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2.2 À GUISA CONCEITUAL: OS FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL

2.2.3 O método materialista histórico e dialético

Método não é metodologia. Enquanto a metodologia estuda os métodos e abrange um conjunto de abordagens e técnicas que representam o “como” a ser percorrido para um determinado fim (para a aquisição de conhecimentos), explicitando, de forma minuciosa e detalhada, a ação a ser desenvolvida, o método é a forma pela qual o pensamento apropria-se do objeto a ser investigado. É um processo que assinala o modus da aquisição do conhecimento.

Para Marx, essa apropriação se dá pela via materialista, histórica e dialética. Mas o que isso denota? É materialista, porque parte do pressuposto de que a formação do pensamento, logo, das ideias, tem como preceito a prática material, que é transformada e transforma os homens, seus agentes históricos; é histórica, porque o conhecimento teórico do qual se está partindo é atinente à sociedade, ou seja, ao ser social, que é produto social, ao estabelecer relações para a satisfação de suas necessidades; e é dialética, em face de o real se apresentar “como móvel, múltiplo, diverso, contraditório” (LEFEBVRE, 1991, p. 170), não permitindo ser considerado de forma isolada, mas sempre em sua interação universal.

A partir disso, Marx fornece leis universais objetivas, sendo, ao mesmo tempo, do real e do pensamento, dada sua conexão dialética: (a) a Lei da Interação Universal, que considera o objeto em suas relações, em sua totalidade; (b) a Lei do Movimento Universal, no qual envolve o devir universal a partir dos movimentos interno e externo enquanto movimentos inseparáveis; (c) a Lei da Unidade dos Contraditórios, que inclui e exclui ao mesmo tempo, captando a ligação, a unidade e o movimento engendrado para superá-los; (d) a transformação da quantidade em qualidade (Lei dos Saltos), que implica, simultaneamente, a continuidade e a

relacionam entre si e com a natureza. Essas relações entre os homens e deles com a natureza constituem as relações sociais como algo produzido pelos próprios homens, ainda que estes não tenham consciência de serem seus únicos autores”.

descontinuidade; e (e) a Lei do Desenvolvimento em Espiral (da superação), onde se revela o movimento em espiral, ao sobrepujar o apresentado para superá-lo (LEFEBVRE, 1991).

Embora não tenha sintetizado e/ou descrito seu método num único texto,27

Marx tece seu método materialista histórico e dialético no decorrer de suas obras, fixando suas bases numa visão materialista da realidade, em oposição28 ao método

dialético de Hegel29, que se configura pela idealização da realidade, no qual, o ponto

de partida e o de chegada seriam as ideias.

Ao entender a vida material como parte fundamental da história, Marx não ignora o idealismo hegeliano e o “materialismo contemplativo” de Feuerbach, mas os desenvolve, ao perceber que “[...] o ponto de vista do novo materialismo é a sociedade humana ou a humanidade social” (MARX; ENGELS, 2006, p. 120), por isso, a consciência é condicionada pela relação dialética entre sujeito e objeto, no qual o homem configura o mundo em que vive e por ele é formado. Sobre tal assertiva, Marx (2003, p. 5) refere que

[...] na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material que condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina sua consciência. “Ao contrário do que sucede na filosofia alemã, que desce do céu para terra” (MARX; ENGELS, 2006, p. 51), o método em Marx “[...] ascende da terra ao

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Marx afirmava que o seu método não haveria de ser encontrado em um único escrito, mas, sim, na leitura da totalidade de sua obra. Nesse sentido, Prado Júnior (2001, p. 3-4) assevera que “Marx, como se sabe, não chegou a desenvolver sistematicamente o seu método. Limitou-se em princípio a aplicá-lo. Mas, a maneira como o fez, como dele se utiliza, de que a análise a que procede do capitalismo, e a sua teoria econômica daí resultante, constituem exemplo máximo e fornece os elementos mais que suficientes para traçar, pelo menos em suas linhas gerais e fundamentais, aquilo em que essencialmente constituem seus procedimentos metodológicos. Tal maneira nos proporciona também a base necessária donde se há de partir para a sistematização teórica daqueles procedimentos, o que nos dará, a par de uma teoria marxista do conhecimento — que vem a ser a dialética materialista —, uma perspectiva e os caminhos para os objetivos práticos para que se deve dirigir uma tal teoria. A saber, as normas próprias para a elaboração do conhecimento. Um método explicitado, em suma”.

