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É importante fazer uma análise dos limites deste trabalho. Em primeiro lugar trata-se de um estudo ecológico sujeito aos vieses característicos deste desenho. Segundo Medronho (2006), as principais limitações dos estudos ecológicos são: a dificuldade de controlar os efeitos de potenciais fatores de confundimento, a multiplicidade de fontes de dados com qualidade variável e freqüentemente não controlável e as dificuldades de se aplicar as soluções encontradas em um nível individual ou micropolítico. Portanto, deve-se tomar cuidado com generalizações dos resultados deste estudo, principalmente com as análises exploratórias dos padrões de qualidade.

Alguns limites do trabalho na verdade surgem devido às próprias características da AMQ. Uma destas é o caráter auto-avaliativo dos dados utilizados neste trabalho. As equipes de saúde, bem como os outros atores sociais envolvidos na AMQ, respondem aos padrões de qualidade conforme seu próprio juízo de valor sobre os processos efetivados no cotidiano dos serviços. Desta forma, não é possível afirmar categoricamente que os processos indicados como sendo feitos são de fato praticados. Outra questão é que não está previsto técnicas para o alcance de consensos no momento das respostas aos padrões de qualidade por toda a equipe. Isto também pode interferir no processo de utilização da AMQ pelas equipes de saúde, embora não se saiba como e com qual intensidade.

É sabido que a avaliação frequentemente é vista de forma negativa pelos envolvidos, principalmente os que se submeterão a ela. E Venâncio et al. (2008) mostram que o AMQ pode sofrer interferências pelo receio dos profissionais de estarem sendo avaliados a partir de um ponto de vista punitivo. Além disso, estes autores observaram que havia certo descrédito quanto à eficácia do AMQ em modificar a realidade da ESF, bem como uma concepção de que este apenas serviria para aumentar a carga de trabalho das equipes e gestores, sem que com isso se experimentasse efetivos ganhos em qualidade e satisfação.

Neste ponto é importante salientar que o número de padrões de qualidade pode ser considerado excessivo pelas equipes de saúde, como mostra Venâncio et al. (2008), nos colocando a questão de até que ponto isto interfere na dinâmica das equipes frente ao AMQ. Por outro lado, estes autores também identificaram certo desânimo por parte das equipes com relação ao número de respostas negativas aos padrões de qualidade, disparando um

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sentimento de impotência e incompetência nos profissionais. Isto está atrelado ao caráter dicotômico dos padrões – ou faz ou não faz que pode “esconder” processos de trabalho incipientes que porventura ainda não atendem ao especificado.

O AMQ constituiu-se no principal instrumento na política de melhoria da qualidade da Estratégia Saúde da Família no Brasil. No entanto, ainda são poucos os estudos que abordam os instrumentos de avaliação do AMQ como estratégia eficaz na avaliação e melhoria da qualidade na ESF. Este trabalho, com seu intento de desenvolver metodologias de análise do AMQ com vistas a fortalecer seu papel para a gestão do sistema de saúde, apresentou algumas propostas que podem contribuir sobremaneira para a utilização das informações oriundas deste processo. Afinal, não se pode cair no mesmo equívoco que alguns trabalhos têm mostrado com relação ao SIAB, onde as informações aí disponibilizadas não são usadas pelos gestores e pelas equipes (CAMARGO JR. et al., 2008).

A metodologia que estabelece pontos de corte para a análise exploratória dos padrões de qualidade se mostrou válida para a avaliação da ESF (Tabela 3.1). Ao identificar as potencialidades e as limitações da ESF, na verdade se está dando o primeiro passo para processos de melhoria contínua da qualidade desta, o qual corresponde ao alvo primeiro do AMQ.

Assim, gestores e profissionais podem utilizar o AMQ como importante ferramenta de gestão. E isto se faz pertinente na medida em que algumas experiências de implantação do AMQ têm mostrado dificuldades em manusear as informações contidas nos cadernos de auto-avaliação, tanto por gestores como por profissionais de saúde, bem como em prosseguir com ações de melhoria da qualidade a partir do momento da identificação dos problemas (VENÂNCIO et al., 2008). Justifica-se desta forma os esforços para se propor metodologias de análise destes dados.

Desta forma, o AMQ não pode e não deve ser visto como um instrumento de melhoria da qualidade por si apenas. A simples implantação do AMQ, com a realização do preenchimento de seus cadernos de auto-avaliação por gestores e profissionais de saúde, não garante o disparo de intervenções a partir dos problemas que se encontra. Ou seja, estas informações devem gerar ações. E esta afirmação ganha maior importância a partir da constatação de que profissionais se tornam relutantes na implantação de intervenções para melhoria da qualidade

ao não vislumbrarem efeitos práticos significativos nestes processos (VENÂNCIO et al., 2008; MARQUET; PALOMER; MIRALLES, 1993).

Com isso, o que se quer afirmar é que são necessários investimentos junto ao processo de implantação do AMQ, onde a atuação da equipe na resposta aos cadernos de auto-avaliação seja supervisionada e medidas de apoio à resolução dos problemas sejam disponibilizadas.

Além disso, melhorias de infra-estrutura, capacidade de gestão adequada, gestão do trabalho, educação permanente, formação de profissionais em nível de graduação e pós-graduação para o trabalho na atenção primária e participação popular são fundamentais para que se realmente alcance melhores resultados no PSF.

Assim, serão discutidos os principais pontos observados na análise exploratória dos padrões do AMQ, sem a preocupação de se esgotar o assunto e de se levantar toda a literatura existente sobre cada subdimensão, com o intuito de mostrar as potencialidades desta metodologia. Essas considerações são pertinentes, já que, segundo a classificação dos estudos avaliativos proposta por Novaes (2000), o desenho aqui proposto melhor se enquadraria no que se denomina “Avaliação para Gestão”, onde o objetivo principal seria “a produção da

informação que contribua para o aprimoramento do objeto avaliado” (p. 551) e o enfoque

prioritário seria a “caracterização de uma condição e a sua tradução em medidas que possam

ser quantificadas e replicadas” (p. 551), importando que a informação produzida seja

incorporada na análise do desempenho rotineiro do que se avalia, contribuindo para seu desenvolvimento e aprimoramento.

Seguiremos a ordem das subdimensões conforme na seção de resultados. Como se observará, vários problemas são identificados e analisados, disparando-se inquietações para sua resolução. E é exatamente isto que se almeja. A literatura, por conseguinte, é utilizada principalmente como fonte de possíveis explicações para a realidade observada, cabendo a partir de então esforços para a reflexão local e mobilização para a ação. Logo após, faremos uma discussão sobre a relação do tempo de implantação do PSF, cobertura populacional e porte municipal em termos populacionais com os processos de trabalho enunciados na AMQ.

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