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2.2 A QUALIDADE EM ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

2.2.2 A Melhoria Contínua da Qualidade (“Quality Improvement” Ou

Tradicionalmente, a Avaliação e Garantia da Qualidade esteve direcionada principalmente à atenção médica e almejava a mudança de comportamento dos médicos. Na prática, a Garantia da Qualidade se inicia com uma avaliação ou mensuração da performance (Avaliação da Qualidade) do programa ou serviço alvo, comparando-a com padrões estabelecidos em consenso ou em evidências científicas. Os pontos divergentes são então trabalhados em um processo de melhoria da qualidade, realizando-se posteriormente uma medida de desempenho ou qualidade para se averiguar a correção ou não dos problemas prévios (PISCO, [200?]). Ocorre que estes procedimentos geralmente visavam atingir um nível mínimo de qualidade e quando isto acontecia, paralisavam-se as avaliações e os investimentos em melhoria da qualidade (DEPARTMENT OF FAMILY MEDICINE, 2008b).

A Melhoria Contínua da Qualidade (MCQ) faz uma crítica a esta forma de se avaliar e melhorar a qualidade nos serviços de saúde e propõe que a Garantia da Qualidade seja apenas o primeiro passo de um processo amplo e contínuo de melhoria da qualidade em saúde (DEPARTMENT OF FAMILY MEDICINE, 2008).

Melhoria Contínua da Qualidade seria então o contínuo esforço feito por todos os membros de uma organização para alcançar e ultrapassar as necessidades e as expectativas dos usuários. O objetivo não é somente alcançar padrões de atenção à saúde ou mesmo vê-los como um limite a ser atingido, mas sim ultrapassar estes padrões (CAMPOS; PISCO, 2008b).

Costuma-se pensar a MCQ como um processo em círculos, onde a identificação de problemas sempre redundará na criação de outros problemas, que podem ser de outra ordem ou apenas diferirem dos anteriores no seu grau de intensidade, exigindo novos esforços para a melhoria da qualidade (MALIK; SCHIESARI, 1998).

O objetivo da MCQ, desta forma, seria a busca permanente por melhorias no sistema como um todo, fazendo dela uma prática diária de busca por qualidade dos serviços. A idéia central é “o que é bom pode ser feito melhor através de um processo contínuo de melhoria” e isto ocorreria com a instauração de atividades e práticas de prevenção de problemas e controle de variações indesejadas através de uma gestão da qualidade total. O foco está na prevenção ao invés de apenas detecção e correção de problemas (BUETOW; ROLAND, 1999), sendo que a satisfação do cliente é prioridade máxima da qualidade, preconizando-se a participação ativa e fundamental de todos os profissionais da equipe.

Berwick é um dos expoentes desta perspectiva no campo da saúde, adaptando os conceitos utilizados na indústria e definindo alguns princípios do Controle e Melhoria Contínua da Qualidade: a produção de serviços é realizada através de processos e são exatamente estes processos as principais fontes de falhas na qualidade; compreender a variabilidade dos processos é a chave para a melhoria da qualidade, sendo que o controle da qualidade deve se concentrar neste entendimento, podendo intervir adequadamente nos desvios de processo; a qualidade apenas poderá ser assegurada com relações sólidas entre o cliente e o prestador de serviços; níveis indesejados de qualidade determinam altos custos para as organizações e sistemas; a estatística e a ciência moderna são fundamentais para a qualidade; e para que isso tudo tenha sentido e funcione como esperado, o envolvimento total do empregado é crucial (MALIK; SCHIESARI, 1998).

No entanto, apesar do discurso atraente, as atividades de Melhoria Contínua da Qualidade e Controle da Qualidade Total freqüentemente não atingem seus objetivos (GEBOERS et al.,

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2001), embora vários trabalhos tenham mostrado um ganho em efetividade e qualidade da atenção à saúde, trabalho em equipe e mudança da cultura organizacional (MOHAMMADI, 2007).

