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O Monologion, nos seus capítulos iniciais, trata da existência de Deus. São as chamadas provas a posteriori da existência de Deus, que os historiadores da Filosofia gostam de antepor à chamada prova à priori do Proslogion. Antes de entrar no exame de tais argumentos, antes mesmo de analisar se consistem em provas, há um problema que devemos considerar: trata-se precisamente da divisão desta primeira obra sistemática de Anselmo. Depois, veremos, de forma sintética, as idéias gerais desenvolvidas pelo autor no opúsculo em questão.

Anselmo, ao colocar por escrito as idéias que haviam surgido de suas meditações e de suas conversações com os monges, não explicita a estrutura de sua obra. Apresenta os diversos temas, profundamente ligados uns aos outros, de modo que se tenha uma idéia clara de unidade, atingida a partir do encadeamento bem articulado dos diversos argumentos. Isto, contudo, não significa que a obra não apresente diversos subtemas dentro do tema mais amplo e geral do opúsculo que é o tratamento da essência divina e de outras questões conexas. Os comentadores não são unânimes em apresentar a estrutura do Monologion, o que evidencia, de um lado, que o autor não deixou indicações precisas para

comentadores mostram a estrutura revela o fato de que apresentar as divisões do Monologion é, de alguma forma, uma maneira de interpretá-lo.

O Monologion é composto de oitenta capítulos129. Vejamos como alguns de seus principais comentadores, embora sem necessariamente se opor, fornecem classificações algumas mais gerais, outras mais específicas do texto anselmiano. Carmelo Ottaviano, por exemplo, na introdução que faz a uma edição em língua italiana do Monologion130 apresenta uma estrutura bastante genérica do texto, dividindo-o em duas grandes partes e uma conclusão131. Já Paul Vignaux132, num esquema bastante amplo, vê no Monologion três grandes partes133: uma especulativa, outra reflexiva e, por fim, uma prática. R. Perino134, por sua vez, divide o tratado em quatro grandes partes: uma trata do Deus Uno,

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A edição em língua portuguesa, publicada na Coleção “Os Pensadores” apresenta a obra em setenta e nove capítulos. Isto se deve ao fato de certamente estar baseada na edição da Patrologia Latina (1853),a qual é uma reprodução da edição Gerberon (1675), anterior à edição crítica de F.S.Schimitt (1946-61). As duas edições apresentam uma pequena diferença na numeração dos capítulos: o capítulo LXXII da edição Migne comporta os capítulos LXXII e LXXIII da edição Schimitt. Um breve, mas interessante relato sobre as edições mais antigas do Monologion pode ser encontrado na introdução à tradução italiana feita por Carmelo Ottaviano . Cf. Monologion – Traduzione, prefacione e note di Carmelo Ottaviano. Palermo: Ires, sd, pp. 11ss.

130

Cf. Anselmo d’Aosta. Monologion. Palermo: Íris, sd.

131

A primeira parte (capítulos I a LXV), seria um De Deo; a segunda (capítulos LXVI a LXXVIII) seria um De Homine, uma espécie de “De Anima” anselmiano. Os capítulos LXXIX e LXXX seriam a conclusão. A primeira parte, por sua vez, seria dividida em duas grandes partes (com várias subdivisões): uma (capítulos I a XXVIII) que trata de Deus Uno e outra (capítulos XXIX a LXV), que trata do Deus Trino. A segunda parte, igualmente, está dividida em dois grandes temas (também eles com subdivisões): o tratamento da mente humana como imagem de Deus (capítulos LXVI e LXVII) e a alma enquanto ordenada a Deus (capítulos LXVIII a LXXVIII). Os dois últimos capítulos são a conclusão.

132

Cf. Nécessité des raisons dans le Monologion in Revue des Sciences Philosophiques et Théologiques, 64 (1980), pp. 3 – 25.

133

A primeira parte, especulativa, seria composta pelos primeiros sessenta e quatro capítulos; a segunda, reflexiva, pelos capítulos LXV a LXVII; a última parte, prática, a partir do capítulo LXVIII.

134

Cf. R. Perino in La Dottrina trinitária di S. Anselmo nel quadro del suo metodo teologico e del

outra apresenta as relações entre a unidade e a trindade divinas, uma terceira aborda Deus Trino e, por fim, uma quarta parte aborda a ascese e contemplação da divindade135. Simone Tonini136, por sua vez, em um esquema igualmente bastante amplo, divide o Monologion em três grandes partes137: uma que trata da existência, essência e atributos divinos; uma outra que enfoca as pessoas divinas e a última que apresenta as relações entre o homem e a divindade.

Uma apresentação interessante da estrutura do Monologion encontramos em Paul Gilbert138 que vê quatro grandes temas na obra anselmiana, precedidos de uma análise em torno do método e seguidos de uma conclusão139. Para o comentador, Anselmo primeiro trata a essência soberana por si, depois, fala das propriedades da mesma; num terceiro momento, aborda a estrutura trinitária do ser e, em seguida, fala do espírito humano enquanto imagem do espírito soberano.

