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Transmissibilidade da Cláusula Compromissória na cessão de posição Contratual

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE DIREITO

GRADUAÇÃO EM DIREITO

VICTÓRIA RÉGIA BATISTA PIRES

TRANSMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NA

CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL

Salvador

2018

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VICTÓRIA RÉGIA BATISTA PIRES

TRANSMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NA

CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL

Trabalho de conclusão de curso de graduação em Direito, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, apresentado como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Técio Spínola Gomes

Salvador

2018

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VICTÓRIA RÉGIA BATISTA PIRES

TRANSMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NA

CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 05 de março de 2018.

Técio Spínola Gomes – Orientador _______________________________________

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

João Glicério de Oliveira Filho ___________________________________________

Doutor em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Direito Privado e Econômico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Joseane Suzart Lopes da Silva __________________________________________

Doutora em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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PIRES, Victória Régia Batista. A transmissibilidade da cláusula compromissória na

cessão de posição contratual. 61 f. Monografia (Graduação) - Faculdade de Direito,

Universidade Federal da Bahia, 2018.

RESUMO

Trata a presente monografia do problema referente à da transmissibilidade da cláusula compromissória na cessão de posição contratual. Arregimentou-se, como hipótese central, se o ordenamento jurídico pátrio permitiria a transmissão da referida cláusula. As hipóteses secundárias, por sua vez, foram se seria necessário o duplo consentimento para que se operasse a transferência e se seria possível a cessão de contrato na forma oral, quando o contrato cedido contivesse uma cláusula arbitral. Objetivou-se, assim, examinar, de forma crítica, as regras e os princípios relacionados à cessão de contrato e à convenção de arbitragem, conforme legislação e doutrina nacional e estrangeira. Utilizaram-se, para tanto, os métodos hipotético-dedutivo, dialético, argumentativo e hermenêutico. O procedimento técnico utilizado foi o da pesquisa bibliográfica, por meio de artigos de autoria nacional e estrangeira, em busca de respostas não fornecidas pela legislação pátria. Realizou-se, em cinco capítulos, a análise da cessão de posição contratual e da cláusula compromissória. No segundo capítulo, foram analisados os requisitos da cessão de contrato e a sua repercussão sobre acessórios, garantias e exceções. No terceiro capítulo, foram apresentados um breve histórico da arbitragem no Brasil, a disciplina legal da cláusula arbitral e sua natureza jurídica. No quarto capítulo, foram identificados e criticados os fatores considerados na resolução do problema da transmissibilidade da cláusula compromissória. Concluiu-se, por meio da pesquisa realizada, que o problema existe e é tratado de forma distinta no Brasil e em países de common law. A omissão legislativa sobre o tema gera dúvidas quanto à solução a ser adotada em cada caso, de forma que o consenso, em detrimento da forma, deve ser o fundamento das decisões sobre o tema. O ordenamento jurídico brasileiro não impõe óbices à transmissibilidade da cláusula compromissória, bem como não é necessário o duplo consentimento para que esta se opere. Conclui-se também não ser necessária a reescrita da cláusula arbitral na cessão de contrato na forma oral.

Palavras-chave: Convenção de arbitragem. Cessão de contrato. Transmissibilidade

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PIRES, Victória Régia Batista. The transmission of the arbitration clause in the

assignment of contract. 61 pp. Monograph (Graduation) – Faculdade de Direito,

Universidade Federal da Bahia, 2018.

