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O leitor-modelo é indicado a partir da capacidade de cooperação que estabelece com o texto diante das variadas possibilidades de interpretação. No Jornal, a produção gera e confia ao leitor múltiplas alternativas de interpretação. É o “Leitor-Modelo capaz de cooperar para a atualização” do texto (ECO, 2011, p. 39), tornando-o completo, já que sua completude estaria sempre condicionada à colaboração de um destinatário com competência gramatical. Ele é “postulado como operador [...] capaz de abrir, por assim dizer, o dicionário para toda palavra que encontre”, diz Eco (2011, p. 35). Então, é a competência gramatical o pressuposto importante ao entendimento dos postulados do autor do discurso.

Além disso, a cooperação do leitor estende-se aos não ditos do texto, o que não está manifesto na superfície, pela expressão, os espaços em ‘branco’ que precisam ser preenchidos. Quem escreve, na visão de Eco (2011), considera duas assertivas, no mínimo. A primeira é que o texto é um mecanismo econômico que depende da valorização de sentido que o destinatário introduz. A segunda é que o autor opta por deixar ao leitor a iniciativa interpretativa, mesmo que com isso possa ocorrer erro de compreensão. Em suma, “todo o texto quer alguém que o ajude a funcionar” (ECO, 2011, p. 37). Por essa razão, o enunciador de um texto postula o seu destinatário acreditando no potencial significativo desse sujeito.

É dentro da ideia da contínua relação entre discurso (autor) e leitor, que se configura o modelo apresentado, ponderando que nem sempre o leitor terá o mesmo entendimento e conhecimento de quem escreve. A compreensão de um texto depende não só da competência linguística, mas também, da disposição de interpretar, já que o processo não se dá face a face. A instância produtiva faz suas previsões sobre quem é o leitor, que conhecimento ele tem, o que o interessa e o motiva, ao mesmo tempo em que produz o texto com o objetivo de construir o leitor, valendo-se de textos abertos e fechados, conforme classificação de Eco (2011). Assim, prever o leitor significa escrever um texto com estratégias para construir esse leitor.

A Folha de S. Paulo parece ter a intenção de construir um leitor através de seus textos. Se classificados como fechados constituem uma estratégia na produção jornalística, onde a opção é escrever a um tipo de destinatário: somente homens, ou mulheres, ou crianças, ou

leitores de moda, etc. Os textos tem o foco em um alvo que, possivelmente, o entenderá, logo os efeitos podem ser precisos e previstos. Já o texto aberto, o jornalista pode decidir “até que ponto deve controlar a cooperação do leitor e onde esta é provocada, para onde é dirigida, onde deve transformar-se em livre aventura interpretativa” (ECO, 2011, p. 42). Considerando a mídia de massa, a instância produtiva trabalha para mais de um destinatário valendo-se de textos abertos.

Questionamentos podem ser pertinentes sobre o leitor-modelo da Folha de S. Paulo, como por exemplo, como os enunciadores caracterizam o leitor? Qual o grau de dificuldade linguística a ele associado? E quais as estratégias discursivas utilizadas para construí-lo? As reflexões podem indicar que a interpretação do texto é sujeita a estratégias previamente concebidas pelo enunciador e que o sucesso é mensurado pela aceitação e entendimento do texto pelo leitor. Essa perspectiva aparece em trecho de Eco:

Fica claro, portanto, que, doravante, toda vez que usarmos termos como Autor e Leitor-Modelo, sempre entenderemos, em ambos os casos, tipos de estratégia textual. O Leitor-Modelo constitui um conjunto de condições de êxito, textualmente estabelecidas, que devem ser satisfeitas para que um texto seja plenamente atualizado no seu conteúdo potencial (ECO, 2011, p. 45).

