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Noção e Distinções de Concorrência Fiscal

PARTE III – LIMITES À SOBERANIA FISCAL: GLOBALIZAÇÃO,

Capítulo 2.º CONCORRÊNCIA FISCAL

1. Noção e Distinções de Concorrência Fiscal

Para que exista concorrência fiscal entre Estados, é desde logo necessário que existam vários Estados, cada um dos quais dispondo de soberania fiscal, no sentido de poder determinar autonomamente os impostos que cobra258.

Esta liberdade de determinação pode, porém, sofrer alguns constrangimentos. De entre estes podemos distinguir os constrangimentos voluntários, como acontece nos casos das convenções de dupla tributação, mas também os que são impostos, por normas emanadas por organizações internacionais. No caso concreto da UE tais limitações derivam do ordenamento jurídico comunitário e são bem visíveis quanto à tributação indireta, em especial no caso do IVA. No que respeita à tributação das sociedades, a manifestação mais expressiva é a que resulta da aplicação do direito secundário em vigor, ou seja, das Diretivas aprovadas259.

Determinante para que exista concorrência é também a mobilidade de bens, pessoas ou fatores de produção, na medida em que confere um efeito externo às decisões tributárias. Efetivamente, esta mobilidade permite aos agentes económicos adaptarem os seus comportamentos, face à carga tributária a que estão sujeitos. No que em particular se refere à tributação das empresas, tal adaptação poderá conduzir à sua deslocalização. Estamos, assim, perante situações em que as políticas fiscais de um Estado podem surtir efeito nos sistemas fiscais de outra jurisdição, em especial no que diz respeito à obtenção de receitas fiscais260.

A concorrência que acima descrevemos costuma designar-se por concorrência fiscal horizontal, por contraposição com a concorrência fiscal vertical que ocorre quando estamos perante várias jurisdições com poderes tributários autónomos, sobrepostas geograficamente, e de que são exemplos paradigmáticos os Estados de estrutura federal ou os impostos locais face aos nacionais261.

258 FERNANDO ROCHA ANDRADE, «Concorrência fiscal internacional na tributação dos lucros das empresas»,

Boletim de Ciências Económicas, Vol. XLV, 2002, p. 56.

259 FERNANDO ROCHA ANDRADE, «Concorrência fiscal internacional na tributação dos lucros das empresas»,

op. cit., p. 57.

260 Idem, ibidem. 261 Idem, p. 58.

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No presente estudo iremos abordar a concorrência fiscal horizontal. Efetivamente, no quadro da UE não há lugar à concorrência fiscal vertical, uma vez que os poderes tributários de EM e UE não se sobrepõem.

É, ainda, possível distinguir entre concorrência fiscal passiva, ativa ou por imitação. A primeira decorreria automaticamente da simples existência de sistemas fiscais diversos, legitimada pelo exercício em cada jurisdição da sua soberania fiscal; a concorrência ativa, por sua vez, ocorreria quando, utilizando a tributação, se pretende tornar um território mais atrativo ao investimento, podendo aqui distinguir-se ainda entre concorrência fiscal ofensiva ou defensiva; finalmente a concorrência por comparação ou por imitação decorreria da adoção unilateral de boas práticas de outras jurisdições motivada sobretudo por razões políticas, associadas aos processos e ciclos eleitorais262.

Importa também efetuar uma referência, relacionada com os comportamentos dos contribuintes na procura da minimização da carga fiscal, e que se traduz numa enorme perda de receitas fiscais por parte dos EM, afetando a concorrência leal entre tais Estados.

Ora, os comportamentos intencionalmente assumidos pelos contribuintes no sentido de se subtraírem ao pagamento de um imposto ou, pelo menos, de reduzirem o montante pago, são ainda mais facilitados num contexto de atuação internacional.

No palco internacional, onde coexistem diferentes ordenamentos fiscais, com várias taxas de tributação e regras de determinação da matéria coletável, as empresas deparam-se com a possibilidade de se deslocarem em busca de condições fiscais que lhes sejam menos onerosas, o que, no limite, poderá traduzir-se na não sujeição de um rendimento a qualquer tributação, consequência da existência de conflito negativo das normas que determinam a competência para tributar263.

Tais comportamentos podem apresentar-se sob diversas formas.

Desde logo podemos identificar o planeamento fiscal. A liberdade de iniciativa e respetiva liberdade de estratégia que caracteriza as entidades empresariais, possibilita tais entidades de adotarem comportamentos fiscalmente menos onerosos, que

262 ANTÓNIO CARLOS DOS SANTOS, A Europa perante a concorrência fiscal: guerra e paz?, Direito Tributário

Internacional Aplicado, Vol. VI, Coord: HELENO TAVEIRA TORRES, São Paulo, Quartier Latin, 2012, p. 256.

263 FERNANDO ROCHA ANDRADE, «Concorrência fiscal internacional na tributação dos lucros das empresas»,

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permitam eliminar ou reduzir o imposto suportado., como seja a alteração da sede ou da localização da atividade produtiva para que lhe possa ser aplicado um regime fiscal mais favorável. A adoção deste comportamento é lícita e pode até constituir uma das finalidades da norma fiscal264.

No lado oposto podemos identificar a chamada evasão fiscal “contra legem” ou fraude fiscal. O comportamento do contribuinte assenta nestes casos numa atuação ilícita, através da qual se abstém de cumprir com determinados deveres fiscais que lhe são impostos. Pode-se traduzir quer na não apresentação de declarações fiscais, quer no fornecimento de falsas declarações à administração fiscal. Este tipo de comportamento é ainda mais difícil de detetar num contexto de internacionalização tendo em conta as dificuldades das administrações em obter informação quanto os factos tributários ocorrem fora do seu território265.

Quando ocorre o fenómeno da elisão fiscal o contribuinte não altera o seu comportamento substancial por causa do imposto, antes procura “revestir” esse comportamento da forma jurídica adequada a que ele fique sujeito a esse regime fiscal mais favorável. De entre as formas de elisão fiscal internacional, assumem particular relevância aquelas em que, com o objetivo de minimizar a sua carga fiscal em termos de impostos sobre os lucros, as empresas deslocam contabilisticamente o lucro tributável entre jurisdições (“profit shifting”), usando para o efeito a forma de financiamento das empresas (empréstimos intra-grupo) e com a determinação do valor das operações internas da empresa ou grupo (manipulação de preços de transferência)266.