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3 PARTICULARIDADES HISTÓRICAS E CONJUNTURAIS DA AMÉRICA LATINA

3.2 DESDOBRAMENTOS HISTÓRICOS DA DEPENDÊNCIA: O ESPECTRO

3.2.2 A morfologia do reordenamento da formação profissional

No panorama aludido, a integração entre educação e trabalho, que se constituiria, para Marx, como estratégia de desalienação, sob o capitalismo maduro, torna-se instrumento elementar de produção de capital, uma vez que é a educação que prepara para o trabalho, constituindo força de trabalho condizente com as demandas. O trabalhador torna-se um ser estranhado, coisificado, desumanizado, um objeto, que pressupõe, pela formação, sua permanência e/ou concorrência no livre jogo das forças e relações contratuais de trabalho.

Se as circunstâncias em que este indivíduo evoluiu só lhe permitem um desenvolvimento unilateral, de uma qualidade em detrimento de outras, se estas circunstâncias apenas lhe fornecem os elementos materiais e o tempo propício ao desenvolvimento desta única qualidade, este indivíduo só conseguirá alcançar um desenvolvimento unilateral e mutilado. (MARX; ENGELS, 2011, p. 43, grifos nossos).

60 São elas o Conselho Federal de Serviço Social (Cfess) e a Associação Brasileira de Ensino e

Em oposição à concepção dialética de educação, que apreende o homem enquanto ser político, a concepção hegemônica pressupõe uma formação profissional voltada às fronteiras do capital e àquilo que lhes é subserviente. Trata- -se, em outros termos, de reconfigurar o simulacro do processo de formação e se adequar às novas requisições profissionais do mundo do trabalho.

Mas não só o perfil do trabalhador requisitado mudou. A estrutura e a funcionalidade da universidade, lócus institucional de formação, tiveram mutações na organização, no funcionamento e na gestão, na medida em que deve ser empreendedora e garantir competitividade e permanência dos acadêmicos em sala de aula. Sem balizes, assim se constitui a “universidade operacional”61 (CHAUÍ,

2001).

Para se adequar às solicitações advindas dos “novos tempos”, a formação vem sofrendo mudanças, para se centrar, contemporaneamente, em uma unidade que não suscita pensamento e análise, que polariza a curiosidade para a ótica funcional, que se preocupa com o produtivismo teórico e que anula a pretensão de transformação das condições materialmente definidas.

Na escola atual, em função da crise profunda da tradição cultural e da concepção de vida e do homem, verifica-se um processo de progressiva degenerescência; as escolas de tipo profissional, isto é, preocupadas em satisfazer interesses práticos imediatos, prenominam sobre a escola formativa, imediatamente desisteressada. O aspecto mais paradoxal reside em que este novo tipo de escola aparece e é louvado como democrático, quando, na realidade, não é só destinado a perpetuar as diferenças sociais, como ainda a cristalizá-las. (GRAMSCI, 2006, apud BARATTA, 2010, s.p.). Em plena era de um trabalhador de novo tipo, o processo formativo vem ao encontro de atender a duas requisições intrínsecas na cena internacionalizada: de um lado, atende a manifestações concretas de âmbitos técnico e político; de outro, à luz da venda da força de trabalho, acolhe a exigência de preparação para o mundo

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“A Universidade operacional, dos anos 90, difere das formas anteriores. De fato, enquanto a universidade clássica estava voltada para o conhecimento, a universidade funcional estava diretamente para o mercado de trabalho, e a universidade operacional, por ser uma organização, está voltada para si mesma como estrutura de gestão e de arbitragem de contratos. Em outras palavras, a universidade está virada para dentro de si mesma, mas, como veremos, isso não significa um retorno a si, e sim, antes, uma perda de si mesma. [...] Definida e estruturada por normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação intelectual, está pulverizada em microorganizações que ocupam seus docentes e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual. A heteronomia da universidade autônoma é visível a olho nu: o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrandos e doutorandos, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios, etc. Virada para o próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a universidade operacional opera e por isso mesmo não age.” (CHAUÍ, 2001, p. 190, grifos do autor).

do trabalho e à sociabilidade. Destarte, “[...] existe uma relação visceral entre o processo educacional e o processo social abrangente, ou seja, entre educação e sociedade. Trata-se de um vínculo orgânico [...]” (SEVERINO, 2005, p. 48).

Em outros termos, a formação tem um estatuto particular no cenário atual, porque se centra nas necessidades de um trabalhador e/ou produtor imediato e em um saber a serviço do capital. Pela mutabilidade da organização produtiva, o

continuum formativo é permeado pelas forças contraditórias que inserem o

trabalhador em processos dialéticos e em embates que colocam em xeque o significado do seu processo de formação.

A educação, como um saber sempre referido a um fazer, se alimenta dessa tensão entre a melhoria da força de trabalho e o modo de realizar essa melhoria, inerente ao capitalismo. Ela deverá fazer crescer e aumentar a competência técnica e instrucional do trabalhador, procurando tornar o saber parte do capital como força produtiva. (CURY, 2000, p. 75).

Essa tensão entre a melhoria da força de trabalho e o seu produto expressa uma qualificação imediatista, que responde ligeiramente às demandas trabalhistas, enviesando a concepção de formação crítica, que consiste na qualificação ética, política e técnica dos sujeitos, na constituição de um perfil profissional reflexivo dos processos sociais, na apreensão das contradições inerentes ao modo de produção capitalista e na operacionalização da unidade dialética, que conjuga aspirações histórico-sociais.

Diante dessas particularidades históricas e conjunturais, o Serviço Social, na América Latina, insere-se enquanto produto e produtor dos processos sociais, implicado e implicante com posições político-ideológicas, explícitas e implícitas, impressas em suas intervenções. É sob esse júdice que, no Capítulo 4, se abordará como a profissão se situa na perspectiva de totalidade histórica — em face das peculiaridades econômicas, sociais, políticas e educacionais elencadas no corpo deste capítulo — e trava seus fundamentos profissionais, a partir de dois eixos

centrais: da gênese profissional e do Movimento de Reconceituação latino- -americano.

4 OS CONDICIONANTES HISTÓRICO-PROFISSIONAIS DOS FUNDAMENTOS