Tem-se então, duas estratégias para a constituição do leitor modelo de acordo com Eco (2011): os textos abertos e fechados. Assim, o enunciador formula a hipótese sobre quem seria o leitor-modelo e configura as estratégias criando uma imagem de si mesmo, enquanto sujeito do enunciado. O leitor, por sua vez, como sujeito concreto e com a função de cooperar na interpretação do texto, cria uma hipótese sobre o autor, a partir da estratégia apresentada pelo próprio enunciado. Segundo Eco comenta (2011), a hipótese do destinatário provavelmente seja mais correta do que a hipótese criada pelo enunciador sobre o leitor- modelo. Pois o destinatário deduz sobre a instância midiática a partir de um enunciado concreto, de um discurso. Ao contrário, o enunciador “postula algo que atualmente não existe”, ou seja, o leitor modelo é imaginado (ECO, 2011, p. 46). Seria como dizer que o jornalista redige acreditando que exista um leitor-modelo, enquanto os leitores reconhecem a imagem do jornalista a partir dos textos e operações manifestas.

Então, para Eco (2011) o enunciador e o destinatário14 possuem funções de cooperação na interpretação de um texto. Também Dines (2009) discorre sobre um contexto onde jornalista e leitor assumem funções similares, sendo produtores dos textos jornalísticos. Ao ser produzido na redação, o texto jornalístico passa de um repórter a um chefe de

14 Sobre os sujeitos do discurso, Eco (2011) se vale da definição de enunciador e destinatário (CHARAUDEAU,

reportagem e, assim, sequencialmente, em uma escala hierárquica até ser publicado. Caso, em um dos níveis, o texto não seja aceito, a sua publicação é interrompida. Nesse complexo processo, a sintonia do jornalista com os desejos e expectativas do seu leitor é condição si qua

non para que uma publicação seja bem sucedida. Enquanto os jornalistas “[...] são treinados

para sentir as necessidades do último [o leitor], este foi domesticado para receber aquilo que certamente lhe agradará”. Em outras palavras, o jornalista é o leitor em função da emissão e os leitores são emissores, pois assumem a função de intérpretes do processo jornalístico (DINES, 2009, p. 73).

Talvez por tantos detalhes e vieses que podem favorecer os vínculos entre essas instâncias, Dines (2009) relata que algumas experiências de jornalistas em cargos administrativos do veículo foram positivas. À frente da gestão da redação, do setor comercial e da circulação do jornal, a figura do jornalista, profissional que conhece as redações, pode orientar os rumos estratégicos a partir de sua experiência e percepção sobre o leitor. Se o jornalista pode ser o gestor, os públicos, por sua vez, são “os verdadeiros proprietários dos veículos” (DINES, 2009, p. 74), pois os vínculos estabelecidos com eles representam o sucesso financeiro do jornal.

Com base nas exigências contemporâneas dos leitores, as edições têm seu conteúdo constantemente alterado. Existe, por exemplo, uma preferência por mais notícias internacionais, científicas e sobre a cidade, visto que parecem ser assuntos que interessam ao público. Ainda que os contratos de comunicação não explicitem as mudanças, as transformações advêm de exigências da recepção. Conhecer o público torna-se fundamental para construir o jornal, via pesquisas de audiência, de mercado e de pesquisas editorais. Ainda que as amostragens sejam reduzidas ou que os questionários sejam superficiais e negligenciem as motivações dos interessados, os movimentos para ‘conhecer’ o leitor podem ajudar a “diminuir a obscuridão com que lida o comunicador dos veículos”, completa Dines (2009, p. 76).

Mesmo com esforços, Charaudeau (2013) ratifica que a máquina midiática não tem como conhecer, na íntegra, o seu público. Desse modo, o jornal, na realidade, trabalha com o conceito de efeito visado (desejado), o que significa que, nem sempre os conteúdos são interpretados pelo destinatário como o esperado pela produção. O resultado dessa relação imaginada é que o contrato de comunicação se estabelece e ganha força pelas modalidades do dizer presentes no discurso jornalístico, mesmo que este seja sempre hipotético.

Na concepção de Verón (2004), o dispositivo de enunciação (organização midiática) estabelece o contrato de leitura entre o enunciador (jornal) e o enunciatário (leitor) com fins

de persuasão ou captação. Por se tratar de um espaço imaginário entre tais atores, a instância midiática por meio de um conjunto de regras (que constam nos manuais de redação) e de estratégias discursivas e mercadológicas tenta construir seu público leitor em torno de um centro de interesses e de certo campo de efeitos pretendidos.