ABSTRACT

The current monograph deals with the problem concerning the transmission of the arbitration clause in the assignment of contract. The central hypothesis was whether the national legal order would allow the transmission of the arbitration clause. The secondary hypotheses, in turn, were whether it would require double consent for the transfer to be carried out and whether it would be possible to assign a contract in an oral form, when the contract has an arbitration clause. The purpose was to critically examine the rules and principles related to the assignment of the contract and the arbitration agreement, in accordance with national and foreign law and doctrine. The hypothetical-deductive, dialectical, argumentative and hermeneutic methods were used. The technical procedure used was the bibliographical research, through articles of national and foreign authorship, in search of answers not provided by the national legislation. In five chapters the analysis of the assignment of contractual position and the arbitration clause was carried out. In the second chapter, the requirements of the assignment of contract and its repercussion on accessories, guarantees and exceptions were analyzed. In the third chapter, a brief history of the arbitration in Brazil was presented, as well as the legal discipline of the arbitration clause and its legal nature. In the fourth chapter, the factors considered in solving the problem of the transmissibility of the arbitration clause were identified and criticized. It was concluded, through the research carried out, that the problem exists and is treated differently in Brazil and in common law countries. The legislative omission on the subject raises doubts as to the solution to be adopted in each case, so that the consensus, to the detriment of the form, must be the basis of the decisions on the subject. The Brazilian legal system does not impose obstacles to the transferability of the arbitration clause, nor does it require double consent for it to operate. It is also concluded that it is not necessary to rewrite the arbitration clause in the assignment of contract in oral form.

Keywords: Arbitration Agreement. Assignment of Contract. Transmission of the

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LISTA DE ABREVIATURAS

CC/1916 – Código Civil (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916) CC/2002 – Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002)

CPC/1973 – Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973) CPC/2015 – Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015)

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 7

2 A CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL ... 9

2.1.1 Cessão de posição contratual ou cessão de contrato? ... 11

2.2 REQUISITOS PARA A CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL... 12

2.3 A DISCIPLINA LEGAL DA CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL ... 12

2.4 A NATUREZA JURÍDICA DA CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL ... 14

2.5 CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL E CESSÃO DE CRÉDITO ... 16

2.6 CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL E NOVAÇÃO ... 17

2.7 REPERCUSSÃO DA CESSÃO DE CONTRATO SOBRE ACESSÓRIOS, GARANTIAS E EXCEÇÕES ... 18

3 DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E DE SUAS CARACTERÍSTICAS ... 21

3.1 BREVE HISTÓRICO DA ARBITRAGEM NO BRASIL ... 21

3.2 DISCIPLINA LEGAL DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ... 24

3.3 DA NATUREZA JURÍDICA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ... 25

3.4 CLASSIFICAÇÕES DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS ... 27

3.4.1 Acordos obrigacionais e acordos dispositivos ... 27

3.4.2 Acordos prévios ou pré-contratuais ... 28

3.4.3 Convenção ou acordo preliminar... 29

3.5 CARÁTER INTUITU PERSONAE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ... 31

4. FATORES A SEREM CONSIDERADOS NA RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DA TRANSMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ... 34

4.1 RELAÇÃO ENTRE A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E O CONTRATO AO QUAL SE REPORTA ... 34

4.1.1 Relação de autonomia ... 36

4.1.2 Relação de acessoriedade ... 39

4.1.3 Relação de instrumentalidade ... 43

4.2 A NATUREZA DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM E SUA TRANSMISSIBILIDADE ... 44

4.2.1 O posicionamento de parte da doutrina estrangeira ... 44

4.2.2 O posicionamento da doutrina nacional ... 46

4.3 O PROBLEMA DA FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ... 47

4.3.1 A questão da forma escrita da cláusula compromissória na cessão de contrato ... 48

4.4 O PAPEL DO CONSENSO PARA A SOLUÇÃO DO PROBLEMA ... 51

5 CONCLUSÃO ... 54

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1 INTRODUÇÃO

A cessão de posição contratual tem recebido pouca atenção doutrinária e legislativa no Brasil, apesar de ser um tema clássico do Direito Civil. Em que pese a figura seja conhecida na práxis jurídica, nunca foi positivada. Em decorrência disso e do aumento da complexidade das relações jurídicas obrigacionais, questões surgiram acerca da transmissibilidade da cláusula compromissória na cessão de contrato.

Com a promulgação da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) e do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015), a arbitragem entrou em uma nova fase. O laudo arbitral passou a ser sentença arbitral, sua homologação pelo Poder Judiciário, em arbitragens domésticas, deixou de ser necessária e a referida sentença passou a ser considerada título executivo judicial. Nesse contexto, ganhou relevância o estudo da arbitragem e dos seus efeitos jurídicos.

