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CAPÍTULO 3 A NATUREZA JURÍDICA DO DISPOSTO NO §12, DO ART 195, DA

3.1 A não-cumulatividade como técnica ou princípio

Abordamos linhas atrás a distinção entre normas e princípios, destacando que estes possuem estatura superior àquelas, na medida em que deles emana o norte balizador da incidência das normas. Desse estudo inicial, é possível verificar se o conteúdo de significação extraído da redação do § 12, do artigo 195, da Constituição, na redação conferida pela Emenda Constitucional n° 42/2003, deve ser tomado como regra ou princípio constitucional. É o que passamos a verificar.

Esse dispositivo tem a seguinte dicção:

“§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, “b” e IV do caput, serão não-cumulativas.”

Esclareça-se que o inciso I, letra “b”, do artigo 195, da Carta Constitucional, acima referido, trata das contribuições incidentes sobre a receita ou sobre o faturamento (PIS e COFINS) e o inciso IV, do mesmo artigo, aponta para as contribuições incidentes sobre a importação de bens e serviços do exterior.

E a questão se põe: o referido dispositivo é uma regra ou um princípio constitucional? Qual o exato alcance dessa norma constitucional quanto à sua produção de efeitos?

Hugo de Brito Machado, com muita propriedade, sustenta que a não- cumulatividade pode ser vista como princípio e, também, como técnica. É princípio quando enunciada de forma genérica, como está na Carta Maior, no que tange ao IPI (art. 153, § 3º, II) e ao ICMS (art. 155, § 2°, I). Em tais enunciados, segundo esse autor, embora já esteja definido o que se deve entender por não-cumulatividade, não se estabelece a técnica. Tem-se, simplesmente, o princípio. A técnica da não-cumulatividade é o modo pelo qual se realiza ou se efetiva o princípio40.

De fato, a não-cumulatividade está erigida como princípio incontestável regente da incidência do ICMS e do IPI. Todavia, diferentemente do autor antes citado, entendemos que os referidos dispositivos apresentam não apenas o princípio, mas também a técnica não cumulativa a ser empregada. A sistemática constitucional, nesse caso atribuída, determina que se compense o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadoria, à prestação de serviço ou de industrialização, com o montante dos respectivos impostos cobrados nas anteriores. Como já foi visto, o princípio acima não preceitua somente que a incidência do ICMS e do IPI será não cumulativa, como também define o critério como essa não-cumulatividade será operada. Sua técnica prevê que, em toda e qualquer operação de circulação ou prestação, é direito do contribuinte abater os impostos devidos nas operações que praticar, daqueles cobrados nas etapas anteriores do ciclo de circulação da mercadoria. A técnica, portanto, é de direito de abatimento.

O direito de crédito, na forma consignada na Carta Maior para os impostos aludidos, é inquestionável. As exceções a essa regra são apenas aquelas prescritas na própria

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MACHADO, Hugo de Brito. Virtude e defeitos da não-cumulatividade no sistema tributário brasileiro. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Cood.)O Princípio da não-cumulatividade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, , p.68-104, 2004.

Constituição para o ICMS (se a operação for isenta ou objeto de não-incidência - artigo 155, § 2°, II), não havendo qualquer limite em relação ao IPI. Portanto, a não-cumulatividade do ICMS e do IPI deve ser entendida, expressamente, dentro da sistemática inserida na Carta Maior. Não há outro critério que possa ser utilizado. Nada cabe ao legislador ordinário inovar neste aspecto. Em razão disso, Roque Carrazza afirma que: “nem lei, nem atos administrativos podem livremente disciplinar esse instituto” 41, acrescentando, ainda, que a “cumulatividade” do ICMS é vedada expressamente pela Constituição e que o mecanismo de deduções do art. 155 supracitado é diretriz constitucional pela qual surge o ICMS “não cumulativo”.

Relativamente às contribuições, constata-se que, diferentemente do ICMS e do IPI, a regra geral de incidência para essas figuras tributárias é a da cumulatividade; a exceção será a não-cumulatividade. Isto porque, a EC n° 42/2003, que introduziu o §12, do art. 195, da CF/88, determinou que as contribuições serão não cumulativas apenas para alguns setores econômicos designados por lei ordinária. Para todos os demais casos não colhidos por aquela lei, a cumulatividade se fará sentir.

Não obstante, entendemos que, apontando o legislador ordinário quais serão os setores da atividade a serem abarcados pela não-cumutividade, para esses o novo regime prevalecerá e não poderá ser elidido, por força do disposto no §12, do art. 195. Em razão dessa premissa, e analisando alguns critérios apontados pelos doutrinadores citados, podemos considerar que o § 12 do artigo 195 da Carta Maior exprime um princípio para aqueles contribuintes inseridos nos setores da economia que a lei ordinária determinar, se verificarmos que:

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- contém um grau de abstração maior, pois é genérico e não abrangente, necessitando ser complementado, conforme indica o próprio dispositivo, ao determinar que a lei ordinária deve dar os contornos da não-cumulatividade para alguns setores da atividade econômica;

- estabelece uma diretriz valorativa à norma, a qual deverá ser atingida por meio de lei ordinária, impondo a ela limites objetivos;

- depende de lei ordinária para ser aplicado.

Além disso, utilizando-se a noção de princípio adotada por Paulo de Barros Carvalho, a não-cumulatividade constitucional das contribuições impõe um limite objetivo ao legislador ordinário, quando cumpre a tarefa de definir os setores da atividade econômica que estarão submetidos ao novo regime.

