooperação com outras Administrações Fiscais42.

Acresce, ainda, a soberania fiscal judicial, traduzida na competência dos tribunais para julgar situações em que se discute a correta aplicação das normas fiscais e que se encontra limitada pela crescente competência que vem a ser assumida pelo TJUE43.

Por fim encontramos a soberania quanto às receitas fiscais, entendida como um poder sobre essas mesmas receitas, sendo possível distinguir limitações neste campo em consequência das obrigações contraídas quanto ao financiamento da União Europeia por cada um dos seus EM44.

Numa outra formulação, a soberania fiscal, enquanto construção jurídica dos poderes tributários do Estado, tem como pressuposto a existência de possibilidades de conformação da estrutura fiscal e tem, como único limite, a vontade dos representantes do povo e os limites constitucionais ao poder estatal45.

Outras perspetivas de soberania fiscal identificam uma dimensão externa ou espacial da soberania tributária “que permite o relacionamento de diferentes Estados com iguais poderes de tributação”, e uma dimensão interna ou material “que se manifesta no exercício de poderes do Estado sobre sujeitos passivos”46.

Finalmente, façamos referência a uma última opinião, à qual aderimos, de acordo com a qual a soberania fiscal consiste numa “manifestação específica da soberania do Estado que lhe permite criar e implementar a sua própria política fiscal, exercendo os seus poderes

41 Idem, ibidem.

42 Idem, ibidem. 43 Idem, pp. 58 e 59. 44 Idem, p. 59.

45 J.L.SALDANHA SANCHES, «Soberania fiscal e constrangimentos externos», Fisco, 27, janeiro de 1991, p. 19. 46 ANA PAULA DOURADO, apud PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional - Do

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tributários tanto relativamente a situações tributárias internas como a situações tributárias internacionais com elementos de conexão relevantes com esse Estado, e ainda negociando em matéria tributária com outros Estados”47.

PARTE II – LIMITES À SOBERANIA FISCAL: A HARMONIZAÇÃO

Da análise efetuada nos capítulos antecedentes resulta que o processo de integração europeia acarreta, inevitavelmente, uma certa perda, ou partilha, de soberania.

Resulta, ainda, claro que a construção de um mercado interno esteve sempre no cerne de todas decisões tomadas, sendo, em grande medida, a prossecução de tal objetivo que conduziu a uma maior integração dos Estados da União.

Note-se que até a criação de uma União Monetária serve tal propósito, uma vez que a volatilidade das taxas de câmbio afigurava-se como suscetível de constituir um obstáculo à livre circulação de mercadorias e serviços. Por estas razões se começou a acelerar o processo de integração económica, inicialmente através da substituição de taxas de câmbio flexíveis por taxas fixas e culminando com a entrada em circulação de uma moeda comum, controlada por um banco central supranacional e que veio substituir as moedas nacionais48.

O TUE, assinado em Maastricht em 1992, opera uma profunda mudança qualitativa na integração europeia, que podemos observar, designadamente, na criação de uma União Económica e Monetária. Desta forma, concretiza-se pela primeira vez na história da construção europeia a transferência para a esfera comunitária de um dos elementos essenciais das soberanias nacionais – a moeda49.

47 PAULA ROSADO PEREIRA, Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal, Lições de Fiscalidade, Vol. II, Coord:

JOÃO RICARDO CATARINO e VASCO BRANCO GUIMARÃES, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 205-206.

48 PAULO DE PITTA E CUNHA, De Maastricht a Amesterdão, op. cit., p. 129.

49 PAULO DE PITTA E CUNHA, De Maastricht a Amesterdão, op. cit, p. 48 e 49. Refira-se, porém que, como

salienta o mesmo autor “enquanto a soberania transposta for a monetária, por muito que esteja ligada ao cerne da soberania nacional na tradição dos Estados, o certo é que o limiar do acesso ao Estado federal não terá sido franqueado. Há no passado casos de uniões monetárias em que os Estados mantiveram a sua presença internacional soberana. Mas a união monetária poderá levar, por arrastamento, ao estádio federal: a necessidade de colmatar certas deficiências de enquadramento – a união monetária nasce desapoiada de

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De facto, a União Monetária foi responsável por um tremendo impacto nos EM. Se, por um lado, conduziu a uma maior transparência, quanto aos preços praticados ou ao lucro das empresas, por outro lado, veio evidenciar as diferenças de tratamento fiscal existentes entre EM. A tomada de consciência por parte dos investidores destas diferenças de tratamento pode conduzir a uma deslocalização das empresas, agravando as distorções do mercado interno, além de incentivar a concorrência fiscal (prejudicial) entre os EM50.