Existem poucas obras de referência sobre a cessão de contrato, como o livro de mesmo nome de autoria de Carlos Alberto da Mota Pinto. Entretanto, não foi encontrada nenhuma obra específica sobre a relação entre a cessão de contrato e a convenção arbitral. Alguns artigos publicados em periódicos abordam o tema da transmissibilidade da cláusula compromissória na cessão de posição contratual de forma aprofundada, com destaque para o texto de autoria de Técio Spínola Gomes. Entretanto, a maioria dos artigos analisados trata do tema de forma transversal, ao tratar da cessão de contrato.

Com o aumento da complexidade das relações mercantis, a dúvida sobre a transmissibilidade da cláusula compromissória ganhou destaque, demandando dos doutrinadores uma postura mais crítica em relação ao tratamento dado ao tema. Tendo isso em vista, a doutrina precisou se posicionar sobre a matéria, para responder às dúvidas quanto à possibilidade de transmitir a cláusula arbitral na cessão de contrato.

As obras de referência sobre a transmissibilidade da cláusula compromissória são estrangeiras, mas abordam o tema de forma incompatível com o ordenamento jurídico pátrio, traçando distinções em relação ao nível de autonomia da cláusula compromissória que não são feitas no Brasil. Países de civil law, conforme estudos realizados, costumam entender que a cláusula compromissória é, ao mesmo tempo, acessória e autônoma. Esse posicionamento, entretanto, é incoerente metodologicamente, ainda que vastamente utilizado pelas cortes estrangeiras. A opção comparatística foi adotada, assim, por causa da ausência de artigos atuais e de referência sobre o tema, no Brasil.

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Com o objetivo de elucidar a matéria, foram utilizados os métodos hipotético-dedutivo, dialético e argumentativo. Sendo o direito um bem cultural, deve ser conhecido de forma dialética, de forma que se analisa a manifestação de vontade das partes em contraposição ao descumprimento de formalidades geralmente exigidas para a validade da transmissão da cláusula arbitral, como a sua reescrita no contrato de cessão de posição contratual.

O método hermenêutico também foi utilizado, ao buscar-se o fundamento de validade da transmissão da cláusula compromissória na forma oral. Pesquisas bibliográficas também foram realizadas, sendo utilizados artigos de autoria nacional e estrangeira, em busca de respostas não fornecidas pela legislação pátria. Dessa forma, o primeiro capítulo traz a contextualização histórica do instituto, apresentando as dificuldades enfrentadas para que fosse aceito como figura autônoma. São também apresentadas as diferenças e semelhanças entre a novação, a cessão de crédito e a cessão de posição contratual.

No segundo capítulo, passa-se ao estudo da natureza da cláusula compromissória. Averigua-se o seu enquadramento como negócio jurídico processual e questiona-se a própria origem do conceito “convenção processual” (ou negócio jurídico processual). Por fim, no terceiro capítulo, analisa-se a transmissibilidade automática da cláusula compromissória, com base em legislação e doutrina nacional e internacional, já que o legislador brasileiro não positivou o tema.

O princípio da separabilidade também é analisado, sob a perspectiva dos países de

common law e civil law, com enfoque na doutrina de Pontes de Miranda. As formalidades a

serem atendidas para que ocorra a cessão de contrato em conjunto com a transmissão da cláusula compromissória também são analisadas e criticadas. Por fim, investiga-se a questão do consenso e da manifestação de vontade para a solução do problema.

(10)

2 A CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL

Na vida cotidiana, os sujeitos necessitam, muitas vezes, transmitir a outrem não apenas o encargo de uma dívida (assunção de dívida) ou a titularidade de um crédito (cessão de crédito), mas a posição contratual como um todo. É o caso, por exemplo, do proprietário de uma mina que resolva encerrar suas atividades para iniciar um novo ramo. Como está vinculado a contratos de longa duração, seria muito oneroso desfazê-los antes de iniciar um novo negócio, sendo preferível realizar a cessão do contrato a terceiro.