Os efeitos pretendidos pelo enunciador aparecem nas formas de dizer e refletem certas lógicas de probabilidade de captura do leitor sem, no entanto, garantir de que o enunciatário ao movimentar o universo de discurso construído pelo enunciador, refaz o discurso nos termos em que foi proposto pela instancia midiática e configurado no seu contrato. Devido às incertezas de que a proposta de relação entre enunciador e destinatário se efetue, o dispositivo de enunciação se vale de estratégias para obter credibilidade, legitimidade, e imagem positiva junto aos seus públicos de interesse.

Independente da estratégia utilizada, toda e qualquer ação em direção ao público, requer que se consiga mapear as características do mesmo. Desde o ano de 1982, a Folha de S. Paulo realiza uma pesquisa sobre o perfil dos leitores. A pesquisa busca desvendar não somente as características gerais do público, mas também lança esforços para entender os seus hábitos, suas opiniões e relações com o jornal. A Folha de S. Paulo declara que o levantamento recente foi concluído no ano de 2011 (PINTO, 2012). Nesse sentido, acredita-se que os dados podem indicar respostas defasadas, considerando as significativas mudanças pelas quais o impresso está sujeito no contexto da midiatização. Por outro lado, não divulgar estudos recentes sobre o perfil do leitor da Folha pode configurar-se em uma estratégia do veículo diante dos jornais concorrentes Estadão e o Globo15.

Novamente, devido à dificuldade em definir o perfil exato dos leitores, em uma amostra que é massiva, dinâmica e, consequentemente, mutante, a relação, que se estabelece entre o jornal e os leitores, é considerada complexa (CHARAUDEAU, 2013). É nesse contexto em que se dão as estratégias de captação de um leitor do qual se tem poucas ou nenhuma informação, configurando-se em dados vulneráveis diante da dinamicidade do mercado. Ainda assim, os discursos produzidos são engendrados de estratégias e recursos textuais para captar o público e garantir a sobrevivência da mídia.

Ao considerar que cada enunciado porta sentidos pretendidos pelo emissor, Maingueneau (2013) mostra-nos que a produção de sentidos se faz numa relação entre contexto e enunciado, no qual o contexto aparece como parte intrínseca a esse, não sendo apenas exterior. Assim, a produção de sentidos de um determinado texto é influenciada pelo

15 Os jornais Estadão e o Globo foram indicados como principais concorrentes do jornal impresso da Folha, em

dispositivo no qual esse texto é publicado. Ler um texto publicado em um jornal, em uma revista ou adesivado em uma parede interna ou em um outdoor, se constituiria em experiências distintas de produção de sentidos.

Independente das condições materiais, uma questão é comum: todo o enunciado objetiva “instituir uma certa relação com o seu destinatário” (MAINGUENEAU, 2013, p. 23), fazendo-se necessário que o jornal mostre o seu valor pragmático para que o leitor consiga entender e adotar um comportamento desejado em relação ao enunciado. O leitor precisa presumir que o jornal tem credibilidade, que comunica o que realmente tem a intenção de significar, que age de modo determinado em relação ao destinatário.

Nesse sentido, ambos, emissores e destinatários supõem que as regras do discurso são aceitas e respeitadas, constituindo-se as leis do discurso. Tais leis desempenham um papel considerável na interpretação dos enunciados e são entendidas como sendo “um conjunto de normas que cabe aos interlocutores respeitar, quando participam de um ato de comunicação verbal”, afirma Maingueneau (2013, p. 35).

Estas leis do discurso dependem do principio de cooperação, onde os atores colaboram para a troca comunicacional, reconhecendo o que é dever e o que é direito de cada um. Um discurso jornalístico, por exemplo, é de certa forma legitimado antecipadamente, por que ao ser comprado pelo leitor supõe que responderá as demandas do mesmo. Maingueneau (2014) diz que o impresso ao criar sessões de esporte ou lazer, está valorizando a face positiva do leitor, interessando-se por suas necessidades ou preferencias. Ao mesmo tempo se valoriza enquanto locutor, pois se mostra preocupado com os leitores.