28 Mesmo assim, Marx reconhece as contribuições do filósofo alemão para a constituição teórico-

-metodológica por ele desenvolvida.

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O método de Hegel fica restrito ao plano do conhecimento. Para ele, o movimento do conhecimento dá-se pelo movimento particular para chegar a generalizações (saber imediato, percepção, autoconsciência, razão, espírito e saber absoluto). Por isso, afirma Lefebvre (1991, p. 170), “[...] ele não se basta e não basta”.

céu” (MARX; ENGELS, 2006, p. 51). Inversamente proposto, para o filósofo, o conhecimento é resultado de uma representação do concreto, pelo pensamento, de apreensão da realidade concreta (que é) exterior a ele (pensamento).

Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento — que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de ideia — é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é nada mais que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado. (MARX, 2011a, p. 28).

O ponto de partida do conhecimento é o real, o concreto, que não é nada mais que a representação da realidade material, do mundo empírico, enfim, a plenitude da representação. A partir da captação das relações contidas no mundo real, o pensamento apreende os objetos e, dessa forma, trata de conhecê-los. Partindo da visão do todo, trata-se de desenvolver um afastamento do real, aonde “[...] as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto em via do pensamento” (MARX, 2003, p. 248). Nesse momento, o pensamento torna-se o concreto pensado e, dessa forma, reproduz a unidade dos múltiplos elementos constantes no concreto, uma totalidade de determinações.

O método apreende o concreto empírico, através da abstração, reconstitui a realidade no pensamento e chega ao concreto pensado, a “uma síntese de múltiplas determinações, logo unidade da diversidade”30 (MARX, 2003, p. 248). Esse

movimento transforma as relações sociais e coloca-as num novo momento da representação, como um resultado da totalidade concreta (pensada), a partir da apreensão das relações sociais em sua totalidade31, contradição32 e historicidade33,

enquanto categorias indissociáveis. Como Marx (2003, p. 248) define,

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Nas palavras de Prado Júnior (2001, p. 20), “Marx chama a isso [...] de concreto; e de ‘concreto pensado’, o conceito (fato mental) representativo do mesmo concreto (fato real). E caracteriza da seguinte forma: ‘ Para o pensamento [o concreto] é um processo de síntese e um resultado’. O que, em outras palavras para nós mais explícitas, significa que o concreto [...] se alcançou pelo processo de síntese [...] de que resulta, da diversidade originária, a noções abstratas. [...]. Doutro lado, contudo, na elaboração do conhecimento, ‘as noções abstratas permitem reproduzir o concreto por via do pensamento’. [...]. No outro caso, estamos na perspectiva contrária, a saber, na do processo de síntese em operação e que vai dar na reprodução e representação mental do concreto real. No ‘concreto pensado’, na expressão de Marx”.

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Essa categoria diz respeito à expressão da totalidade complexa mais ampla, não sendo explicitada apenas por uma parte do todo, ou pela soma das partes. Trata-se de entender a realidade como unidade dos diversos, de modo a reconhecer o universal no particular e vice-versa, porque cada momento é parte do todo, e o todo tem uma especificidade que não se encontra nos singulares. Nesse sentido, Prado Júnior (2001, p. 13) evidencia que “[...] uma totalidade é sempre mais que a simples soma de suas partes. E em que consiste esse mais? Precisamente na relação que congrega aquelas partes e faz delas um sistema de conjunto que absorve e modifica sua

[...] o concreto é concreto por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e, portanto, igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação.

As premissas reais devem ser entendidas como instrumentos para a condução do pensamento no processo de elaboração do conhecimento. Assim, constituem-se em objeto sobre o qual o pensamento exerce sua atividade criadora. Ter-se-ia, diante disso, “[...] uma visão caótica do todo e, através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto figurado passaríamos a abstrações cada vez mais delicadas até atingirmos as determinações mais simples” (MARX, 2003, p. 247).

