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III- SIGNIFICADO E VALOR DO MONOLOGION

3.2 A meditação e o diálogo

Tendo visto algumas interpretações da obra, vamos, agora, examinar alguns aspectos importantes do opúsculo. O Monologion é fruto da meditação, mas também da disputa. Em primeiro lugar, trata-se de um escrito que surge não por um mera elucubração

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“Anselmo sembra chiedere infatti: cosa pensiamo quando pronunciamo la parola ‘Dio’? Naturalmente ‘cosa pensiamo’ non in quanto credenti cristiani ma semplicemente in quanto creature razionali. I termini piú rilevanti che Anselmo usa sono sempre dicere e intelligere, per cui alla domanda si può conferire questo andamento: quale contenuto dell’intelligere si ha nel pensiero, quando si ‘dice’ la parola ‘Dio’”? Italo Sciuto. La Ragione della Fede, p. 334.

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dialética, apesar de ser uma obra onde a dialética se faz presente do início ao fim. O conteúdo do Monologion antes de ser expresso em categorias lógicas, foi meditado. Não devemos jamais perder de vista que estamos diante de um monge beneditino que, em momento algum, dissocia o conteúdo de seu esforço intelectual daquilo que crê e ama277. O monge não apenas medita, mas medita sistematicamente, pois há um método a seguir. Trata-se de uma discussão consigo mesmo, mas a meditatio não está dissociada da lectio278, pois se medita, sobretudo, as Escrituras e os textos dos Padres. Ora, o meditar um texto implica, para o monge, num pronunciar e repetir as palavras, buscando mesmo a memorização, já que esta facilita a penetração do objeto meditado não apenas no intelecto, mas na alma, constituindo-se, dessa forma, no ponto de partida para o aprofundamento racional279. Não temos dúvida em dizer que o Monologion antes de ser escrito foi profundamente meditado. Anselmo medita aquilo que é objeto da fé cristã. Karl Barth aponta a meditação como algo intimamente ligado ao exercício da razão em Anselmo, mostrando que a meditação não é realizada de modo aleatório, uma vez que se trata de perscrutar profundamente os artigos da fé, a fim de elucidar o que é crido280. Trata-se de

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Tal atitude presente em toda a obra de Anselmo está bem expressa na oração que abre o Proslogion, quando o autor, dirigindo-se ao Criador, declara: “Quaeram te desiderando, desiderem

quaerendo. Inveniam amando, amem inveniendo”. Prosl. I, 100, 10-11.

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“Gli elementi fondamentali della meditazione sono perciò la lettura, il pensare e il ricordare, intimamente connessi. Il momento riflexivo è rappresentato, assai più che da un esercizio di razionalità pura, da un’incessante considerazione che si realizza nella continua pronuncia e, similmente a questa, in una Vera e própria ruminatio intellettuale. Il suo fine, poi, non è la chiarificazione intellettuale ma l’adesione esperienziale. La lectio tende perciò, attraverso la

meditatio , alla oratio .” Italo Sciuto. La Ragione della Fede, p. 66.

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Cf. Massimo Parodi. Il Conflito dei Pensieri- Studio su Anselmo d’Aosta, p. 90.

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“Il s’agit pour lui, à chaque fois, de méditer sépararément tel ou tel article du Credo, c’est –à- dire de rechercher son sens profond, de le mettre em relation avec tous les autres articles ou avec les articles les plus proches, de le comparer et de le relier avec ces derniers et de l’éclairer par eux- tout cela, dans l’intention de penser lui-même, par une méditation sur cet article, la loi cachée de l’objet de la foi dont cet article parle, afin de la mettre en lumière et de connaître ainsi ce qui est cru.” Karl Barth. Saint Anselm - Fides quaerens intellectum – la preuve de l’existence de Dieu, p. 47.

um exercício prático-intelectual que permite ao que medita aceder existencialmente ao Credo281. Em que consiste esta meditação? Paul Gilbert no-lo responde:

“Cette méditation n’est pas d’abord un discours sur Dieu, son essence, sur la Trinité et le bonheur de l’âme. Elle parle en fait de l’intégration de la pensée humaine au mystère divin, selon toutes ses conditions. Les points les plus significatifs du Monologion se définissent comme ceux où sont exposées les possibilités et les ouvertures de l’esprit et du langage de l’homme vers ce qui les fonde. La réflexion articule tous les êtres les uns par rapport auxs autres; elle affirme la distance qui distingue le Créateur et la créature, cette distance étant intérieure à Dieu même; elle reconnaît que ce qui est intérieru à Dieu est essentiel à la constitution de l’esprit humain. Le Monologion apparaît ainsi comme une méditation logiquemente menée sur l’esprit à l’image et à la ressemblance de Dieu, méditation qui expose ses propres possibilités rationneles, en son verbe, en son exposition même”282.

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“Le méditant accède ainsi corporellemente, existentiellement, à ce qui lui est transmis. Se mettant à l’école de la tradition, il inscrit dans son coeur ce dont elle témoigne, l’amour et la crainte de Dieu. En ce sens, son but est pratique avant d’être speculative. La meditation anselmienne, école de libertè de l’esprit, n’est cependant pas que pratique; elle a en effet un double objectif: l’amour de Dieu et la réflexion intérieure”. Paul Gilbert, op. cit. p. 27.

