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Sodré (2008) apresenta o conceito de midiatização como uma nova forma de vida, um novo bios midiático, onde a vida é mediada de acordo com as lógicas da mídia e o homem estabelece novas relações com o mundo considerando o mercado e as tecnointerações (os meios de comunicação e a tecnologia). Braga (2009) quando se refere à ação da mídia sobre a sociedade, diz que são os processos desenvolvidos segundo as lógicas da mídia que acontecem mesmo quando não se está diante da mídia, mesmo que não se está recebendo informação.

Para Hjavard (2012; 2014), a midiatização é outra forma de analisar a influência da mídia na sociedade, a dependência dos campos sociais e o condicionamento às lógicas impostas pelos meios de comunicação. Por isso, o modo como os meios de comunicação são usados e percebidos pelos emissores e receptores afetam diversos aspectos, indicando a centralidade do processo de midiatização na atualidade.

Por midiatização da sociedade, entendemos o processo pelo qual a sociedade, em um grau cada vez maior, está submetida a ou torna-se dependente da mídia e de sua lógica. Esse processo é caracterizado por uma dualidade em que os meios de comunicação passaram a estar integrados às operações de outras instituições sociais ao mesmo tempo em que também adquiriram o status de instituições sociais em

pleno direito. Como consequência, a interação social – dentro das respectivas

instituições, entre instituições e na sociedade em geral – acontece através dos meios de comunicação. O termo lógica da mídia refere-se ao modus operandi institucional, estético e tecnológico dos meios, incluindo as maneiras pelas quais eles distribuem recursos materiais e simbólicos e funcionam com a ajuda de regras formais e informais (HJAVARD, 2012, p. 64).

O conceito de midiatização evidencia que a mudança da sociedade dos meios para a sociedade midiatizada constitui uma alteração na interação entre as instituições em função da influência que a mídia passa a ter frente aquelas. Paralelo a isso, “uma orientação mais forte para o mercado levou os meios de comunicação a se centrarem mais em atender a seus próprios públicos e usuários” (HJARVARD, 2012). Em outras palavras, a midiatização é a representação de um marco onde, antes, os meios de comunicação eram orientados pelos interesses da própria mídia, mas agora, passam a ter ênfase nos interesses dos usuários, considerando a demanda de mercado. Nesse processo as mídias assumem a função de estabelecer relações pessoais entre os indivíduos.

As tecnointerações indicam que as informações são postas a serviço do capital e as mídias estão comprometidas com estratégias corporativas de articular a democracia e a mercadoria. O termo (tecnointerações) implicaria em uma qualificação particular de vida, outra forma de presença do sujeito no mundo formando um novo bios. A linguagem passa a ser a produtora da realidade e a mídia requalifica a vida social, apresentando costumes, atitudes, crenças, impulsionadas pela tecnologia e pelo mercado. Há uma transformação das formas tradicionais de sociabilização e uma nova tecnologia perceptiva e mental, um novo tipo de “relacionamento do indivíduo com referências concretas ou com o que se tem convencionado designar como verdade” (SODRÉ, 2008, p. 27).

Reforçando tais ideias de Sodré (2008), Fausto Neto (2006) pontuou que a sociedade midiatizada possui uma nova natureza social e organizacional, com um novo tipo de real que está associado a mecanismos de produção de sentido com ênfase em operações de inteligibilidade. Novas formas de vínculo social comporiam as características da sociedade, não composta por laços sociais, mas sim, por ligações sócio técnicas.

É nesse espaço que a interação social sofre a interferência dos meios de comunicação e as affordances interferem diretamente na relação entre o meio e o indivíduo, como confirma Hjavard (2012) ao citar Gibson (1979):

[...] as affordances de um determinado objeto possibilitam certas ações, excluem outras e, em resumo, estruturam a interação entre ator e objeto. Além disso, se se faz uso ou não das affordances de um objeto é algo que depende das características do ser humano ou do animal que interage com o objeto. Com a ajuda de uma escada você pode subir ou descer, mas somente se você fizer uso de seus membros. Assim, as affordances também são definidas à medida que as características do objeto e do usuário se adequam (GIBSON, 1979 apud HJARVARD, 2012, p. 76).