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A primeira parte, que trata do Deus Uno seria composta pelos capítulos I a XXVIII (os catorze primeiros tratando da existência de Deus e os últimos da natureza divina). A segunda parte, composta pelos capítulos XXIX a XXXVII, aborda o nexo lógico entre a Unidade e a Trindade divinas. A terceira parte, capítulos XXXVIII a LXVII comporta o tratamento do Deus Trino e, a última parte, a partir do capítulo LXVIII, uma análise ascética e contemplativa do conhecimento divino por parte da criatura racional.

136

Cf. La Scrittura nelle opere sistematiche di S. Anselmo – concetto, posizione, significato in Analecta Anselmiana Vl. II. Frankfurt/Main: Minerva GMBH, 1970, 57 – 116.

137

A primeira parte (existência, essência e atributos divinos) comporta os primeiros vinte e oito capítulos; a segunda parte, que trata das pessoas divinas vai do capítulo XXIX ao LXV e, a parte final, que trata das relações do homem com a divindade, vai do capítulo LXVI até o último.

138

Cf. Dire l’Ineffable- lecture du Monologion de Saint Anselme. Paris: Letheillieux, 1984.

139

A discussão sobre o método da obra estaria no prólogo e no início do primeiro capítulo. Os demais temas seriam assim tratados por Anselmo: a essência soberana por si (capítulos I a XII); as propriedades da essência soberana (capítulos XIII a XXVIII); a estrutura trinitária do ser (capítulos XXIX a LXIII); o espírito humano como imagem do espírito soberano (capítulos LXIV a LXXVIII) e a conclusão (capítulos LXXIX e LXXX).

Uma outra bem justificada análise da estrutura do Monologion encontramos em Italo Sciuto140, o qual, em conformidade com sua interpretação de que esta primeira obra sistemática de Anselmo é, mais do que um De Deo, ou um De Trinitate, um De divinitatis essentia, vê a presença de nove momentos141 no desenrolar da argumentação anselmiana. Já Michel Corbin142, na apresentação que faz do Monologion, na edição que dirige das obras completas de Anselmo, diz que esta obra pode ter seus oitenta capítulos reagrupados em nove momentos143, de acordo com os temas que são tratados.

Ao citarmos estes diversos modos com que alguns dos principais estudiosos de Anselmo apresentam a divisão dos temas do Monologion, o que desejamos ressaltar é que a ausência de uma estrutura patente parece-nos ser um preciso indicativo de que estamos diante de uma grande obra, visto que as grandes construções teóricas da filosofia não se dão facilmente a quem se lança ao desafio de compreendê-las. Teremos oportunidade de falar do significado e do valor do Monologion, mas, por ora, digamos apenas que se trata,

140

Cf. La Ragione della Fede- Il Monologion e il programma filosofico di Anselmo d’Aosta. Genova: Marietti, 1991.

141

Os momentos que ,conforme Italo Sciuto, constituem-se no fio condutor da exposição de Anselmo são: 1) Ocasião e forma do Monologio (Prólogo e início do primeiro capítulo); 2) Demostração da existência de um ente sumo (Capítulos I a VI); 3) Estatuto ontológico das coisas que são ‘per aliud’ (capítulos VII a XII); 4) Suma Essência e categorias (capítulos XIII a XXVIII); 5) Filosofia do verbo e gradação ontológica (capítulos XXIX a XXXVI); 6) Pluralidade do idêntico: ‘tam ineffabilis quam inevitabilis’ (capítulos XXXVIII a LXIII); 7) Limite da dialética e similitude: ‘rationabiliter comprehendit incompreensibile esse’ (capítulos LXIV a LXVII); 8) O fundamento da moral e a racionalidade do crer: ‘meliora in potestate debere in voluntate’ (capítulos LXVIII a LXXVIII) e 9) Conceito racional de Deus e ‘indigentia nominis’ (capítulos LXXIX e LXXX).

142

Cf. L’Oeuvre de S. Anselme de Carntorbery vl. I – Monologio e Proslogion – introduction, traduction et notes de Michel Corbin. Paris: Cerf, 1986.

143

Capítulos I a IV: a tríplice prova da existência de Deus, Bem supremo e por si; VI a XII: a relação de criação ou a análise de per se e per aliud enquanto conduzem a uma alteridade em Deus; XIII a XXVIII: os nomes de Deus ou a análise do atributo summum; XXIX a XXXVI: a processão do verbo pré-contém aquela das criaturas; XXVII a XLVIII: Deus e seu verbo – o Pai e o Filho; XLIX a LXVIII: Deus e seu amor – o Espírito do Pai e do Filho; LXIV e LXV: a

como pretendemos fazer notar, de um escrito filosófico de envergadura, sendo mesmo, a nosso ver (e não estamos sós nessa interpretação), a principal obra de um autor possuidor de extrema perspicácia e talento filosófico, o qual, mesmo conhecendo muito pouco de Aristóteles, soube, com os instrumentos filosóficos de que dispunha, fundamentar uma empreitada onde a dialética aparece como instrumento da metafísica.