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A Mulher na sociedade: fragmentos de sua história

3.2 Relações de gênero – um debate em construção

3.2.1 A Mulher na sociedade: fragmentos de sua história

Atualmente, os debates em torno de questões de gênero têm despertado o interesse de muitos pesquisadores. A discussão dessa temática na contemporaneidade passa, contudo, também pela compreensão das demandas históricas às quais homens e mulheres estão sujeitos. Não obstante a expressão “gênero” referir-se às mulheres e aos homens e às suas relações (MORAES, 1998), “na sua utilização recente mais simples, gênero é sinônimo de mulheres” (SCOTT, 1990, p. 7). O foco das discussões quando se refere a tais questões passa, dessa forma, pelo debate a respeito da condição subalterna vivenciada pela mulher ao longo dos tempos, uma vez que, segundo Fontenele-Mourão (2006), a própria história revela que, de um modo geral, as mulheres estiveram amiúde excluídas do espaço público.

Com efeito, Leite (1994), ao procurar compreender o “ser homem” e o “ser mulher” no decorrer da história, identifica que, nos primórdios das sociedades primitivas, o lar era, na verdade, a principal unidade econômica de

produção. Ali se tecia a lã, confeccionava-se o vestuário, coziam-se as cerâmicas, preparava-se o alimento, mantinham-se os animais domesticados e, ao seu redor, cultivavam-se as plantações. O treinamento do homem e da mulher, desde a infância, era ali realizado e as únicas atividades “fora do lar”, como a caça e a pesca, eram reservadas aos homens, pois as mulheres estavam limitadas pela gestação e amamentação. Uma rígida divisão de tarefas entre os sexos começava e o trabalho fora do lar tendia a restringir a participação feminina. Na visão de alguns pesquisadores (LEITE, 1994; MELO; FREITAS; FERREIRA, 2001), o contínuo esforço pelo alimento exigiu muito, em termos físicos, do indivíduo do sexo masculino, o que lhe proporcionou mais força muscular.

Na Antiguidade, a mulher também desempenhou um papel secundário. A sociedade ateniense forjou um modelo de democracia que excluía os escravos e as mulheres. Burns (1979) afirma que aquela sociedade concedia poderes absolutos aos homens sobre suas esposas e filhas e os homens se casavam “para assegurar a legitimidade ao menos a alguns de seus filhos e para adquirir propriedades por meio do dote” (BURNS, 1979, p. 190). Duby e Perrot (1990a), ao estudar detalhadamente a mulher na Antiguidade, argumentam que, até mesmo em Esparta (cidade eminentemente militarista que proporcionava maior autonomia às mulheres durante a ausência dos homens em guerra), as mulheres não gozavam dos mesmos direitos dos homens. Ainda no mundo antigo, Roma, enquanto sociedade agrária, não reconhecia na mulher um indivíduo, ainda que, pela sua própria estrutura primária, admitisse sua participação no trabalho, na política e lhe propiciasse uma educação semelhante à dos homens (CARVALHO; ABI-ZAID; MACHADO, 2006; DUBY; PERROT, 1990a; LEITE, 1994; MELO; FREITAS; FERREIRA, 2001). De fato, a atribuição das tarefas domésticas com exclusividade às mulheres, na antiga civilização greco- romana, começou a solidificar-se como um aspecto decorrente da “natureza” do

sexo feminino e como base para uma rígida divisão do trabalho entre homens e mulheres. O resultado dessa divisão resumiu-se numa diferenciação de papéis entre o homem e a mulher, além de relegar a um nível inferior as mulheres que trabalhavam. As palavras de Sissa (1990, p. 95) expressam claramente a condição de inferioridade à qual a mulher era submetida: “reduzida doravante à diferença entre uma maneira melhor que têm os homens e uma maneira menos boa [sic.] que têm as mulheres de realizar cada uma das tarefas comuns aos dois sexos”.

Burns (1979) aponta ainda que, durante toda a Idade Média, a Igreja Católica assumiu um papel preponderante que influenciou e legitimou a estrutura social da época. Como o poder, durante todo o período medieval, estava concentrado de forma absoluta nas mãos masculinas, as mulheres foram deserdadas por leis escritas, alijadas da educação, excluídas da vida cultural e política.

