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4. FATORES A SEREM CONSIDERADOS NA RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DA

4.2 A NATUREZA DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM E SUA

Um segundo fator igualmente importante a ser considerado para decidir se uma convenção arbitral deve ou não ser transmitida automaticamente com o contrato cedido é a natureza jurídica da convenção arbitral. Na doutrina estrangeira, os oponentes da regra da transferência automática utilizam três argumentos principais: (i) direito de arbitrar é um direito processual, logo, não se transfere em uma operação de direito material que é a cessão de contrato; (ii) a convenção arbitral é pessoal e, portanto, intransmissível; (iii) a convenção arbitral obriga a parte, logo, é um dever, de forma que não pode ser cedido em uma cessão exclusiva de direitos135. Por outro lado, os defensores da transferência automática alegam que o direito de arbitrar é acessório e, portanto, segue a sorte do contrato principal na cessão136.

4.2.1 O posicionamento de parte da doutrina estrangeira

Na doutrina estrangeira, os oponentes da regra da transferência automática utilizam três argumentos principais: o caráter procedimental da convenção arbitral, o caráter pessoal e o caráter de dever jurídico137. Nesse sentido, o primeiro argumento que utilizam, em países de civil law, para afastar a transmissibilidade da convenção arbitral, é a sua natureza procedimental. Isso porque, em regra, os "contratos sobre regras processuais" (contracts

of procedural law)138 não são sujeitos às regras que governam os "contratos de direito substantivo" (contracts of substantive law). Os “contratos sobre regras processuais”, como a convenção arbitral, submeter-se-iam a regras específicas que levariam em conta a natureza processual do acordo139.

Um segundo argumento encontrado em decisões judiciais estrangeiras é que, independentemente da classificação da convenção de arbitragem em processual ou substantiva, o direito de arbitrar é pessoal e, portanto, não pode ser sujeito às regras gerais

135GIRSBERGER, Daniel; HAUSMANINGER, Christian. Assignment of Rights and Agreement to Arbitrate.

Arbitration International, v. 8, iss. 2, p.139, jun. 1992.

136Ibid., p.139.

137GIRSBERGER, Daniel; HAUSMANINGER, Christian. Assignment of Rights and Agreement to Arbitrate.

Arbitration International, v. 8, iss. 2, p. 139, jun. 1992.

138Esses contratos, no ordenamento jurídico pátrio, seriam, em nossa opinião, negócios jurídicos processuais

ou convenções processuais.

139GIRSBERGER, Daniel; HAUSMANINGER, Christian. Assignment of Rights and Agreement to Arbitrate.

de transferência do contrato principal. Na decisão do caso Cottage Club Estates v. Woodside Estates Co. foi decidido que a cessão não transferia ao cessionário nenhum direito de arbitrar, porque a cláusula compromissória era um "personal covenant" (pacto pessoal)140. Hosking, entretanto, rechaça o argumento da pessoalidade, questionando a referida decisão e a sua utilização como leading case141.

Um terceiro argumento contra a aplicação das regras da “cessão de direitos contratuais” (assignment of contractual claims) à transmissão da convenção arbitral tem sido que a convenção arbitral não contém apenas direitos, mas também deveres, como o dever de se submeter à arbitragem e não ao juízo estatal. Enquanto alguns têm argumentado que a presença desses deveres na convenção arbitral impede qualquer transferência válida da cláusula compromissória ao cessionário, a menos que este concorde expressamente, outros argumentam que, de forma parecida com a cessão de contrato (similar to the transfer of an entire contract, the transfer of the arbitration agreement

requires the explicit consent of all parties involved), a transferência da convenção arbitral

requer o consentimento explícito de todas as partes envolvidas, tanto do cessionário quanto do cedido142.

Compartilhamos da opinião dos autores de que, em uma cessão de direitos (e.g. cessão de crédito), a transmissibilidade da cláusula compromissória poderia encontrar obstáculos. Isso ocorreria porque, na cessão de crédito, só seria possível transferir posições jurídicas ativas referentes ao crédito, o que não abarcaria o dever de arbitrar, estabelecido em eventual cláusula compromissória celebrada entre a parte cedente e a parte cedida.