Os pressupostos dos quais partimos não são arbitrários nem dogmas. São bases reais das quais não é possível abstração a não ser na imaginação. Esses pressupostos são os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas que eles já encontraram elaboradas quanto aquelas que são o resultado de sua própria ação. Esses pressupostos são, pois, verificáveis empiricamente. (MARX; ENGELS, 2006, p. 44).

A “lógica dialética”34 do método permite a interação entre elementos

opostos, não separa forma de conteúdo e não nega as aproximações anteriores. Pelo contrário, parte disso, supera-os e guarda-os em um nível superior para demarcar o início de uma nova etapa, revelando a tomada dos processos em sua vida e movimento, em sua incompletude e em seu devir. “Todo devir é real, acrescenta algo à noção abstrata de devir, mas implica esta. ‘Algo’ determinado (esta casa, este homem, este Estado, este regime social) transforma-se ou é aniquilado. O que ainda não é tende a ser, e nasce e, por conseguinte, atua; e o que era vai deixar de ser” (LEFEBVRE, 1991, p. 191).

O que está tácito é o entendimento de que somente a partir de sucessivas aproximações com a realidade concreta é que se torna possível apreender a realidade social dos sujeitos e as contradições no contexto operadas. Por isso, o individualidade anterior. Ou antes, a transforma em nova individualidade que é função do todo e somente existe neste todo”.

32 A contradição permite analisar os “acontecimentos” sociais em seu complexo e contraditório

processo de produção e reprodução, ao considerar o movimento da realidade social. Nega uma etapa e busca a superação da mesma, incluindo a negação feita anteriormente para dar o salto qualitativo. Contradição, em outros termos, é destruição e continuidade.

33 É mais do que a história. A historicidade reconhece o real como movimento, como processo, como

devir, estando em curso de constituição. É a chave para desvelar o real, por isso, vê os processos sociais inseridos num contexto histórico (passado, presente e futuro), que, dialeticamente, é conflituoso, porque está presente no mundo concreto, na relação entre sujeito e objeto, nas ações cotidianas dos homens.

conhecimento da realidade viabilizado pelo método materialista histórico e dialético e suas implicações para essa apropriação (a partir do movimento entre o imediato, o pensamento e o concreto pensado) trazem contribuições incontestes para profissões cujo caráter é essencialmente interventivo, como o Serviço Social.

Falar dos fundamentos dessa profissão não significa, portanto, reduzir o debate à discussão acerca da história da profissão e às orientações epistemológicas que até hoje perpassaram nos determinados períodos históricos. Superar essa visão cronológica e mecanicista é perceber a história como processo, em seu movimento dialético, e a teoria e o método enquanto enzimas de sustentação profissional, que garantem a defesa de seu significado social e das suas particularidades enquanto profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho.

A dimensão política implícita na concepção de fundamentos do (e para o) Serviço Social, antes explicitada, entende a profissão inserida num cenário de lutas, cuja direção requer o rompimento com as amarras endógenas (e corporativas) e o estabelecimento de vínculo estrito com a classe trabalhadora, em tempos em que se vive a ditadura do capital. Para a profissão, a exigência é ultrapassar os limites legalistas e burocráticos e ousar em suas estratégias de luta para além das tradicionais formas utilizadas pela categoria, cujas implicações exigem abandonar a lógica falaciosa e reestabelecer o caráter político orgânico que o marxismo apresenta, para garantir legitimidade ao trabalho profissional nas diferentes dimensões que constituem a vida social.

Tendo como âncora esses fundamentos epistemológicos, propõe-se, no Capítulo 3, elucidar as particularidades históricas e conjunturais do lócus de análise do objeto de estudo — a América Latina e o Caribe —, de modo a entender em que solo histórico se assentam os Fundamentos do Serviço Social na região e, de modo peculiar, como influenciam e condicionam seus processos histórico-profissionais.

3 PARTICULARIDADES HISTÓRICAS E CONJUNTURAIS DA AMÉRICA LATINA