As affordances seriam os usos que os indivíduos dão aos meios de comunicação. As motivações e objetivos dos usuários com a percepção do uso que se pode fazer do meio,

facilitariam, limitariam ou, ainda, “estruturariam a comunicação e a ação dos atores a partir disso” (HJARVARD, 2012, p. 76).

Ainda que o conceito de midiatização permita pensar múltiplos aspectos de mudanças sociais da sociedade atual, para Verón (1997), as discussões são de certa forma dispersas. O pesquisador formula o seguinte esquema para refletir sobre a midiatização (Figura 2):

Figura 2 – Esquema para a reflexão global sobre a midiatização Fonte: Verón (1997)

O esquema da figura 2 busca mostrar as afetações entre as instituições, meios de comunicação e atores e como suas complexidades refletem a problemática da midiatização. Verón (1997) trata do processo de midiatização considerando a sua linearidade entre causa e efeito e a possibilidade de feedbacks. De acordo com essa linearidade, pode-se pensar em: relações e afetações entre instituições e meios (flecha 1); meios e atores sociais e individuais (flecha 2); atores e instituições (flecha 3) e meios e atores sociais/instituições (flecha 4). Cabe destacar que os meios de comunicação se inserem também na categoria de instituições, mas são representados na figura 1 de forma separada em função da centralidade ocupada pela mídia no processo de midiatização.

As relações representadas pela letra “c”, sempre com flechas de duplo sentido, significam também as construções coletivas que caracterizam a comunicação. Tal produção coletiva gera quadros identitários que visam agrupar os indivíduos (atores). A palavra ‘cidadão’, por exemplo, designa um coletivo, que pode articular atores individuais para as instituições do sistema político democrático. A palavra ‘consumidores’ designa o coletivo que articula os atores de um mercado, ou então, ‘telespectadores’ designa um coletivo de consumidores da mídia televisão. Sob esta lógica, o termo ‘leitores’ designa também um coletivo para os consumidores de jornal (logo a tese se apropria deste conceito quando se refere igualmente ou a leitores e consumidores do jornal). Para Verón (1997) a ideia de

coletivo remete ao conceito de interpretante e, isso se configura em um dos aspectos centrais das estratégias enunciativas dos discursos da mídia. Logo, todas as operações explicitam (indicadas na figura 2) que existem operações de sentido pela qual se constroem coletivos.

No esquema da figura 2, podem ser percebidas quatro zonas de produção de coletivos: a relação dos meios com as instituições da sociedade (flecha 1), a relação dos meios com os atores individuais (flecha 2), a relação das instituições com os atores (flecha 3) e como os meios afetam as instituições e os atores (flecha 4).

Quando se trata dos meios e instituições (flecha 1), Verón (1997) cita como exemplo as mutações que ocorrem no sistema político em função da mídia. Então, como o governo se vale da mídia para institucionalizar suas medidas? Da mesma forma, a mídia se transforma em função das instituições. Percebe-se isso nos modos de transmissão de programas políticos na tevê, a organização dos debates, a visibilidade dada à temática política.

A relação entre mídias e atores (flecha 2) se altera em função do seu consumo de mercadorias simbólicas produzidas pelos meios de comunicação e outros. Para Verón, não há setor da vida cotidiana que não tenha sido profundamente modificado nos últimos 30 anos em relação ao consumo. A saída da mulher para o mercado de trabalho, assumindo também o papel de mantenedora da família, a própria alteração da estrutura familiar, que hoje é menor, de mães ou pais solteiros, resultado de uniões de segundo casamento, casais sem filhos, alto índice de pessoas que residem sozinhas, controle da natalidade, entre outros, podem sinalizar as mudanças de consumo nos grupos.

De outro modo, a relação entre atores e as instituições (flecha 3) muda em função da evolução da comunicação interna, pois a midiatização transforma a cultura interna das organizações (os processos são mais eficazes pelo uso de sistemas de intranet, por exemplo).