Entretanto, o argumento da cláusula arbitral estabelecer um dever não impediria sua transmissão em uma cessão de contrato, como os próprios autores deixam subentendido no excerto acima. Isso decorreria do fato de que, em uma cessão de contrato, todo o bloco

140GIRSBERGER, Daniel; HAUSMANINGER, Christian. Assignment of Rights and Agreement to Arbitrate.

Arbitration International, v. 8, iss. 2, p. 140, jun. 1992.

141HOSKING, James M. The Third Party Non-Signatory's Ability to Compel International Commercial

Arbitration: Doing Justice Without Destroying Consent. Pepperdine Dispute Resolution Law Journal, v. 4, iss. 3, 2004. Disponível em: <http://digitalcommons.pepperdine.edu/drlj/vol4/iss3/6>. Acesso em: 15 fev 2018, p. 494.

142GIRSBERGER, Daniel; HAUSMANINGER, Christian. Op., cit., p. 140: “A third argument advanced against

the application of the rules of assignment of contractual claims to the transfer of the arbitration agreement has been that the arbitration agreement not only contains rights, but also duties (e.g. to refrain from instituting ordinary court proceedings). While some have argued that the presence of these duties in the arbitration agreement precludes any valid transfer of the arbitration clause to the assignee unless the latter expressly agrees to be bound by those duties, others have gone so far as to argue that, similar to the transfer of an entire contract, the transfer of the arbitration agreement requires the explicit consent of all parties involved, i.e. the assignee and the obligor.”

de relações titularizadas pelo cedente é transferido, incluindo-se, portanto, tanto deveres quanto direitos. Apenas não se concorda com a opinião de que seria necessário o consentimento apartado. Apenas o consentimento em relação à cessão de contrato já seria suficiente.

Por outro lado, os defensores da regra de transferência automática da convenção de arbitragem alegam que o direito de arbitrar é um acessório do direito contratual cedido, de forma que, na cessão, seguirá a sorte do contrato principal. Entretanto, como já vimos anteriormente, esse posicionamento não se adéqua ao ordenamento jurídico pátrio, porque adotamos um “modelo dual”, em que a convenção é ao mesmo tempo acessória e autônoma143.

4.2.2 O posicionamento da doutrina nacional

Diante da adoção da corrente unitária da cessão de posição contratual no Brasil, é pacífico na doutrina que todas as posições jurídicas ativas e passivas são transferidas na cessão de contrato. Dessa forma, independentemente da posição ser de direito material ou processual, será transferida. Assim, a doutrina brasileira não se preocupou em adotar a tese da acessoriedade para justificar a transmissão da cláusula compromissória.

No Brasil, o Técio Spínola Gomes reconhece a importância de saber se a cessão de posição contratual opera a transferência apenas de posições materiais ou também do meio eleito como mais adequado para a solução de eventuais controvérsias144. Conclui que não existem óbices legais para que um negócio jurídico processual como a cláusula compromissória seja transferida.

Pedro Batista Martins afirma que "ao cessionário, também, impõem-se os efeitos do compromisso ou da cláusula arbitral, salvo se excetuado no ato negocial de transmissão"145. Na mesma linha, Luis Guerrero sustenta que, já que a cessão é contratual, não existem razões para afastar a manifestação de vontade para arbitrar, presente no contrato cedido,

143GIRSBERGER, Daniel; HAUSMANINGER, Christian. Assignment of Rights and Agreement to Arbitrate.

Arbitration International, v. 8, iss. 2, p. 140, jun. 1992.

144GOMES, Técio Spínola. A transmissibilidade da cláusula arbitral diante da cessão de posição contratual.

Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 5, ano 2, p.71, out./dez. 2015.

145MARTINS, Pedro Batista. Cláusula compromissória. In: MARTINS, Pedro Batista; LEME, Selma Ferreira;

CARMONA, Carlos Alberto (coord.). Aspectos fundamentais da Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.220.

salvo diante da existência de ressalva que suprima a cláusula compromissária ou altere o seu conteúdo146.