Dentre os problemas, pode-se citar a utilização de metodologias inadequadas, tanto para planejamento quanto para a ação propriamente dita; o insuficiente envolvimento das chefias, bem como a deficiência técnica destas quanto aos aspectos teóricos e práticos da MCQ; mudanças freqüentes nos quadros que ocupam os cargos de chefia, impossibilitando o aprendizado longitudinal, além de constantes mudanças na filosofia de trabalho; gasto excessivo de tempo no planejamento e na teoria, com desgaste prévio à implantação do plano de melhoria da qualidade (GODFREY; BERWICK; ROESSNER, [199?]).

Geboers et al. (2001), em interessante análise de um projeto de MCQ em pequenos serviços ambulatoriais, observou que os profissionais queixavam-se da carga de trabalho adicionada pelo projeto à já desgastante rotina diária. Além disso, as atividades não diretamente ligadas ao processo de melhoria contínua da qualidade prejudicavam a implementação adequada deste.

Perceberam também que esta percepção quanto ao excesso de trabalho para os profissionais se fortalecia quando estes relacionavam as horas ocupadas com o processo de MCQ e os resultados práticos alcançados, o que pode ter contribuído para a instauração de um sentimento de “tempo perdido”, embora a maioria dos profissionais concordasse que o modelo de melhoria contínua da qualidade fosse importante, útil e que produzia resultados (GEBOERS et al., 2001). Por outro lado, alguns profissionais reconheciam a dificuldade em transformar práticas cristalizadas do cotidiano, indicando este como um importante fator de bloqueio para o sucesso das investidas em melhoria da qualidade (GEBOERS et al., 2001).

2.3. A AVALIAÇÃO NO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

A expansão do PSF no território brasileiro vem sendo acompanhada por esforços crescentes de avaliação de sua situação, principalmente com relação ao processo de implantação deste nos municípios e a adequação dos seus processos de trabalho conforme o preconizado pelo

Ministério da Saúde, sendo poucos ainda os estudos de desempenho e resultados na saúde da população (ALMEIDA; MACINKO, 2006).

Estes autores (p. 45) identificaram de uma forma geral quatro tipos de pesquisas de avaliação da APS, a saber: (1) estudos de caso sobre a implementação de um programa específico ou política de APS, onde se inclui teses de doutorado ou mestrado; (2) grandes pesquisas sobre a implementação do PSF em vários municípios – estes corresponderam à maioria dos trabalhos identificados pelos autores em sua revisão de literatura, incluindo estudos financiados e desenvolvidos pelo Ministério da Saúde; (3) pesquisas sobre o funcionamento de um serviço ou processo de trabalho na atenção básica, como trabalho em equipe ou atendimento para uma doença específica; e (4) análises históricas sobre o desenvolvimento da política de APS ou de programas específicos (principalmente o PSF).

Almeida e Giovanella (2008) mapearam e analisaram os estudos de monitoramento e avaliação da APS no Brasil que foram realizados e/ou financiados pelo MS entre 2000 e 2006, e chegaram à conclusão de que os trabalhos iniciais deste processo estavam relacionados a análises do processo de implantação do Programa Saúde da Família com o objetivo de detectar fragilidades, potencialidades e custos do programa. Utilizando a classificação de estudos avaliativos desenvolvida por Novaes (2000), as autoras mostraram que a maioria destes trabalhos poderia ser classificada como Avaliação para Decisão com privilégio da visão de gestores e profissionais, onde o que mais importa é que estas avaliações produzam respostas a perguntas que surjam no cotidiano dos atores envolvidos com o serviço, tendo como foco a tomada de decisão.

É importante destacar que Almeida e Giovanella (2008) enumeram algumas características do processo de realização destas pesquisas que contribuem para sua menor utilização no processo decisório de gestores e trabalhadores: há uma fragmentação do processo de confecção dos estudos, onde trabalhos com objetivos e metodologias semelhantes são desenvolvidos simultaneamente e sem coordenação; e os resultados destas pesquisas são divulgados em relatórios técnicos de difícil linguagem e acesso.

