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As transformações do processo de produção dos discursos jornalísticos

5.2 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS: O CONTRATO DE

5.2.2 As transformações do processo de produção dos discursos jornalísticos

Fausto Neto (2008) traz os estudos da ‘analítica da midiatização’, resultado da evolução de processos midiáticos que se instauram nas sociedades e modificam os contratos de leitura dos jornais. A começar pela interpretação dos acontecimentos, no qual existe o desejo por parte do impresso em ajudar o leitor em seu entendimento. Partindo das categorias

de Fausto Neto (2008), de transformação da topografia jornalística, autorreferencialidade, autorreflexividade, protagonização do leitor, tratadas no capítulo 2, a analítica foi também observada nas capas.

Nos relatos dos respondentes da pesquisa, a posição conferida ao jornal evidencia muitas das estratégias indicadas por Fausto Neto (2008). Os profissionais, em suas falas, parecem indicar soberania quanto à decisão em relação ao trabalho de esclarecimento e entendimento do público. Pode-se supor que a própria relação de concorrência entre as mídias e o acesso amplo e facilitado à informação, faz com que o jornal valorize ainda mais o seu conteúdo e, também, destaque aos seus atores (jornalistas, colunistas, repórteres), buscando familiaridade com o público. Há uma valorização maior por parte dos impressos em relação aos conteúdos relata Miqui (2014). Pode ser expressa de várias maneiras, como por exemplo, a presença de colunistas de renome e número expressivo: 100 colunistas publicam na Folha, entre os que são permanentes e os convidados.

O jornal também quer construir um texto que é analítico e didático, reflita o que o leitor espera da Folha. “A Folha é construída a partir dos olhos do leitor, a Folha tem uma preocupação já antiga em escrever de uma forma didática e que o leitor possa entender não só o que a Folha está contando, mas entender como aquilo afeta a vida da pessoa”, esclarece Singer (2014).

O jornal parece querer ‘conduzir’ o leitor, parece desejar se posicionar enquanto referência em leitura, conhecimento, entendimento. Por exemplo, no jornal de 14/09/15, quando na capa a Folha faz a chamada para o “Ranking Universitário da Folha”, habilita a classificar as 192 universidades brasileiras. É a Folha dizendo quais são as melhores universidades do país.

A transformação da topográfica jornalística é entre as demais estratégias a que fica em evidência na capa, quando o jornal cita o nome de seus colunistas (Figuras 35 e 36).

Figura 36 – Chamada na capa da Folha de S. Paulo, 14/09/15

Como é possível observar, o jornal traz, na capa, o nome dos colunistas Igor Gielow e Gregório Duvivier, apresentando, logo abaixo, um resumo de sua fala. Muitas vezes utiliza-se o recurso itálico para demonstrar que se trata de um trecho do texto-comentário do colunista. Quando questionados sobre o fato de dar visibilidade aos profissionais, muitas vezes, publicizando pautas em que o jornalista vivência situações e depois relata aos leitores, Magenta (2016) afirma que isso não é uma estratégia de captação do leitor das rotinas do jornal, é muito mais o jornalista se colocando no papel do leitor, no lugar do leitor.

Contudo, há indícios da valorização dos nomes da Folha, de uma visibilidade em função da credibilidade e, até, em uma tentativa de reforçar as rotinas do jornal sob a ótica do produtor que é exclusivo do jornal, valendo-se desse recurso como diferenciação em relação aos concorrentes.

A autoreferencialidade também é uma prática comum do impresso e presente já no primeiro caderno. Na capa de 15/09/15, a exclusividade da entrevista ao jornal é expressa no texto “Temo combater violência policial, no Estado de SP, afirma ouvidor”, quando o jornal se apresenta como um personagem, e ainda, esclarecendo o leitor que as informações foram produzidas com exclusividade ao jornal (“O ouvidor da polícia de São Paulo, Julio Cesar Fernandes Neves, diz, em entrevista à Folha [...] (FOLHA DE S. PAULO, capa, edição de 15/09/15)). Na mesma edição, novamente o Jornal posiciona-se enquanto protagonista na pauta “Chefe do conselho da Petrobras pede licença do cargo”. O texto cita que o “presidente do conselho de administração da Petrobras, Murilo Ferreira, avisou que vai se licenciar do cargo até 30 de novembro por motivos pessoais. A Folha apurou [...]” (FOLHA DE S. PAULO, capa, edição de 15/09/15).

Toda vez que o jornal cita o seu nome, o diagramador se vale do grifo em negrito. Nas evidências sobre a constituição e formatação da capa, Magenta (2016) conta que os grifos são utilizados em função da importância que o Jornal deseja dar ao assunto.

