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5.1 PERCURSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

5.1.2 Constituição e critérios de análise do corpus

Em uma primeira etapa desta tese, foram arquivadas as 12 capas do jornal Folha de S. Paulo. As capas foram obtidas a partir do acervo do jornal, que é composto de 90 anos de exemplares do jornal, resultado, em sua maior parte, da conversão dos exemplares em papel para o formato digital por intermédio da cópia em microfilme. As edições mais recentes da Folha de S. Paulo provêm de versões em formato PDF, extraídas diretamente do processo de publicação do Jornal48. Para as estratégias mercadológicas, a observação se deu a partir da edição completa do jornal, ambas no mesmo período, 14 de setembro a 24 de setembro de 2015.

Para cumprirmos o objetivo geral da tese foi realizada uma revisão bibliográfica sobre contratos de comunicação, leitores e estratégias discursivas e de marketing; a análise

semiolinguística das capas do jornal Folha de S. Paulo e entrevistas semiestruturadas com os profissionais do jornal. Os objetivos específicos são identificar os modos de contato da Folha de S. Paulo com seus leitores, através de pesquisas em fontes secundárias como manuais, artigos e livros sobre o jornal; investigar as lógicas discursivas que regem as aproximações entre jornal impresso e o leitor, através da análise das capas e investigar que estratégias de marketing são utilizadas pelo jornal impresso para enfrentar a concorrência com outras mídias e plataformas e captar os leitores, com entrevistas em profundidade com profissionais do jornal e observação da edição completa do impresso no período determinado para a análise.

Essa tese tem como base a teoria da sociolinguística, do contrato de comunicação desenvolvida por Charaudeau (2010; 2013) e parte da análise semiolinguística. O método tem sua origem na semiose, a partir da qual a construção de sentido e a configuração se dão através de uma relação forma-sentido sob a responsabilidade de um sujeito intencional em um processo que compreende o desejo de influência social, envolto em um quadro de ação. O discurso constitui-se, pois num campo de disciplina próprio, com um conjunto de métodos e técnicas que lhe são muito específicos. Ele está contextualizado em uma problemática das relações e das estratégias de poder e tem a capacidade de “fazer agir”, de modificar as relações entre os parceiros linguísticos (LANDOWSKI, 1992). Quem redige pode estabelecer deveres e criar expectativas em quem lê. Ao pesquisador compete entender além da mensagem e captar as interações dadas pelo discurso entre os sujeitos que se inscrevem e os que se reconhecem nele (LANDOWSKI, 1992).

Em se tratando deste método, o analista assume uma posição de reconhecimento de sentidos, pois cumpre a função de realizar leituras dos discursos de seu objeto. Verón (2004) ressalta, entretanto, que o analista não é considerado o consumidor do discurso, pois está posicionado enquanto observador, sendo que as leituras de um e de outro não são as mesmas.

A instância da produção engloba duas classificações, que podem influenciar-se: externo-externo (contempla as condições socioeconômicas do veículo, como os preços, distribuição, fusões financeiras, número de jornalistas na redação, e discursos que abordam as intenções do jornal) e externo-interno. É nesta última que foca a análise em questão já que ela abrange as “condições semiológicas da produção – aquelas que presidem à própria realização do produto midiático” (CHARAUDEAU, 2013, p. 25). Reforça-se aqui, a assertiva de que o jornal atua para um destinatário que é cogitado como alvo ideal (leitor modelo), ainda que a máquina não o consiga definir pontualmente. O jornal se vale de práticas, discursos e intencionalidades, considerando efeitos de sentido visados (CHARAUDEAU, 2013, p. 25, grifo do autor). No entanto, é pouco provável que esses efeitos atinjam todos os leitores, já que o

público do jornal é heterogêneo, composto por leitores com diferentes necessidades e repertórios.