Apesar da cedência por parte dos EM (ou da grande maioria51) quanto às suas políticas

monetárias e cambiais, perdendo assim alguns dos mecanismos que tinham à disposição para regular a economia, outras limitações viriam a ser aceites. Falamos agora das limitações que incidiram sobre a política orçamental nacional.

Efetivamente, foram introduzidas no Tratado de Maastricht regras vinculativas52 em

matéria de política orçamental, de que se salienta a disciplina de défices orçamentais excessivos.

Este quadro de limitações orçamentais foi ainda reforçado pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), que, no seu procedimento por défices excessivos estabelece sanções duras para os EM incumpridores.

Finalmente, é também de salientar com o Tratado intergovernamental sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária, cuja componente orçamental é o Pacto Orçamental, assinado em 12 de março de 201253, se

previu que a “regra de ouro”, segundo a qual o orçamento tem de estar equilibrado, com um limite mínimo de 0,5 % do PIB para o défice estrutural, tem de ser consagrada no direito nacional, de preferência a nível constitucional (“travão da dívida”). Refira-se,

dispositivos relativos à integração económica – poderá implicar uma evolução que leve a Comunidade ao limiar da estrutura federal. É aqui que passa a poder falar-se de progresso no sentido do federalismo financeiro.” PAULO DE PITTA E CUNHA, De Maastricht a Amesterdão, op. cit., p. 104 e 105.

50 PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional, op. cit., p. 292.

51 De salientar que, de acordo com Paulo Pitta e Cunha, o processo de criação de uma União Económica e

Monetária conduziu a uma situação de “Europe à la Carte”, consequência das desigualdades quanto às condições de acesso à união monetária, mesmo possuindo as condições económicas de convergência para o efeito e que se observa pelo facto de Grã-Bretanha e Dinamarca se puderem eximir a participar em tal união. PAULO DE PITTA E CUNHA, De Maastricht a Amesterdão, op. cit., p. 105.

52 Também designadas “binding rules”.

53 Por todos os EM com exceção de Reino-Unido, República Checa e Croácia (que só aderiu à UE

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ainda, a ajuda financeira prevista no Mecanismo Europeu de Estabilidade que só será prestada aos EM que assinaram o Pacto Orçamental.

Sucede, porém, que, contrariamente ao que aconteceu a nível monetário, em que se operou uma transferência de soberania para instâncias supranacionais, no domínio orçamental, continuou a confiar-se na coordenação das políticas orçamentais, no quadro da supervisão multilateral54.

Este cenário de centralização da política monetária e de regras orçamentais vinculativas, que impede os Estados de utilizar os seus principais instrumentos nacionais de gestão da economia como forma de reagir contra eventuais adversidades económicas, constitui um dos fundamentos para a resistência demonstrada pelos EM no que toca à sua soberania fiscal, encarada como um último reduto que lhes permite exercer, de forma independente, alguma espécie de controlo sobre a sua economia nacional.

Desta perspetiva se compreendem os tímidos avanços a nível fiscal, mais concretamente ao nível de uma harmonização fiscal.

Mas, por outro lado, se atendermos a fenómenos como a globalização e a concorrência fiscal prejudicial, a que está inerente a erosão da base tributável, a coordenação a nível da UE de políticas de tributação, com o fim de contrariar medidas prejudiciais, pode contribuir para a defesa da soberania nacional. De facto, constituindo a fixação de taxas, um dos aspetos mais relevantes da soberania fiscal, tal coordenação poderá atenuar um dos efeitos da concorrência fiscal entre EM – a fixação de taxas reduzidas (a chamada “race to the bottom”)55.

Verificamos, desta forma, que um dos principais desafios ao poder fiscal dos Estados resulta do processo de integração europeia, bem como das exigências que tal processo coloca em sede de harmonização fiscal56.

54 PAULO DE PITTA E CUNHA, De Maastricht a Amesterdão, op. cit., p. 110.

55 JOSÉ CASALTA NABAIS, Introdução ao Direito Fiscal das Empresas, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p.

116.

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Capítulo 1.º – A HARMONIZAÇÃO FISCAL

A harmonização, em sentido amplo, é um instrumento fundamental da integração comunitária. Revela-se de sobeja importância na prossecução dos objetivos de pleno funcionamento do mercado interno, na realização da União Económica e Monetária e, ainda, como forma de possibilitar a liberdade de circulação. De facto, a liberdade de circulação só será alcançada se entre os EM não existirem obstáculos ou discriminações de natureza jurídica57.

Os artigos 114.º e 115.º do TFUE preveem a “aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros”, que tenham “por objeto” e “incidência direta” no estabelecimento e o funcionamento do mercado interno.