Com a invenção da imprensa, a emergência das grandes navegações, a comprovação da teoria heliocêntrica de Giordano Bruno e Galileu, instaurou-se um processo de decadência da Idade Média. Mais do que o resgate das culturas clássicas, o Renascimento anunciou o surgimento de novas relações econômicas, políticas e sociais, derrocando o misticismo em nome da racionalidade científica. Todos esses eventos precederam a abertura de novos mercados, o aumento da produção, o salto qualitativo e quantitativo da produção, a emergência da classe burguesa, a valorização do trabalho através da ética protestante35 e o surgimento do capitalismo. Este trouxe no seu bojo as marcas dos novos tempos, que se revelaram nas artes, na religião, na sociedade, na política, na pregação do humanismo e na sua perspectiva individualista e racionalista. O Renascimento

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Nesse contexto, o protestantismo surge como uma religião que se contrapunha ao catolicismo e propunha novos valores e princípios éticos. Além disso, pregava que quanto mais trabalhador e rico fosse o homem, mais virtuoso e abençoado ele seria (BURNS, 1979).

constituiu-se, assim, numa idade de transição, num caminho para a Modernidade, na constituição de uma nova e singular forma de organização política. No entanto, Leite (1994) ressalta que esse período, tão rico em transformações sociais, não conseguiu elevar a condição feminina. Nessa época, inclusive, surgiu o mito da “mulher pura e perfeita”, que perdura até hoje.36

A Revolução Industrial foi uma etapa do progresso material que envolveu essencialmente o trabalho humano como aplicação da força física. Inserida nesse novo contexto social como trabalhadora e provedora das suas necessidades materiais, a mulher ainda continuava submissa ao sistema de produção e à estrutura social. Para Duby e Perrot (1990b), essa exigência levou à discriminação da participação feminina no mundo do trabalho; a atividade laboral da mulher continuava, assim, orientada para a domesticidade e para o desenvolvimento do instinto maternal, ou seja, atividades próprias da esfera doméstica ou privada: a mulher até podia ser aceita como trabalhadora, desde que fosse em atividades de baixa remuneração. Mesmo quando se esboçou uma reação às condições anti-humanas que prevaleciam nas fábricas, através do socialismo utópico, às mulheres ainda não se reconheceram igualdades de direitos e de oportunidades.

No século XX, como aponta Leite (1994), alguns eventos contribuíram para o aumento da participação da mulher na esfera pública. Em primeiro lugar, a Revolução Russa de 1917, com defesa da igualdade de acesso ao trabalho para homens e mulheres. Em segundo lugar, os anos da Grande Recessão, quando as mulheres conseguiram alguns empregos, principalmente graças a uma remuneração menor. Nesse caso, elas eram compelidas ao mercado de trabalho

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Ao investigar o gerenciamento de mulheres que se encontram no topo de carreira da administração pública brasileira, Fontelene-Mourão (2006) percebeu que esse mito continua reforçando a crença de que as mulheres devem se manter distantes de todas as tentações, o que, por sua vez, as empurra ainda mais para o espaço privado.

para produzir um rendimento que substituísse, no orçamento do lar, o salário perdido pelo marido desempregado. A recessão atingiu mais violentamente as fábricas do que os escritórios e o aparecimento do telefone e da máquina de escrever abriram espaços para a mulher no mercado de trabalho, justamente naqueles postos que não interessavam aos homens. No entanto, o mais relevante dos eventos foi a Segunda Guerra Mundial, que exigiu das potências beligerantes uma mobilização feminina para o trabalho (CASTELLS, 1999; LEITE, 1994). Assim, somente na segunda metade do século XX é que se encontraram as oportunidades para a inserção das mulheres em outras atividades profissionais, apesar ainda de sua condição desfavorável em relação ao homem.37 De todo modo, a mulher, desde então, começou a alcançar mais espaço e a ampliar sua atuação fora da esfera privada. No entanto, as conquistas se mostrariam ainda modestas e ela continuaria a desempenhar, na maioria das vezes, papel apenas de figurante nas dimensões econômica, social e política.