Dessa opinião comungam Julio Maria de Oliveira e Carolina Romanini Miguel42, quando comentam o § 12, do art. 195:

“ .... o poder constituinte derivado elevou ao grau de princípio essa forma de tributação, já introduzida pelas leis instituidoras do regime não cumulativo do PIS/COFINS, limitando a competência tributária conferida `a União para exigir essas contribuições sociais. O dispositivo constitucional tornou obrigatória a observância do princípio da não- cumulatividade pelo legislador, permitindo que este apenas eleja os setores de atividade econômica sujeitos a tais regras.”

Heleno Taveira Torres, de seu turno, entende que se trata de verdadeira cláusula pétrea a nova determinação constitucional para que as contribuições sejam não cumulativas em relação a alguns setores da atividade econômica. São suas as seguintes palavras:

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OLIVEIRA, Julio Maria. MIGUEL, Romanini Carolina. Conteúdo Jurídico do Princípio Constitucional da Não-Cumulatividade Aplicável às Contribuições sociais para o PIS/COFINS. In: FISCHER, Octávio Campos(coord.), MAGALHÃES, Marcelo (coord.). PIS-COFINS: questões atuais e polêmicas. São Paulo: Quartier Latin, p. 412-436, 2005,.

“ Com a edição da Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, agregaram-se ao art. 195 os §§ 12 e 13, elevando o regime geral da não-cumulatividade à condição de “ direito constitucional à não-cumulatividade nas contribuições que tenham como fato gerador e base de cálculo receita ou faturamento” ; aplicando-se, inclusive, na hipótese de eventual substituição da contribuição sobre folha de salários, desde que a substitutiva mantenha os mesmos pressupostos43”.

Com efeito, a despeito da conclusão anterior, quanto ao caráter principiológico do §12, do art. 195, ou quanto à sua condição de direito irretocável do contribuinte, não há nele - tal como ocorre com o ICMS e o IPI - uma definição constitucional da sistemática em que deve se dar a não-cumulatividade das contribuições sociais, ou seja, o dispositivo prevê a não cumulatividade como princípio, mas não aponta a técnica a ser empregada, a qual ficou a cargo de uma lei ordinária por força do disposto no próprio dispositivo constitucional.

Nesse ponto, discordamos da posição adotada por Mizabel Derzi e sacha Calmon Navarro Coelho para quem:

“ Com temperamentos o que acima está dito (acerca do princípio da não-cumulatividade) aplica-se ao PIS/COFINS por interpretação sistêmica. O padrão constitucional, salvo melhor juízo, até agora não contestado na doutrina pátria, estende-se às aludidas contribuições. Ademais a Emenda Constitucional nº 42 atribuiu ao PIS/COFINS caráter não cumulativo, delegando ao legislador ordinário apenas a definição das atividades sujeitas ao princípio da não-cumulatividade segundo os padrões constitucionais vigentes44.”

Contrariamente ao que entendem esses autores, pensamos não ser possível emprestar, por interpretação sistêmica ou analógica, a descrição da técnica não cumulativa definida constitucionalmente para o IPI e o ICMS e empregá-la para tratar do regime das contribuições. Em primeiro lugar, não estamos diante de espécies tributárias semelhantes em seus fatos imponíveis. Os impostos aludidos incidem sobre a circulação de bens e

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TORRES, Heleno Taveira. Monofasia e Não-Cumulatividade das Contribuições ao PIS e à COFINS no Setor de Petróleo: refinarias. In: PAULSEN, Leandro (coord.); RODRIGUES DE SOUZA (colab.). Não-

cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS. São Paulo: IOB Thomson; Porto Alegre: Instituto de Direitos

Tributários, p. 25-50, 2004..

44 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Mizabel Abreu Machado. PIS/Cofins: Direito de crédito nas entradas e saídas isentas ou com alíquota zero. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 115, p. 143-154, abr. 2005.

serviços, ao passo que as contribuições oneram as receitas auferidas pelos contribuintes, .45. Além disso, a descrição de uma técnica de aplicação da não-cumulatividade, em face da sua especificidade, não deveria compor o conjunto de normas ou princípios constitucionais. Entretanto, o legislador constitucional assim decidiu fazê-lo em relação ao IPI e ao ICMS, visando oferecer maior proteção ao contribuinte, o que tornou a técnica descrita na Constituição específica e única para esses impostos, não cabendo a aplicação dessa norma para outras figuras tributárias, a não ser que o próprio texto constitucional faça tal remissão, de forma expressa.

No caso das contribuições, não há como o legislador ordinário atender o comando do §12, do art. 195, e descrever os setores da atividade econômica para os quais as contribuições serão não cumulativas, sem estabelecer como o regime se operará. Conforme veremos nos próximos capítulos, várias são as formas possíveis para alcançar tal intento, devendo ser buscada aquela que melhor se amolde aos elementos de incidência dos tributos que serão não cumulativos por disposição constitucional.

Em conseqüência, o exercício do direito ao crédito do PIS e da COFINS, sob a égide do sistema não cumulativo, é de índole legal, não emerge, pois, da Constituição. O que se extrai do conteúdo textual do § 12, do art. 195, sob foco, pode ser reconhecido como um princípio, mas depende de uma lei ordinária que o regule. Qual seria, então, sua eficácia46 no plano constitucional?

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Nesse ponto vale lembrar as palavras de Carlos Maximiliano para quem “ a analogia lança mão do conjunto de normas disciplinadoras de um instituto que tenha pontos fundamentais de contato com aquele que os textos positivos deixaram de contemplar”. Vide: MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense. 1998, p. 210.

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A expressão “eficácia” aqui empregada refere-se à eficácia no sentido técnico, ou seja, tem a ver com uma aptidão para produzir efeitos, em diferentes graus em face de suas funções eficacionais. Vide: FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. In: Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Precisão, Dominação”, 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.200-201

3.2 Os efeitos produzidos pelo conteúdo de significação do § 12, do