Lentsck et al. (2007), em revisão de artigos que versam sobre a avaliação do PSF, encontraram que a maioria dos trabalhos foram publicados entre 2005 e 2006, sendo que os

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principais sujeitos pesquisados foram os profissionais das equipes de saúde da família e usuários. Os processos de trabalho realizados pelas equipes de saúde, ou seus membros individualmente, foram alvos da maioria dos estudos (21%). Outros objetivos foram: a avaliação do impacto do PSF (10,3%); a organização da Atenção Básica (8,8%); a avaliação de implantação do programa e a compreensão da relação entre sujeitos na prática do PSF (7% cada um); avaliação do PSF pela perspectiva do usuário e delineamento do perfil dos profissionais (5,3% cada), entre outros. Estes autores também frisaram a questão da acessibilidade aos trabalhos como uma dificuldade na utilização de seus resultados pelos atores sociais, principalmente com relação aos trabalhos acadêmicos de mestrado e doutorado.

Por outro lado, cabe aqui tecer alguns comentários sobre os Estudos de Linha de Base pertencentes a um dos componentes do Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF), lançado em 2004, pelo MS com o financiamento do Banco Mundial. As pesquisas avaliativas foram realizadas em todos os municípios com mais de cem mil habitantes do país, divididos em lotes e sob a responsabilidade de diferentes instituições de ensino e pesquisa, sendo encerradas em 2006. Estes trabalhos foram divulgados em duas edições especiais, uma da revista Ciência e Saúde Coletiva em 2006 (volume 11, número 3) e outra da revista Cadernos de Saúde Pública em 2008 (volume 24, suplemento 1).

Dentre os propósitos da realização destes estudos, podemos citar: subsidiar e fortalecer a institucionalização do monitoramento e avaliação em APS e o planejamento local em saúde; compreender a dinâmica de expansão e transformações decorrentes da implantação do PSF; constituir um amplo estudo de linha de base que possibilite o acompanhamento subseqüente dos resultados e impactos do programa; e envolver diferentes atores na realização dos estudos como as secretarias estaduais e municipais de saúde, pólos de educação permanente e instituições de ensino e pesquisa, buscando-se estimular a co-responsabilidade e unificação de esforços, bem como seu aprendizado e qualificação quanto à avaliação em saúde.

Figueiró, Thuler e Dias (2008) analisaram os relatórios de campo dos Estudos de Linha de Base a partir dos seguintes critérios: utilidade – atende às necessidades de informação dos usuários; factibilidade ou exeqüibilidade – realista e moderada nos custos, de modo a justificar sua realização; propriedade – conduzida eticamente, com respeito ao bem-estar dos envolvidos; precisão ou acurácia – divulga e transmite informações sobre o valor ou o mérito

dos programas avaliados com a devida validade; especificidade – atendimento às especificações do termo de referência do PROESF quanto ao modelo teórico e análise multidimensional dos dados.

Os melhores resultados foram encontrados em termos de factibilidade e propriedade dos estudos. Em termos de fragilidades, vale destacar a reduzida clareza na identificação dos valores utilizados para interpretação dos resultados, sendo que, no geral, as justificativas para interpretação dos resultados não foram explicitadas. O baixo impacto em termos de identificação das necessidades de informações dos atores locais foi outro aspecto encontrado pelos autores. Também foram identificados limites com relação à descrição do programa e seu contexto na análise dos dados. Contudo, os autores salientam os avanços em termos de aprendizado avaliativo e em conhecimento quanto à situação do PSF como grandes conquistas da Linha de Base do PROESF, permitindo um ganho expressivo em termos de qualidade para a APS brasileira.

Com isto, pretendeu-se delinear um panorama da avaliação do PSF no Brasil. Quanto aos resultados destas experiências, optou-se em reuni-los no momento da discussão dos achados deste trabalho com o intuito de facilitar a sua sistematização e análise, cabendo aqui um resumo da literatura quanto aos principais avanços e desafios experimentados pelo PSF até o momento (Tabela 2.1).