Partir-se-á da ideia de que a linguagem não é um objeto transparente onde o processo de comunicação não resulta de uma “única intencionalidade” (CHARAUDEAU, 2010). Somam-se nela as intenções que são declaradas pelo emissor e o ato de linguagem a partir das relações entre o enunciador e o destinatário. Assim, todo ato de linguagem é um objeto duplo, “constituído de um explícito”, o que é manifestado pelo emissor e de um “implícito”, que são os sentidos construídos a partir da situação de comunicação. A assertiva traz à tona a problemática de que o enunciador e coenunciador são diferentes e, nem sempre, o sentido previsto pela instância da produção se realiza na recepção. Por outro lado, a competência daquela instância é múltipla, podendo construir os mais variados sentidos nos receptores.

A dupla dimensão do fenômeno linguageiro indica que o problema da comunicação centra-se no sentido que circula a partir do que é manifesto explicitamente. Assim, a finalidade do ato de linguagem depende do “jogo que um dado sujeito vai estabelecer”, a partir do sentido implícito (CHARAUDEAU, 2010, p. 24). O jogo aqui referido parte da relação entre as instâncias e da relação entre as instâncias e as circunstâncias de discurso em que se encontram. Como estas relações são variáveis, a expectativa sempre é considerada múltipla. Por isso, a semiolinguística trabalha com tentativas de representações coletivas em que um grupo social constrói para si um “conjunto de possíveis interpretativos” sugeridos pelo contexto da comunicação (CHARAUDEAU, 2010, p. 29).

Como já mencionado, a semiotização do mundo parte do duplo processo de transformação e transação, onde transformar significa que se parte de um “mundo a significar” para um “mundo significado”, sob a ação de um sujeito que fala ou escreve. A transação está compreendida já no mundo significado, trata da troca que se estabelece com o destinatário. O sentido é construído e para isso a produção do jornal desenvolve uma competência semiótica (LANDOWSKI, 1992, p. 11). Nessa linha de estudo, objetiva-se entender o discurso, como ele é construído e a partir disso as relações que se estabelecem entre os atores sociais. Logo, a análise de informações que resulta na busca pela captação do leitor deve partir, prioritariamente, do conteúdo do jornal, compreendendo-se, a dinâmica do veículo.

Com o suporte da revisão teórica, foram mapeadas, como elementos de análise, as estratégias discursivas e mercadológicas, observados, respectivamente, nas capas da Folha e na edição completa do Jornal. O período de análise compreendeu as 12 edições impressas do jornal de 14 de setembro a 25 de setembro de 2015, escolhidas de modo aleatório e

observadas a partir do dispositivo flip49. Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com o gerente de circulação da Folha, com a gerente de treinamento, com um editor e como o gerente de marketing e comunicação, mapeando questões referentes à temática da tese.

A análise se deu em dois momentos, primeiro com o corpus composto por 10 edições do jornal, no período de 14 a 25 de setembro, foram mapeadas as edições impressas. Para acesso a estas, a pesquisadora utilizou a edição digital oferecida a assinantes a partir do site

www.folha.uol.com.br (versão flip). Tal escolha partiu da possibilidade de acesso à versão on-

line, bem como a possibilidade de uso de imagens do jornal ao longo do trabalho. A edição digital é exclusiva a assinantes do jornal que tem a opção de “folhar” o jornal virtualmente.

A etapa qualitativa foi realizada com questões referentes ao contrato de comunicação da capa. Esta etapa se deu pela técnica de observação indireta, onde segundo Michel (2009, p. 65) a obtenção de dados se dá indiretamente, por meio de documentos pessoais ou institucionais. São dados ditos secundários e partem de uma análise a partir da leitura ou interpretação do material que é disponibilizado. Considerando o estudo, as 12 edições do jornal Folha de S. Paulo estão disponibilizadas na versão flip no endereço acervo.folha.

com.br. De modo sistemático, essa primeira etapa de análise das capas contemplou (Figura 5):