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Em Anselmo, o papel investigativo da razão sempre parte do campo proposto pela fé, fazendo com que a linguagem humana seja confrontada com algo que nunca se revela totalmente, permanecendo, de uma certa forma, sempre obscuro. Contudo, não se coloca como um desbravador solitário dos mistérios divinos, pois tem diante de si o caminho já aberto pela tradição dos Padres da Igreja. A reflexão racional não apenas se defronta com o objeto da fé em si mesmo, mas com um objeto que já foi sobejamente interpretado e, não raras vezes, a interpretação não é unívoca. Isto provoca uma tensão entre tradição e dialética283. Tal tensão é, contudo, superada pelo fato de Anselmo compreender a tradição não tanto em seus aspectos materiais, quanto em seu espírito.

O Monologion e, certamente, toda a obra do Doutor Magnífico, não surge apenas da tradição, mas também, como já foi dito, da disputa. Evidentemente não se trata ainda da disputatio tão característica da Escolástica pós - universidades, mas se a técnica da disputa

ainda não está organizada e amadurecida, já temos, nos tempos de Anselmo, exemplos de enfrentamentos intelectuais como bem atesta o debate entre dialéticos e teólogos. Basta lembrar as contendas que a polêmica em torno da eucaristia suscitou. A disputa anselmiana diz respeito a um confronto de idéias. Não se trata de buscar uma conciliação das posições, por vezes, divergentes, passíveis de serem encontradas no legado patrístico. Anselmo não tem esta preocupação. Seu intento é defrontar-se, através do esforço racional, com as verdades da fé. A disputa é, sobretudo, um esforço intelectual. Mais adiante teremos ocasião de examinar o significado deste esforço. Por ora, salientemos tão somente que este empreendimento racional é a postura conseqüente daquele crente que é capaz de envolver- se adequadamente com o instrumental dialético, isto é, ater-se à razão não por puro diletantismo intelectual, mas de modo harmônico e indissociável da fé. Como já foi dito,

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não apenas no Proslogion, mas também no Monologion e em toda a sua produção intelectual temos a fé em busca da compreensão.

Em Anselmo a disputa assume a forma não propriamente de uma contenda, se bem que esta não esteja ausente de seus escritos. De qualquer modo, o mais característico da disputa anselmiana é a forma de um diálogo, de uma confrontação de pontos de vista sempre buscando o esclarecimento conceitual e a superação dos impedimentos a uma correta compreensão do objeto de fé. O diálogo é característica da obra de Anselmo, uma vez que entende ser a clareza facilitada pela confrontação dos diversos argumentos284. Não é por acaso que muitos de suas obras são escritas desse modo (lembremos o Cur Deus homo, os três tratados: De Veritate, De libertate arbitrii e De casu diaboli) e, mesmo em

obras como o Proslogion, que não é um diálogo, a disputatio se faz presente a começar pela ação preponderante que o insensato exerce na formulação do argumento único. Em Anselmo, o diálogo está a serviço da dialética, daí sua preocupação em ater-se aos pontos precisos da discussão285, buscando a clareza e a brevidade, preocupação tornada explícita no Monologion, obra que não deixa de ser, igualmente, um diálogo. Não esqueçamos de que o opúsculo em questão pretende ser a transcrição, sob a forma de meditação, das conversações havidas entre o Prior de Bec e alguns de seus irmãos de hábito. Mas, trata-se aqui, além disso, de um diálogo interior, pois se observa, efetivamente, uma discussão do

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Cf. cur Deus homo I, I, 48, 11-15

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Italo Sciuto na introdução que faz ao De Libertate Arbitrii de Anselmo, aponta o restringir-se aos aspectos lógicos e argumentativos das questões tratadas, deixando de lado qualquer recurso a regressões e a anotações psicológicas (tão presentes em Agostinho), uma característica muito particular dos diálogos anselmianos, os quais, por um lado, perdem em em riqueza e variedade, mas, por outro, ganham em rigor, clareza e profundidade, características acordantes ao estilo do autor, o qual prima pela breviter e patenter. Cf. Anselmo d’Aosta Libertà e Arbitrio – a cura di Italo Sciuto, pp 10ss.

autor consigo mesmo, discussão que é fruto de uma profunda meditação. Nesse sentido, é possível dizer que a autoridade, mesmo estando ausente no texto do Monologion, é, contudo, uma presença forte no pré – texto, porque não está indissociada da meditação que antecede a elaboração dos argumentos dialéticos. A concatenação dos diversos argumentos está, dessa forma, a serviço da compreensão do que foi meditado286.

O diálogo interior permite o questionamento minucioso do objeto refletido, buscando resolver as contradições. Se a autoridade da Igreja é o parâmetro pelo qual deve ser julgado o resultado da obra, o confronto das posições, possibilitado pela disputa que se manifesta no diálogo interior é, por assim dizer, a autoridade que guia a construção dos argumentos e que garante a coerência interna e a harmonia com o Credo. Paul Gilbert salienta que o objeto meditado possui uma lógica interna, a qual será desenvolvida pela disputa, de tal modo que a simplicidade do que é meditado, vai resplandecer na multiplicidade dos argumentos287. O legado da tradição, que foi meditado, atinge, através da disputa, uma compreensão nova, mais ampla e sólida.