Há algum tempo, não só mulheres mobilizadas através de grupos, mas também a academia já vêm demonstrando certo desejo de pôr fim à dominação masculina, senão pelo menos de questioná-la. Nesse sentido, de acordo com Priore (1998), o feminismo desempenha um papel extremamente relevante. As várias correntes desse movimento, cada uma a seu modo, empenharam-se, principalmente a partir da década de 1970, em trazer as mulheres para o seio de uma história pouco preocupada com as diferenças de gênero, e em denunciar a opressão, a exploração e a dominação que as subjugavam. Nas palavras de Priore, “Sobre este solo de história, as mulheres, de forma precária, tornaram-se herdeiras de um presente sem passado, de um passado decomposto, disperso, confuso” (PRIORE, 1998, p. 217). Infelizmente, poucos são os registros sobre as

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A propósito, vale salientar que a retrospectiva histórica aqui desenvolvida se refere, basicamente, à sociedade ocidental. No entanto, outras civilizações também têm história(s) das mulheres para contar.

histórias das mulheres. Apenas com os movimentos feministas, a história das mulheres emerge e ganha um pouco de força.

O movimento feminista desenvolveu-se no bojo dos movimentos sociais da década de 1960 (primeiro, nos Estados Unidos, no final dos anos 1960 e, depois, na Europa, no início da década de 1970). Sardenberg (2004), ao identificar algumas tendências gerais nos estudos feministas no último quartel do século XX, constata que essa ebulição não aconteceu inicialmente na academia, mas nos grupos de conscientização e reflexão feministas. Na verdade, não havia uma divisão transparente entre as discussões teóricas e o cotidiano do movimento. Atualmente, o movimento feminista configura-se como um discurso múltiplo e de variadas tendências, embora com bases comuns. As feministas destacam que a opressão de gênero, de etnia e de classe social perpassa pelas mais variadas sociedades ao longo da história.38 Esta forma de opressão sustenta práticas discriminatórias, tais como o racismo, o classismo, a exclusão de homossexuais e de outros grupos minoritários. As feministas denunciam que a experiência masculina sempre foi privilegiada, enquanto a feminina, negligenciada e desvalorizada.

Narvaz e Koller (2006), ao estudar o feminismo, identificaram três fases que – em épocas distintas e de acordo com as necessidades políticas, o contexto material e social e as possibilidades pré-discursivas de cada tempo – foram historicamente construídas. A primeira fase do feminismo, a clássica, nasceu

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De modo abrangente, o termo feminismo refere-se aos movimentos ou ao conjunto de pensamentos que preconizam a equiparação de direitos entre homens e mulheres e a redefinição do papel da mulher na sociedade (NARVAZ; KOLLER, 2006; SARDENBERG, 2004; SARDENBERG; COSTA, 1994). Ao contrário do que muitos pensam, o feminismo, em grande parte das vezes, não prega a superioridade feminina em relação ao homem. De acordo com Sardenberg e Costa (1994, p. 83), “o feminismo pressupõe o surgimento de uma consciência de gênero [...] na qual estão projetadas e reelaboradas as desigualdades vivenciadas por determinadas mulheres, num determinado momento da história”.

como movimento em prol da igualdade de direitos civis, políticos e educativos (direitos que eram reservados apenas aos homens). O movimento sufragista, que se estruturou na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos e na Espanha, teve fundamental importância nessa fase de surgimento do movimento. O objetivo do feminismo, nessa época, era a luta contra a discriminação das mulheres e pela garantia de direitos, inclusive do direito ao voto. Inscreve-se nesta primeira fase a denúncia da opressão à mulher imposta pelo patriarcado.

A segunda fase emerge nas décadas de 1960 e 1970, em especial nos Estados Unidos e na França. Essa geração postulou o reconhecimento da diferença e da alteridade, contrapondo-se à unicidade dos padrões da modernidade iluminista e desenvolvimentista. As feministas americanas enfatizavam a denúncia da opressão masculina e a busca da igualdade, enquanto as francesas postulavam a necessidade de serem valorizadas as diferenças entre homens e mulheres, dando visibilidade principalmente à especificidade da experiência feminina, geralmente negligenciada. Segundo Narvaz e Koller (2006), as propostas feministas que caracterizam determinadas posições, por enfatizar a igualdade, são conhecidas como “o feminismo da igualdade”, enquanto as que destacam as diferenças e a alteridade são conhecidas como “o feminismo da diferença”. Porém, a questão da diferença e da igualdade carece de discussão apurada. Scott (2005) pleiteia que a questão da igualdade e da diferença deve ser concebida em termos de paradoxo, ou seja, fundamentada em uma proposição que não pode ser resolvida, mas apenas negociada, pois é verdadeira e falsa ao mesmo tempo.

