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III- SIGNIFICADO E VALOR DO MONOLOGION

3.1 Algumas interpretações do Monologion

3.1.4 Italo Sciuto: o Monologion como metafísica

Italo Sciuto lê o Monologion de um modo um tanto diverso das três interpretações que foram por nós mencionadas acima. Em La Ragione della Fede – Il Monologion e il programma filosofico de Anselmo d’Aosta, defende, a partir de uma comparação com a

estrutura do De Trinitate agostiniano, o caráter filosófico da obra de Anselmo. Antes de falar da estrutura propriamente dita, Sciuto indaga a respeito do título do opúsculo: por que Anselmo substituiu o título original Exemplo de Meditação sobre as Razões da Fé (Exemplum meditandi di ratione fidei) pelo sintético Monologion? Não há dúvida de que o primeiro título fornecia uma idéia bem mais clara das pretensões da obra264. A hipótese do

263

Cf. Italo Sciuto. La Ragione della Fede, pp. 29-31.

264

“...l’exemplum puó indicare il carattere ‘sperimentale’, la meditatio il ‘metodo’ e la ratio fidei il contentuto. Nel titolo abbreviato tutto ciò viene infatti completamente perso” I. Sciuto. La Ragione della Fede, p. 41.

comentador para a escolha definitiva do título seria o desejo, por parte de Anselmo, de unir a brevidade que gostaria estivesse presente na obra – brevidade esta que passa longe do De Trinitate - com a fidelidade a Agostinho. Monologion seria um título breve e, ao mesmo

tempo, uma certa referência aos Solilóquios do grande mestre de Anselmo. O Monologion seria, então, uma espécie de retomada do conteúdo do De Trinitate, mas assumido numa perspectiva diversa, a perspectiva de um diálogo consigo mesmo, um diálogo de si com a própria razão.265 Esta perspectiva diferente do Monologion, em relação ao De Trinitate, é fundamental na análise de Sciuto sobre a estrutura do opúsculo anselmiano.

Scituo mostra que, se Anselmo cala quanto à estrutura da obra, não cala quanto à fidelidade ao De Trinitate, mas esta fidelidade, segundo o comentador, deve ser entendida num sentido mais amplo do que um simples repetir de argumentos. Para Anselmo, ser fiel a Agostinho significaria não contradizê-lo. O Monologion não contradiz o De Trinitate, embora sejam obras de caráter diverso. A primeira é toda fundamentada numa atitude filosófica, enquanto a segunda seria uma obra teológica, onde a razão se faz presente, mas sempre numa perspectiva de apoio à teologia. Por compreender o Monologion dessa forma, Italo Sciuto critica posturas como a de Vignaux,266 que vê a obra de Anselmo como sendo não genuinamente filosófica ou teológica, ou mesmo Karl Barth,267 que vê no Monologion uma espécie de preliminar de um programa teológico que seria plenamente

265

Cf. I.Sciuto. La Ragione delle Fede, p. 42.

266

“Il Vignaux deduce da tutto ciò che nel Monologion vi è ambivalenza propria di chi vuol trattrare dei problèmes – frontiers e si pone perciò ‘sul limite stesso tra filosofia e teologia’” I. Sciuto. La Ragione della Fede, p. 45.

267

“Karl Barth… si trova poi costretto, supponendo che nel Monologion Anselmo ‘non abbia ancora ben trovato la sua linea’, a negare di fatto un’evidenza, perchè il Monologion è in realtà un’opera accuratamente pensata in ogni sua parte...” I. Sciuto. La Ragione della Fede, p. 45.

desenvolvido no Proslogion. Contra estas posições, Sciuto afirma que o opúsculo anselmiano é uma obra cuidadosamente pensada em cada uma de suas partes, a tal ponto que não sofreu retificações significativas por parte de seu autor268.