A interação que se gostaria de salientar e estudar nessa tese, elucidada a partir do esquema de Verón, se realiza entre o jornal impresso e os leitores. Essa relação se consolida mesmo sem existir um contato presencial, pois a exposição ao material físico do jornal já representa um ato que tem significado tanto para o receptor quanto para emissor (HJARVARD, 2012). De um lado, o leitor pode armazenar o que leu e associar a outras experiências; o veículo, por sua vez, pode valer-se da audiência para avaliar o valor comercial da troca.

A interação não significa que as produções de sentido entre as instâncias devam ser as mesmas, já que, segundo mostra Hjavard (2012), as partes participantes de uma interação tendem a assumir papeis sociais distintos neste processo. Neste caso, o que interfere na interação são as possibilidades dadas pelo jornal para que o público possa se comunicar e agir.

Dia a dia, os jornais lançam formas de conquistar a participação do leitor, sendo este coparticipante da produção discursiva.

Para ser capaz de atender funções coletivas e estar integrada às rotinas de outras instituições, a mídia vale-se da participação de usuários não só como leitores, mas como produtores de conteúdo. Como já mencionado, as relações assumem outros formatos, especialmente no segmento jornalístico onde o usuário tende a influenciar na produção de conteúdo. A assertiva corrobora que é evidente a orientação dos meios para o mercado e uma hierarquia prioritária para os interesses do leitor. A orientação do emissor, que marcou por muitas décadas a produção editorial, hoje, transformou-se em função dos interesses dos usuários, pela demanda de mercado e pelo poder de compra.

Sob essa ótica, seriam então os leitores vistos pelos jornalistas ou produtores da notícia com preponderância enquanto clientes de um produto que deve gerar lucro ao jornal? Os clientes, a esclarecer, são os grupos que a empresa precisa atender para ser bem sucedida, com base nas suas necessidades e desejos. “Essas necessidades dizem respeito aos benefícios e características de um bem ou serviço que o cliente deseja adquirir”, explica Hitt (2005, p. 147). Assim, o produto, seja ele qual for, precisa agregar valor para quem consome, considerando que o retorno desse processo de relação com os clientes é a sobrevivência da organização. Essa relação acontece justamente no momento em que a empresa assume o compromisso de entregar ao cliente um valor considerado superior do que os demais concorrentes.

O processo de transformar os leitores em clientes está vinculado a uma responsabilidade financeira repassada aos editores. Segundo Kovach e Rosentiel (2004, p. 97) explicam, em “várias empresas isso significa aplicar às notícias a linguagem do consumo de marketing, no processo transformando leitores e expectadores em clientes”. Dentro dessa lógica, as notícias passam a ser idealizadas como um serviço ao consumidor. Muitas dúvidas permeiam essa assertiva, como as seguintes: seria possível que, ao comprar uma unidade de jornal, o leitor esteja pagando por todo o jornalismo? Como as informações que são repassadas sem custos em sites e blogs da imprensa se inserem nessa lógica? Seria certo pensar que ao invés de vender o conteúdo, o que os jornalistas fazem é tentar criar uma relação com os seus leitores, com base no profissionalismo e compromisso com a comunidade? Os anunciantes se interessam pela ligação do jornal com os leitores, ou clientes? A resposta para as questões pode estar contida na assertiva de que “o jornalismo é um negócio, e os gerentes da empresa devem manter o orçamento equilibrado e atrair clientes” (KOVACH; ROSENSTIEL, 2004, p. 81), ainda que isso possa, como já mencionado,

desgastar a relação do jornalista com o leitor e restringir a habilidade dos profissionais para informar sem medo ou favoritismo.

É sob o ponto de vista do jornalismo enquanto negócio que o público, tenha merecido por parte da empresa mídia, uma maior atenção. De acordo com Verón (2004), os leitores passaram a ser objeto de pesquisas entre os anos de 1970 e 1980. Ainda que se considere a importância de olhar o discurso por meio das abordagens de marketing e negócios, concorda- se com Verón quando diz que os estudos que envolvem a mídia contemporânea devem analisar o leitor não só em questão de preferências, mas em relação à circulação de discursos. Nesse caso, não se trata de estudar somente a recepção, mas sim, a articulação entre a produção e a recepção dos discursos. Assim sendo, o título seguinte trata de estratégias utilizadas pela mídia para que seus discursos aproximem o leitor da redação, através de uma analítica assumida pelo jornal impresso.