O declínio e a desilusão com os pressupostos modernistas proporcionaram um campo fértil para os escritos das abordagens pós-modernas (ALVESSON; DEETZ, 2006; CLEGG; HARDY, 2006). Uma das críticas mais severas ao pensamento modernista é que ele não dava voz aos “calados” e “marginalizados”, prendendo-se a grandes narrativas e sistemas teóricos de larga

escala, como, por exemplo, o marxismo ou o funcionalismo. O discurso modernista, segundo seus críticos, não seria capaz de explicar um contexto onde as organizações crescem em tamanho, as tecnologias desenvolvem-se rapidamente, a natureza do trabalho muda, a classe trabalhadora reduz-se, a força de trabalho requer mais profissionalização, os problemas ecológicos e ambientais espalham-se pelo mundo e os mercados tornam-se mutantes e turbulentos. A crise do modernismo, portanto, dá espaço para outras tentativas de análise e explicação da realidade, não como um modismo ou simples fascinação com trilhas novas e diferentes, mas, sobretudo, porque proporcionam caminhos únicos e importantes para a compreensão das organizações e de sua administração (ALVESSON; DEETZ, 2006).

Diante disso, a crítica pós-modernista da ciência ocidental introduz o paradigma da incerteza no campo do conhecimento. Sorj (1992), ao explorar as ambiguidades e tensões na teoria social feminista, coloca que as feministas francesas, influenciadas pelo pensamento pós-estruturalista que predominava na França, especialmente através do pensamento de Michel Foucault e de Jacques Derrida, passaram a enfatizar a questão da diferença, da subjetividade e da singularidade das experiências, concebendo que as subjetividades são construídas pelos discursos, em um campo que é sempre dialógico e intersubjetivo. Surge, assim, a terceira fase do feminismo, cuja proposta concentra-se na análise das diferenças, da alteridade, da diversidade e da produção discursiva da subjetividade. Essa geração pergunta quais são as diferenças e as especificidades não só das relações entre homens e mulheres, como entre as próprias mulheres, procurando compreender o modo peculiar com que cada cultura constrói a noção de gênero, duvidando, principalmente, da possibilidade de um modelo universalmente válido. Ao analisar as relações de gênero não como uma imposição, mas como um processo dinâmico que só pode ser compreendido no contexto em que é estabelecido (ANDRADE et al., 2002),

o discurso pós-moderno torna-se um poderoso antídoto contra os paradigmas totalizantes e até mesmo contra a intolerância dos discursos feministas da modernidade (COSTA, 1994; NARVAZ; KOLLER, 2006; SARDENBERG, 1992).

Verifica-se, portanto, um deslocamento do campo do estudo sobre as mulheres e sobre os sexos para o campo do estudo das relações de gênero. Neste sentido, Scott (1990) argumenta que algumas posições, ainda que heterogêneas, distinguem os Estudos Feministas dos Estudos de Gênero. Os primeiros centrariam seu foco principalmente no estudo das e pelas mulheres, mantendo estreitas relações entre teoria e militância política feminista. Os últimos concentrariam seus pressupostos na compreensão do gênero enquanto categoria sempre relacional. O desafio nesta fase do feminismo diz respeito ao pensar, de forma simultânea, a igualdade e a diferença na constituição das subjetividades masculina e feminina. Assim, desencadeia-se uma intensa interseção entre a prática do movimento político e a reflexão acadêmica, o que estimula a criação nas universidades, inclusive em algumas universidades brasileiras, de centros de estudos sobre a mulher, de estudos de gênero e feminismo.

Narvaz e Koller (2006) esclarecem que, sejam em seus aspectos políticos ou nos teórico-epistemológicos, as três gerações do feminismo não podem ser entendidas em uma perspectiva histórica linear. As diferentes propostas e características de cada uma das fases do feminismo sempre existiram, e ainda coexistem na contemporaneidade. A fase surgida recentemente, a terceira, tem, entretanto, grande influência sobre os estudos de gênero contemporâneos, apesar de apresentar, na visão de Sorj (1992), aspectos positivos e negativos, como a própria modernidade. Além disso, Narvaz e Koller (2006) apontam que parece existir certa defasagem temporal na introdução desses movimentos no Brasil. Na verdade, o que ocorreu, no caso brasileiro, foi

a introdução simultânea das três vertentes sem que se pontuassem suas distintas peculiaridades.

