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CAPÍTULO 4 A DEFINIÇÃO DA EXPRESSÃO “NÃO CUMULATIVIDADE”

4.1 Histórico

A idéia de cumulatividade ou não-cumulatividade sempre foi ínsita à técnica de incidência dos tributos sobre vendas. É Alcides Jorge Costa50 quem nos apresenta preciosos ensinamentos sobre essa questão. Em estudo lapidar sobre o antigo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM), remontou toda a história da tributação sobre vendas, no Brasil e no mundo, ensinando sua primeira e básica subdivisão em impostos:

a) multifásicos cumulativos: cobrados em cada uma das transações pelas quais a mercadoria passa, desde a fonte de produção até a entrega ao consumidor. O imposto pago numa transação não é levado em conta nas subseqüentes;

b) monofásicos: cobrados apenas uma vez, seja do produtor, seja do atacadista, seja do varejista, em um só ponto do processo de produção e circulação;

c) sobre o valor acrescido: cobrado em cada transação, desde a produção até a entrega ao consumidor. O imposto recai em cada transação apenas sobre o valor acrescido à mercadoria pelo vendedor. É a diferença entre o valor dos bens e serviços produzidos, diminuído do valor dos bens e serviços adquiridos para emprego no processo de produção.

50

COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na Lei Complementar, São Paulo: Resenha Tributária, 1978. p. 5-6.

Vale lembrar que até a implementação da Emenda Constitucional nº 18/65, que alterou o sistema tributário nacional, incidia no Brasil o Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC). Esse tributo era do tipo plurifásico e cumulativo, dado que gravava as vendas realizadas em cada uma das etapas do processo econômico e sua alíquota era aplicada sempre sobre o valor total da operação de venda ou do preço da mercadoria, sem deduções ou abatimentos.

Essa forma de incidência “em cascata”, além de provocar óbvio acúmulo de tributo inflando os preços dos produtos, causava, ainda, outros efeitos perversos na economia. O principal deles foi retratado por Alcides Jorge Costa, qual seja, a verticalização das empresas, ocorrida naquela época na cidade de Santos. Como as vendas de café eram realizadas várias vezes nessa praça, a incidência do IVC em cada uma delas causava ônus insuportável, inviabilizando os negócios, o que provocou a edição de lei especial que concedeu isenção do imposto para algumas operações internas realizadas com esse produto. Segundo o autor, “as grandes empresas não eram afetadas pelo problema porque adquiriam o café diretamente dos produtores e o exportavam, ficando sujeitas apenas a duas incidências, na compra e na exportação”51 . Alcides rememora, ainda, que o imposto de vendas multifásico também possuía o defeito de não constituir uma carga uniforme para todos os consumidores – contribuintes que, de fato, arcam com todo o imposto – pois, muitos produtos tidos como essenciais para o consumo, possuíam um ciclo mais longo de produção, gerando uma carga tributária maior do que aqueles de ciclo mais curto, muitas vezes não essenciais.” 52.

Estas e outras razões de ordem econômica levaram o País, à época do IVC, a buscar uma nova diretriz de política fiscal. Nos moldes do que historia Bernardo Ribeiro de

51

COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na Lei Complementar, São Paulo: Resenha Tributária, 1978. p. 8.

52

COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na Lei Complementar, São Paulo: Resenha Tributária, 1978, p. 8

Moraes: “a reforma tributária que já se vislumbrava, apresentava-se como parte de um plano global de ação, fundamentado numa ordem econômica nova. O sistema econômico necessitava ser acompanhado por uma nova ordenação jurídica, principalmente a tributária”53. Estudos então produzidos mostravam a necessidade da adoção da técnica da tributação do valor acrescido, como forma de aperfeiçoar o mecanismo de incidência dos tributos sobre venda. Foi assim que, no âmbito da reforma do sistema tributário nacional trazida pela Emenda Constitucional nº 18, de 1º de janeiro de 1965, foi introduzido o primeiro imposto sobre vendas do tipo não cumulativo, então denominado de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias (ICM), de competência dos Estados, devido por comerciantes, industriais e produtores, fazendo com que o imposto devido em cada operação de circulação de mercadoria pudesse ser abatido do mesmo imposto recolhido na etapa anterior.

Essa possibilidade de abatimento eleita na Emenda Constitucional nº 18/65, constitui uma das formas, entre as várias existentes, de se tributar o valor agregado. Contudo, antes de se abordar cada uma delas, é importante ressaltar que a não-cumulatividade de que se irá tratar é diferente do conceito de repercussão econômica de tributos em geral. Isso porque, conforme lembram Fátima Fernandes Rodrigues de Souza e Ives Gandra da Silva Martins54, todos os tributos produzem repercussões econômicas, quer sobre o patrimônio (em se tratando de tributos diretos), quer sobre bens e serviços (onerando-os), sendo o caso de tributação indireta.

A repercussão econômica é explicada por Alfredo Augusto Becker da seguinte forma:

53

MORAES, Bernardo Ribeiro. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias no Sistema Tributário Nacional”. . In: _____. Revista de Direito Tributário. São Paulo: Editora Resenha Tributária, p.25-108, 1978.

54

SOUZA, Fátima Fernandes Rodrigues e Martins; SILVA, Ives Gandra da. Não-Cumulatividade das Contribuições: PIS/PASEP e COFINS, A. In: PAULSEN, Leandro (Coord.); RODRIGUES DE SOUZA (Colab.). Não-cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS. São Paulo: IOB Thomson; Porto Alegre: Instituto de Direitos Tributários, p.11-24, 2004.

“ Repercussão Econômica do Tributo - o contribuinte de jure ao satisfazer a prestação jurídica tributária, sofre um ônus econômico. O contribuinte de jure procurará transferir o ônus econômico do tributo a outras pessoas e isto ocorrerá na oportunidade em que o contribuinte de jure tiver relações econômicas ou jurídicas com estas outras pessoas. A repercussão do ônus econômico do tributo, do contribuinte de jure para uma outra pessoa, poderá ser total ou parcial, bem como poderá ser sobre uma só pessoa ou sobre diversas pessoas.”55.

De fato, do ponto de vista econômico, para que se possa buscar eficiência e lucratividade nos negócios praticados, na trajetória sucessiva de movimentação de bens e serviços, o contribuinte de direito procura transferir, de alguma forma, o ônus tributário relacionado a todos os tributos incidentes sobre sua atividade econômica para os partícipes seguintes da cadeia. A forma e a razão de tal transferência são fenômenos que a ciência econômica - e até a sociologia - procuram explicar; mas não possuem conseqüências na área do direito tributário.

O tema aqui tratado se projeta para o campo jurídico a partir do momento em que o legislador torna positivada no ordenamento jurídico a eleição pela técnica da cumulatividade ou da incumulatividade, em relação a determinado tributo de incidência plurifásica, e revela a forma como o mecanismo será implementado ante a ocorrência de sucessivas hipóteses de incidência tributária ao longo das fases do ciclo econômico56. A partir daí, é preciso verificar se o legislador ordinário, ao disciplinar o mecanismo, atende, irrestritamente, aos desígnios constitucionais, a fim de não produzir a cumulação rechaçada na Carta Maior.

55

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Lejus. 1998, p. 534. 56 A hipótese de incidência aqui deve ser entendida, no conceito de Geraldo Ataliba, como a descrição legal de um fato: “é a formação hipotética, prévia e genérica contida na lei de um fato”.Vide: Hipótese de Incidência

4.2 A técnica da não-cumulatividade – a busca da tributação do