A cessão é conquista do Direito Moderno. O Direito Romano, ao conceber a obrigação como vínculo de natureza pessoal, não admitia que outra pessoa ingressasse na relação jurídica, a não ser pela via da novação subjetiva ou da sucessão mortis causa1. Vigorava o princípio da intransmissibilidade das obrigações, assim, uma vez constituídas, tornavam-se inseparáveis do indivíduo.

Na atualidade, a cessão não só é possível como é amplamente utilizada. Uma de suas espécies é a cessão de contrato, concebida como a transferência negocial a um terceiro (chamado de cessionário) do conjunto de posições contratuais pertencentes ao cedente, com a concordância da outra parte (cedido), que permanece na relação2. Na doutrina estrangeira, o instituto também existe e é amplamente utilizado. Assignment significa cessão (lato sensu), assignor, cedente, e assignee/obligor, cedido3.

A cessão de posição contratual não é matéria disciplinada pela legislação nacional. Entretanto, a aceitação da figura na práxis jurídica é antiga e contribuiu decisivamente para diminuir os chamados custos de transação de muitos negócios, como o supracitado.

A diminuição dos custos de transação explica-se por meio da agilidade com que a saída do cedente da relação obrigacional se opera. Simultaneamente, uma parte sai da relação jurídica (cedente) e um terceiro (cessionário) passa a ocupar sua posição contratual, permitindo a continuidade do negócio para a parte interessada (cedido).

Sobre a figura do terceiro nos casos de cessão (lato sensu), James M. Hosking4, faz uma sutil distinção entre partes não signatárias (non-signatory parties) e terceiro (third

1Cf. BIONDI, Biondo. Cessione di crediti e di altri diritti (diritto romano). Novissimo Digesto Italiano. Torino:

Utet, 1957, p. 152-155.

2BDINE JÚNIOR, Hamid Charaf. Cessão da posição contratual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 63.

3GIRSBERGER, Daniel; HAUSMANINGER, Christian. Assignment of Rights and Agreement to Arbitrate.

Arbitration International, v. 8, iss. 2, p. 123, jun. 1992.

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party)5. Uma parte não signatária seria alguém que não assinou expressamente a convenção arbitral, e seu nome pode ou não6 constar no referido acordo7.

Por outro lado, “o vocábulo 'terceiro’ é usado para se referir a alguém que não foi nomeado na convenção arbitral, geralmente essa pessoa também será um 'não signatário'”8. O fato de ser possível utilizar tanto o termo “terceiro” quanto “parte não signatária” demonstra a irrelevância prática da distinção na forma em que foi feita pelo autor. O cessionário poderia ser chamado tanto de terceiro quanto de parte não signatária, conforme o conceito apresentado.

Discordando da definição proposta por Hosking, Stavros Brekoulakis, utiliza o consenso como critério diferenciador. O vocábulo “terceiro” é usado para se referir a uma pessoa que nunca consentiu com a convenção arbitral celebrada entre duas outras pessoas (partes). O termo seria preferível, em detrimento do uso de “parte não signatária”, geralmente utilizado no discurso jurídico, muito embora não o seja de forma precisa ou consistente. Para ele, uma parte não signatária deve ser diferenciada de um terceiro, pois aquela consentiu com a convenção arbitral e, assim, está a ela vinculada, apesar do fato de não ter assinado-a9.

A discussão envolvendo terceiros na arbitragem pode ser simplificada da seguinte forma: um contrato é celebrado entre as partes “A” e “B”, incluindo uma cláusula compromissória. “A” inicia algum tipo de relacionamento com “C” e decide ceder sua

5Nathalie Voser, Professora da Universidade de Basel, distingue “terceiro formal” (a third party as a formal

party) de “parte lateral” (side party), em tradução livre. Cf. VOSER, Nathalie. Multi-party disputes and joinder

of third parties. In: BERG, Albert Jan van den. (Ed.). 50 Years of the New York Convention: ICC International Arbitration Conference. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2009, p. 381.