Contrato de comunicação da Folha de S. Paulo a partir da capa

- Nome do jornal - Slogan

- Utilização do nome do diretor - Formato

- Fotos - Gráficos - Cores - Fontes

Quadro 5 – Critérios para a análise da capa da Folha de S. Paulo Fonte: Dados da pesquisa

Na capa, o formato, o uso de cores, as manchetes, os títulos e a logotipia foram observados como elementos que estabelecem relação com os leitores, em uma perspectiva de reconhecimento entre as instâncias envolvidas. Como afirma Belochio (2012), um espaço (a capa) é propício ao fortalecimento e à renovação dos contratos de comunicação. Fernandes (2011) de modo semelhante também procedeu, em uma das etapas de seu estudo, a análise das

49 A navegação flip é uma ferramenta que permite ao leitor ler o jornal exatamente da forma como é o impresso,

capas da Folha de S. Paulo, verificando os acordos apresentados pelo veículo aos seus leitores.

Em um segundo momento da análise, foram mapeadas as estratégias discursivas com a visada de captação presentes nas capas da Folha. O roteiro de análise se deu em função dos elementos indicados no capitulo dois, a partir das pesquisas de Verón (2004), Charaudeau (2010; 2013), Maingueneau (2013) e Fausto Neto. Assim, as 10 capas foram observadas a partir do seguinte roteiro (Quadro 6).

Estratégia Conceito

Títulos - A dimensão metalinguística: título se refere ao texto que segue, nomeando e qualificando o discurso.

- A dimensão referencial: o titulo sempre ‘fala’ de algo. - “Anormalidade” ou indeterminação

- Generalidade dos títulos, ou seja, o fato de presença ou ausência de nomes próprios, ou a identificação do acontecimento a que se referem

Imagem Transparência

Evocação

Vulgarização Utilização das categorias de pensamentos mais comuns, esquemas de raciocínios simples, simplistas, saberes amplamente compartilhados (lugares-comum, estereótipos)

Amálgama Intenção de dramatizar e simplificar, onde os diferentes assuntos podem estar ser alocados sob uma mesma etiqueta.

Potencial de atualidade, sociabilidade e

imprevisibilidade

- Potencial de atualidade, que indica a distância do momento da aparição do acontecimento e o momento da informação. A imprensa tende a tratar o acontecimento em seu imediatismo, o acontecimento deve estar próximo ao leitor - Potencial de sociabilidade, onde nada é estranho ao universo dos homens, onde existe uma clareza comum sobre os assuntos

- Potencial de imprevisibilidade, evidencia o que não é comum Emoções O inesperado, O repetitivo insólito, inaudito, enorme, trágico.

Matracagem As notícias são repetidas, mas sempre com algum critério novo, para manter a ideia de ‘frescor’.

Ubiquidade O jornal tem em seu corpo editorial notícias locais, regionais e do mundo, e o leitor normalmente aceita esse contrato tendo a impressão que lê sobre tudo o que acontece. Autoreferencialidade, autorreflexividade, transformações da topografia do leitor e protagonização do leitor.

- As transformações da topografia jornalística querem que o leitor passe a entender como se dão as construções da mídia, na busca por uma intimidade ou proximidade com a recepção.

- Na autorreferencialidade as mídias são seus próprios objetos, o jornal fala de si mesmo e dá destaque a suas operações.

- A autorreflexividade trata das operações discursivas que enunciam e refletem os desafios e os efeitos de um modo de dizer.

- As estratégias de protagonização do leitor considera que os receptores são instalados no interior do sistema produtivo e se tornam cooperadores de enunciação. Quadro 6 – As estratégias de captação do leitor no jornal impresso

As estratégias de marketing foram identificadas a partir de campanhas, anúncios, promoções identificadas na edição completa da Folha, no período mencionado, assim como de entrevistas e de análise de documentos como o Manual de Redação da Folha, site e redes sociais.

5.2 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS: O CONTRATO DE COMUNICAÇÃO