Apesar dos preceitos enunciados não coincidirem, nem no procedimento, nem no objeto da harmonização – uma vez que o artigo 114.º do TFUE se baseia no processo legislativo ordinário, excluindo expressamente do seu âmbito de aplicação as disposições fiscais, as relativas à livre circulação das pessoas e as relativas aos direitos e interesses dos trabalhadores assalariados –, da sua enunciação resultam duas características que se podem apontar à harmonização: a progressividade e o respeito pela especificidade dos direitos nacionais. De acordo com a primeira característica, a harmonização deverá limitar-se, em cada momento, às disposições diretamente relacionadas com o estabelecimento e funcionamento do mercado interno. Da segunda particularidade apontada, resulta o respeito pelos sistemas jurídicos nacionais, desde que tal não obste ao funcionamento do mercado interno58.

Podemos, aliás, falar de um princípio do gradualismo da integração europeia. Ou seja, o processo de integração deve ser “paulatino e progressivo, ou seja, não deve saltar sobre fases, o que poderia pôr em risco todo o processo da integração; mas, por outro lado, (…)a integração não deve parar ou não se deve interromper: ela é, por definição um processo dinâmico e evolutivo.”59

Outro princípio de importância suprema quando se fala de harmonização a nível da UE é o princípio da subsidiariedade. Este princípio, consagrado no artigo 5.º do TUE, vem

57 FAUSTO DE QUADROS, Direito da União Europeia, Coimbra, Almedina, 2004, p. 445. 58 Idem, p. 447.

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impor, por um lado, que, no exercício de atribuições concorrente pelos EM e pela UE, “a harmonização apenas seja levado a cabo e, portanto, que a especificidade dos Direitos nacionais só seja substituída por um Direito comum, se isso for necessário aos objetivos da integração”, exigindo, por outro lado, que a “harmonização se restrinja, na sua intensidade, ao que for necessário para a integração.”60

Este princípio da subsidiariedade que foi introduzido pelo Tratado de Maastricht, como atrás mencionámos, tem o alcance de ampliar a soberania dos EM, em detrimento da atuação da União, nas situações em que os Estados se revelem capazes de exercer tais atribuições de forma que se revele suficiente para alcançar os objetivos dos Tratados. Paradoxalmente, tal princípio da subsidiariedade relativiza o âmbito de soberania, uma vez que os EM conservarão tanto maiores parcelas de soberania quanto mais capazes se revelarem de, individualmente, sem intervenção da União, exercer tais atribuições61.

Por se revelar complementar ao princípio da subsidiariedade, fazemos uma breve menção ao princípio da proporcionalidade. Este princípio, consagrado igualmente no artigo 5.º do TUE estabelece que “o conteúdo e a forma da ação da União não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos dos Tratados”.

O respeito pelos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade encontra-se refletidos no Protocolo (n.º 2) relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao TFUE.

1. Noção e Natureza da Harmonização Fiscal

Como resulta do que acabámos de expor, a primeira nota a salientar quando falamos em harmonização fiscal é a de que tal harmonização não tem sido considerada como um fim em si mesma62.

Os esforços de harmonização da tributação têm sido efetuados com vista ao desenvolvimento e realização do mercado interno, considerando-se essenciais para

60 Idem, p. 452.

61 Idem, p. 103.

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eliminar os obstáculos fiscais e permitir a plena eficácia das liberdades consagradas pelos Tratados - livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais63.

Acresce que os Tratados e a generalidade da legislação comunitária parecem fazer uso indiferenciado dos termos harmonização, aproximação e coordenação para qualificar a atuação comunitária ao nível dos sistemas fiscais dos EM64.

Assim, não se encontrando tais termos densificados e sendo utilizados sem qualquer critério de uniformidade, a doutrina tem tentado definir o significado e extensão destas designações, sem alcançar, porém, unanimidade.

A coordenação fiscal, para alguns autores, consistiria na cooperação por via política, não tendo por objeto atos de legislação ou outros atos normativos, mas sim o exercício do poder político num determinado sector65.

Sucede que alguma doutrina defende que a coordenação fiscal também abrange a coordenação de legislações, situando-se ao nível da cooperação jurídica internacional dos Estados e materializando-se através de convenções, ou mesmo diretivas. Nesta aceção, a coordenação fiscal assumiria contornos idênticos aos da aproximação de legislações66.

Há, também, quem perspetive a coordenação fiscal como um processo desenvolvido pelos EM com o objetivo de eliminar as distorções fiscais e que utiliza para o efeito instrumentos juridicamente não vinculativos, o chamado “soft law”, como sejam as recomendações ou as comunicações. Tais instrumentos constituem compromissos políticos para os Estados, que acordam em adequar as legislações nacionais à prossecução de determinado fim. Uma vez que esta forma de atuação comunitária permite que os Estados continuem a deter o poder de determinar o conteúdo da sua

63 Idem, ibidem. Neste sentido ver também PAULA ROSADO PEREIRA, Princípios do Direito Fiscal Internacional,

op. cit., p. 263.