6“The term non-signatory is being used to refer to someone who has not physically signed the agreement

within which the arbitration clause is contained. The term third party is being used to refer to someone who is not named as a party in such an agreement, usually this person will also be a non-signatory.” Cf. HOSKING, James M. The Third Party Non-Signatory's Ability to Compel International Commercial Arbitration: Doing Justice Without Destroying Consent. Pepperdine Dispute Resolution Law Journal, v. 4, iss. 3, 2004. Disponível em: <http://digitalcommons.pepperdine.edu/drlj/vol4/iss3/6>. Acesso em: 15 fev 2018, p. 472.

7Uma parte é não signatária quando formula uma convenção arbitral com outrem e seu nome é, obviamente,

mencionado na convenção, mas referida parte deixa de assiná-la, porque, por exemplo, concordou oralmente com a instituição da arbitragem. Uma parte é não signatária, também, quando não participa da formulação de nenhuma convenção arbitral, seu nome não é citado em nada e, obviamente, nada assina. Nesse último caso, além de ser parte não signatária também é chamada de terceiro, por Hosking. Não concorda-se com a distinção, pois mais confunde o leitor do que esclarece. Nesse sentido, seguimos o posicionamento de Brekoulakis, para quem a diferença entre parte não signatária e terceiro reside no consenso (ver nota de rodapé n. 9).

8HOSKING, James M. Op., cit., p. 472.

9BREKOULAKIS, Stavros. The relevance of the Interests of Third Parties in Arbitration: Taking a Closer Look

at the Elephant in the Room. Penn State Law Review, v. 113, iss. 4, p. 1166, 2008: “The term ‘third party’ is used in this paper as referring to a person who never consented to an arbitration agreement concluded between two other parties. The term ‘third party’ is preferred over the term ‘non-signatory party’, often used in legal discourse, albeit not always accurately or consistently. A non-signatory party should be distinguished from a third party, as, strictly speaking, the former person is a person that has consented to an arbitration agreement and thus is bound by it, notwithstanding the fact that the person failed to sign it.”

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posição contratual a este. O problema envolve saber em que medida “C” se vincula à arbitragem ou possui o direito de “executá-la”10 contra “B”.

2.1.1 Cessão de posição contratual ou cessão de contrato?

A doutrina costuma chamar de cessão de contrato a transferência em bloco das posições jurídicas ativas e passivas do cedente para o cessionário. Obras de referência sobre o tema, como a de Carlos Alberto da Mota Pinto, também utilizam referida nomenclatura. Mota Pinto explica que adota o termo cessão de contrato por causa do uso consagrado pela tradição, mas assume que é de correção inquestionável o termo “cessão da posição contratual”11.

Orlando Gomes utilizava a expressão cessão de contrato por considerar que o contrato era valor econômico e, portanto, poderia ser transferido como uma coisa12. Era comum, então, afirmar que o “contrato circulou”. A ideia de patrimonialidade do contrato sofreu influências de Enzo Roppo, para quem o contrato era uma operação econômica voltada à troca e circulação de bens13.

Por outro lado, autores como Hamid Charaf Bdine Júnior, Técio Spínola Gomes e Mario Carrer preferem o termo “cessão da posição contratual”. O Código Civil Português de 1966 (artigos 424 a 427) também adota essa nomenclatura.

Sobre o tema, Ivo Waisberg afirma tratar-se de “preciosismo jurídico” considerar como correto apenas o termo “cessão de posição contratual”, motivo pelo qual utiliza os dois termos como sinônimos14. Neste trabalho, as duas terminologias também serão utilizadas como sinônimas.

10O termo “execução de convenção arbitral” é uma tradução do inglês “to enforce the arbitration agreement”,

que quer dizer a capacidade de um terceiro iniciar o procedimento arbitral contra uma parte originária.

11PINTO, Carlos Alberto da Mota. Cessão de contrato. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 62-63. 12GOMES, Orlando. Contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 163.

13ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e Januário Gomes. Coimbra: Almedina, 1988, p. 7.

14WAISBERG, Ivo. Autorização prévia da cessão de contrato nos contratos de adesão. In: TEPEDINO,

Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Orgs.). Obrigações e contratos: obrigações: funções e eficácia. Coleção doutrinas essenciais. v. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 263.