Para Sciuto, o Monologion é uma obra filosófica, onde Anselmo expressa sola ratione os mesmos conteúdos que Agostinho expressou secundum Scripturas Sacras. A

intenção do bispo de Hipona é expor o dogma trinitário tal como é defendido pela fé católica. Sciuto não nega que Agostinho faça uso da dialética quando pretende explicar racionalmente a verdade trinitária, mas salienta que o uso que faz da mesma é sempre subordinado ao âmbito maior da obra que é teológico269. Sciuto vê no Monologion a realização do seu título primeiro, qual seja, um exemplo de meditação sobre a ratio fidei, termo que, no Monologion, consoante o comentador, tem o significado de fundamento: a obra é, pois, um exemplo de meditação sobre o fundamento da fé. Ao mesmo tempo, Anselmo quer tratar da essência divina. O Monologion seria então uma reflexão ou demonstração, como prefere Sciuto, do ser divino. Estaria aí o propósito ontológico de seu autor. Tendo colocado todas estas premissas, Sciuto pode, finalmente, identificar no Monologion uma meditação sobre o fundamento, que estaria indicado, no início da obra,

com os termos Natureza, Substância, Essência e, ao final, com o nome de Deus, o nome maximamente rico ontologicamente270, caracterizando um movimento progressivo que se desenvolve ao longo da obra, a qual parte de determinações evidentes e, através das

268

Sabemos, por declarações do próprio Anselmo, como o Monologion foi submetido a diversas revisões, no entanto, como bem mostra o esclarecedor artigo de F. S. Schimitt “Les Corrections de

S. Anselme à son Monologion” in Revue Benedict. 50 (1938), 194 – 205, as modificações

procedidas não foram significativas, intalterando os aspectos fundamentais da obra.

269

Cf. I. Scituo. La Ragione della Fede, p.49.

270

implicações e deduções lógicas, acaba por atingir as ricas determinações reais271. Aí estaria o caráter genuíno do Monologion, não obstante sua filiação agostiniana. Aliás, Sciuto atenta para um duplo aspecto do Monologion: de um lado, a originalidade absoluta e, de outro, a presença estimulante de Agostinho: a partir dos temas que já foram tratados por Agostinho, o seu discípulo do século XI buscará demonstrar que as evidências da fé são verdades que pertencem a uma estrutura necessária272.

Para Sciuto, o Monologion é a obra prima de Anselmo e difere de todas as outras pela abrangência do seu objeto: a essência divina. O Monologion seria quase uma espécie de suma, embora de caráter diferente das sumas da escolástica posterior. Diferente das demais obras de Anselmo, não nasce de uma idéia particular que será mais adiante desenvolvida. O Monologion é, consoante Sciuto, a exposição, de maneira tão somente racional, da totalidade e do fundamento daquilo que constitui o objeto da fé. Trata-se, pois, de um discurso racional sobre um objeto que, aos olhos de Anselmo e de seus contemporâneos, é uma evidência,273 ou seja, um argumentar sola ratione sobre Deus. De fato, o nome divino é o resultado274 do opúsculo de Anselmo. O comentador vê mesmo o Monologion como sendo uma elaborada demonstração da existência divina, acentuando,

contudo, que tal existência é entendida numa perspectiva semântica plena, dada sua indistinção do termo essência. Sciuto nota que Anselmo deseja mostrar não apenas que Deus é, mas também o que Ele seja. Estes dois aspectos estão perfeitamente integrados na

271

Idem.

272

“... le evidenze delle fede vanno intese come verità appartenenti ad una struttura necessária , che fa del progetto speculativo del Monologion qualcosa di inaudito, e non solo per i suoi contemporanei.” I. Sciuto. La Ragione della Fede, p. 57.

273

Cf. Italo Sciuto. La Ragione della Fede, pp. 30 –31.

274

obra. O resultado não foge ao que marcou toda a obra, isto é, o desenvolvimento dos argumentos sola ratione, pois, quando, no final da obra, Anselmo explicita que o que fora antes chamado Essência, Natureza, Substância é Deus, deve-se compreender o que significa este termo: Sciuto entende que Anselmo busca elucidar não tanto o que Deus significa para o crente, mas sim o que significa para a criatura racional275.

Um tal conceito natural de Deus possui dois elementos: a transcendência e a providência. É transcendente como se denota de sua excelência ontológica, percebida no conceito de sua superioridade. Já a providência divina é deduzida da dependência ontológica do homem. Segundo Sciuto, estes elementos, na sua simplicidade, contêm implicitamente o motivo gerador de toda a dialética do Monologion, pois envolvem a tensão presente na obra entre diferença e proximidade276.