64 PAULA ROSADO PEREIRA, A tributação das sociedades na União Europeia - Entraves fiscais ao mercado

interno e estratégias da atuação comunitária, Coimbra, Almedina, 2004, p. 62; JOSÉ CASALTA NABAIS, Por um

Estado Fiscal Suportável, op. cit., p. 23.

65 JOSÉ CASALTA NABAIS, Por um Estado Fiscal Suportável, op. cit, p. 23. 66 Idem, ibidem.

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legislação fiscal, poder-se-á dizer que a coordenação fiscal não afeta soberania fiscal estadual67.

Por outro lado, a harmonização fiscal stricto sensu, ou a harmonização tout court das legislações, caracteriza-se pela eliminação das disparidades existentes entre as legislações nacionais, por forma a chegar a soluções idênticas. Esta atuação não limitaria o exercício da competência legislativa nacional, o que implica o recurso a um leque alargado de instrumentos, entre os quais, de forma excecional, os regulamentos comunitários68.

Uma outra definição de harmonização fiscal stricto sensu aponta como características da atuação comunitária a utilização de instrumentos como regulamentos, diretivas e convenções, que possuem carácter vinculativo para os EM. Daqui decorreria uma limitação à soberania fiscal dos EM, que ficariam vinculados ao conteúdo de tais atos, embora no caso das diretivas se mantenha na esfera dos Estados a liberdade quanto a forma de os transpor para o seu ordenamento jurídico69.

É ainda possível efetuar uma outra distinção, a de harmonização fiscal em sentido amplo – que abarca as formas de atuação que caracterizam quer a harmonização fiscal stricto sensu, quer a coordenação fiscal, quer, ainda, a unificação – e que se caracterizaria por uma aproximação fiscal entre os EM desenvolvida através de qualquer forma adequada à prossecução de tal objetivo70. É esta noção de harmonização que vai ser utilizada ao

longo do presente trabalho.

Finalmente, uma última referência para a unificação fiscal através da qual se pretenderia eliminar completamente as diferenças entre os vários sistemas fiscais vigentes na UE, com o propósito último de criação de um sistema fiscal comum71. Esta unificação ou

uniformização, teria nos regulamentos comunitários o instrumento privilegiado e dela resultaria uma limitação substancial da soberania fiscal72.

67 PAULA ROSADO PEREIRA, A tributação das sociedades na União Europeia, op. cit., p. 63. 68 JOSÉ CASALTA NABAIS, Por um Estado Fiscal Suportável, op. cit, p. 23.

69 PAULA ROSADO PEREIRA, A tributação das sociedades na União Europeia, op. cit., p.63. 70 Idem, p. 63 e 64.

71 Idem., p. 64.

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Refira-se que esta última forma de atuação é considerada contrária ao princípio da subsidiariedade e violadora do carácter instrumental da harmonização fiscal, pelo que, não sendo considerada necessária para o bom funcionamento do mercado interno, não é defendida a nível da UE73.

Podemos apontar assim como traços distintivos da harmonização fiscal: o carácter instrumental, porquanto constitui um meio para atingir os objetivos da União, em particular no que concerne à integração económica; o carácter dinâmico e progressivo, uma vez que o conteúdo, noção e as necessidades de harmonização evoluem de acordo com o próprio processo de desenvolvimento da integração europeia; o facto de se tratar de um poder condicionado, encontrando-se refém de limites relativos aos próprios EM e, ainda, de limites inerentes à própria atuação da UE74.

Capítulo 2.º - HARMONIZAÇÃO FISCAL: LIMITES

Quanto aos limites decorrentes da própria atuação da UE, é de salientar a relevância que assume a escolha da diretiva enquanto principal instrumento normativo para a harmonização, como resulta do artigo 115.º do TFUE.

Sucede, porém, que a diretiva é um instrumento com carácter geral e abstrato, que confere aos Estados a liberdade para escolher a forma e os meios adequados na prossecução dos fins por impostos. Assim, se por um lado esta liberdade que é conferida aos Estados através da utilização da diretiva, pode conduzir a que mais facilmente sejam aprovadas algumas matérias de índole fiscal, por outro lado, a diversidade de opções que ficam à disposição dos EM para concretizar tais iniciativas, pode dificultar esta harmonização75.

Outros fatores da atuação comunitária que limitam o processo de harmonização fiscal são os já referidos princípios da proporcionalidade e subsidiariedade. Estes princípios norteiam a atuação da UE nas matérias fiscais, determinando a intensidade de tal intervenção europeia (proporcionalidade) e impondo uma ponderação que permita

73 PAULA ROSADO PEREIRA, A tributação das sociedades na União Europeia, op. cit., p. 64. 74 Idem, p. 65 a 68.

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