Nas dez capas analisadas, a autoreferenciação pode ser presenciada a partir das menções aos nomes dos colunistas: Nizan Guanaes54, Gustavo Patu55, Marcelo Freixo56, Hélio Schwartsman57, Matias Spektor58, Elena Landau59. Em 19/09/15, a Folha cita na capa, em negrito, o nome de um colunista e de um repórter do jornal em uma notícia sobre a Operação Lava Jato. O texto diz: “Apontado na Lava Jato como um dos operadores do PMDB no petrolão, Fernando Soares, o Baiano, citou o ex-ministro Antonio Palocci em depoimento para fechar acordo de delação premiada, informam Mario Cesar Carvalho e Bela Megale [...]” (FOLHA S. PAULO, capa, 19/09/15).

A protagonização do leitor pode ser evidenciada, por sua vez, em estratégias de interlocução com o leitor. Esse tipo de estratégia aparece em todas as capas analisadas. Veja abaixo um exemplo: “Fale com a Folha/ Veja como entrar em contato com o serviço com o assinante, as editorias e a ombudsman/fale.folha.com.br”

O hiperlink fale.folha.com.br direciona o leitor a um site que mostra as formas de contato com os setores da empresa, conforme já mencionado na tese. Entre eles, há a possibilidade do leitor: a) enviar a sua notícia para o jornal, b) interagir com a equipe da Folha por meio do aplicativo Whatsapp e do Twitter, c) fornecer informações de interesse público ou documentos inéditos por meio do Folhaleaks. Além disso, a página abrange um elemento que permite ao leitor entrar em contato com o ombudsman, assinar o jornal, colocar suas reclamações enquanto assinante ou anunciar produtos, caso for anunciante.

Ainda que sejam disponibilizadas formas de interação com a equipe do jornal, o editor do primeiro caderno afirma não terem muitas participações de leitores. Quando o fazem, se resume a críticas, raras sugestões de pauta. O espaço ‘Painel de Leitor’ (o acesso ao link se dá a partir de folha.uol.com.br, clicando em seções) concentra uma maior quantidade de participações do leitor se comparada à página Fale com a Folha. Neste espaço, os leitores opinam, sugerem e criticam a publicação (Figura 37).

54 Publicitário e dono do maior grupo publicitário do país, o ABC. Escreve às terças-feiras, a cada duas semanas.

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/nizanguanaes/, acesso em 30/05/16,

55 Jornalista de economia da Sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo. Disponível em

http://publifolha.folha.uol.com.br/catalogo/autores/573/, acesso em 30/05/16.

56 Professor de história e deputado estadual do Rio. Presidiu as CPIs das Milícias, em 2008, e do Tráfico de

Armas e Munições, em 2011. Foi candidato a prefeito do Rio em 2012. Escreve às terças. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelo-freixo/, acesso em 30/05/16.

57 Bacharel em filosofia, publicou 'Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão' em

2001. Escreve às terças, quartas, sextas, sábados e domingos. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/, acesso em 30/05/16.

58 Doutor pela Universidade de Oxford e ensina relações internacionais na FGV. Escreve às quintas. Disponível

em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/matiasspektor/, acesso em 30/05/15.

59

Economista e advogada. É sócia do escritório de advocacia Sergio Bermudes e presidente do Instituto Teotônio Vilela do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/elenalandau/, acesso em 30/05/15.

Figura 37 – Painel do leitor da Folha de S. Paulo

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2016/03/1753544-leitor-questiona-se-vazamentos-da- operacao-lava-jato-sao-seletivos.shtml

O painel do leitor traz com ênfase as considerações da ombudsman do que ela recebe e também das pesquisas da profissional junto aos assinantes. Os comentários passam pelo crivo da jornalista e da redação e não são publicados na íntegra. Além do nome do leitor, o jornal publica a cidade e o estado de origem do mesmo, em uma tentativa de mostrar a pluralidade de cidades e o alcance da Folha, fato reforçado pelo slogan que diz ser a Folha o jornal a serviço do Brasil. Para que o leitor possa comentar a edição impressa, o site apresenta muitas opções, considerando especialmente, que o leitor está inserido na ambiência digital.

Conforme infere Fausto Neto (2008), a analítica da midiatização interfere no contrato de comunicação buscando a aproximação com o leitor. O jornal mais do que nunca quer dar a impressão ao leitor de que é um dos elementos da produção discursiva. Ao mesmo tempo, a mídia tenta se valorizar, ser mais íntima dos leitores. Mesmo o jornal apresentando nas capas raras evidências da analítica, as observações podem conduzir a reflexão de que as mídias valorizam mais o seu conteúdo, seus profissionais, tentando chamar a atenção dos leitores.