Um estudo elucidativo a respeito dos diferentes enfoques feministas nas organizações foi o de Calás e Smircich (2006). De acordo com essas estudiosas, as intersecções do feminismo com os movimentos de luta de classes configuram as diferentes teorias feministas: a radical, a liberal, a marxista, a socialista, a psicanalítica, a terceiro-mundista ou pós-colonialista, a pós-estruturalista ou pós- moderna. Elas revisaram cada uma das teorias e discutiram suas contribuições para o estudo das organizações. Segundo elas, há um ponto comum que permeia todas essas perspectivas. Todas elas reconhecem o domínio masculino nos arranjos sociais e o desejo de superação dessa dominação. Mas, se essas perspectivas têm em comum um discurso sempre crítico, ainda que em diferentes graus, elas se distinguem quanto ao apontamento de soluções para o problema. Ainda que pareçam independentes e distintas, suas fronteiras nem sempre são muito claras.

Para o “feminismo liberal”, enquanto o sexo faz parte dos dotes biológicos naturais de qualquer ente sexuado, o gênero, em seres humanos, é socializado por meio da aceitação do comportamento “adequado” para cada sexo. Em geral, as feministas liberais centram-se na observação da mulher no mundo do trabalho, preocupando-se basicamente em pesquisar os caminhos para o sucesso. Essa corrente acredita que estereótipos sexuais impróprios afetaram negativamente as mulheres. Assim, as liberais questionam e reclamam por sistemas meritocráticos nas organizações. Para as liberais, as mulheres devem ser treinadas para desenvolver habilidades que as capacitem a competir de forma igual com o homem.

A “teoria feminista radical”, por sua vez, destaca as singularidades femininas enfatizando o valor positivo de atributos associados à mulher, como “sensibilidade, capacidade de expressar emoções e de prover cuidados”

(CALÁS; SMIRCICH, 2006, p. 285). As radicais entendem que as diferenças femininas não devem ser mais vistas como deficiências a ser superadas. Ao contrário, são qualidades que as deixam em vantagem em relação ao universo masculino, no que diz respeito, por exemplo, à eficácia organizacional. As feministas radicais são assim denominadas justamente por colocar a mulher no centro e propor políticas separatistas (pelo menos até que homens e mulheres se tornem iguais).

A “abordagem psicanalítica”, na visão de Moraes (1998), destaca o papel da família patriarcal na forma diferenciada com que homem e mulher desenvolvem sua formação psíquica. De acordo com essa abordagem, a natureza humana desenvolve-se biológica e psicossexualmente. Calás e Smircich (2006) notam que pesquisadores mais ligados à corrente psicanalítica enfatizam as diferenças das mulheres não como um problema, mas como uma vantagem. Tais vantagens, no entanto, podem acentuar ainda mais os estereótipos relacionados ao gênero. Nesse caso, as mulheres se tornariam instrumentos ou objetos a serviço das organizações. Essa postura reitera, sem que as mulheres possam fazer as devidas críticas, as condições que parecem ser as causas da opressão feminina, “os jeitos” e os aspectos positivos do modo de gestão das mulheres em benefício da vantagem competitiva das organizações.

Para as “feministas inspiradas no pensamento marxista”, tanto o gênero quanto a identidade de gênero são vistos como elementos de uma estrutura maior, social e historicamente determinada. Nessa perspectiva, a análise do gênero modela-se pela análise das classes sociais, caracterizadas por relações de dominação e opressão. Da mesma forma que o marxismo concebeu uma teoria inclusiva sobre o desenvolvimento histórico da sociedade fundado na ideia da luta de classe, a teoria feminista marxista situa a opressão feminina no âmago de suas formulações, dando-lhe “um status teórico similar ao da exploração de classe” (SORJ, 1992, p. 16). Mais ainda: as feministas marxistas estão

preocupadas com a dupla opressão da mulher, a de classe e a de gênero. De acordo com Costa (1998), a iniciativa de explicar de maneira sistematizada, afastando-se dos preceitos da biologia, os motivos da condição subalterna da mulher nas sociedades modernas teria sido feita, primeiramente, por Karl Marx e Frederic Engels. Esses pensadores, de fato, levantaram a tese de que a condição de dependência da mulher não é fruto de sua natureza, mas configura-se como o resultado de todo um processo histórico ligado ao desenvolvimento das forças produtivas e do consequente papel de mero instrumento da reprodução que a mulher desempenha dentro da família. Além de acreditarem que a constituição da natureza humana depende de condições materiais e históricas, as feministas