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2.2 REQUISITOS PARA A CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL

A cessão de posição contratual pode ocorrer desde que cumpridos os seguintes requisitos: (i) o contrato deve ser sinalagmático e (ii) as prestações não podem ter sido satisfeitas integralmente pelos contratantes15. Acrescente-se a esses dois requisitos a necessidade de manutenção da essência da relação obrigacional16.

A cessão de posição contratual implica a transferência global do conjunto de créditos e débitos (dentre outras posições contratuais17) de uma parte para terceiro. Dessa forma, para que seja possível ocorrer a cessão do contrato, este deve ser sinalagmático18. Explica-se: nos contratos unilaterais, só seria possível ocorrer ou uma cessão de crédito ou uma assunção de dívida.

O objeto da prestação inerente ao contrato também não pode ter sido esgotado no momento da cessão. Isto é, uma das partes não pode ter adimplido integralmente suas obrigações, pois, do contrário, só seria possível transferir o crédito ou o débito restantes19.

Admite-se também a transferência da posição contratual nas relações de execução imediata, uma vez que, nesses casos, o contrato não se “esgota”, necessariamente, com o cumprimento da obrigação principal. Entretanto, verifica-se a ocorrência da referida cessão, com maior frequência, nos contratos de execução continuada20, como no caso de cessão de um contrato de locação.

2.3 A DISCIPLINA LEGAL DA CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL

O negócio jurídico por meio do qual se opera a transferência da posição contratual não deve ser confundido com a cessão de crédito (artigos 286 a 298 do CC/2002) e nem

15GOMES, Orlando. Op., cit., p. 164.

16SIMÕES, Marcel Edvar. Transmissão em direito das obrigações: cessão de crédito, assunção de dívida e

sub-rogação pessoal. 2011. 170f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 129.

17Karl Larenz já defendia, desde meados do século XX, que a relação obrigacional envolvia também deveres

de conduta e obrigações secundárias, frutos da boa-fé. Dessa forma, seria equivocado afirmar que, em uma cessão de contrato, somente relações de crédito e débito são transferidas do cedente para o cessionário.

18GOMES, Técio Spínola. A transmissibilidade da cláusula arbitral diante da cessão de posição contratual.

Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 5, ano 2, p. 70, out./dez. 2015.

19Ibid., p. 70.

20BORRELLI NETO, Luís. Cessão de contrato. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 9, n. 34, p. 138,

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com a assunção de dívida (artigos 299 a 303 do CC/2002). Embora sejam figuras cujo regramento geralmente é aplicado por analogia à cessão de contrato, esta é autônoma.

A cessão de contrato é um negócio jurídico atípico21 e autônomo, não devendo, portanto, ser considerada uma mera junção da cessão de crédito com a assunção de dívida. A confusão entre os institutos decorre, historicamente, da ausência de positivação da cessão de posição contratual.

Diferentemente do que ocorre no Brasil, a cessão de posição contratual foi expressamente disciplinada no Código Civil Italiano de 1942 e no Código Civil Português de 1966. Na França e na Espanha, entretanto, ainda não há disciplina legal sobre o tema, de forma que a doutrina e a jurisprudência têm definido soluções variadas caso a caso22.

No Brasil, a cessão de posição contratual não foi disciplinada legalmente, razão pela qual Técio Spínola Gomes entende que “pertence ao grupo dos países que de forma implícita regulam a cessão”23. Essa classificação foi proposta por Mario Carrer, para quem há (i) os sistemas de regulação expressa da cessão; (ii) os sistemas de admissão implícita e (iii) outros sistemas em que a admissibilidade da figura suscita debates24.

A cessão de posição contratual encontra fundamento legal nos artigos 421 e 425 do CC/2002, que tratam, respectivamente, da liberdade de contratar e dos negócios atípicos25. Apesar da falta de positivação legal, a cessão de contrato não necessita de lei para que exista e seja amplamente utilizada26. Tanto é assim que, comparativamente, a assunção de dívida já existia na práxis jurídica muito antes de ser prevista, pela primeira vez, no Código Civil de 2002, nos artigos 299 a 303.

21BORRELLI NETO, Luís. Cessão de contrato. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 9, n. 34, p. 138,

abr./jun. 2008.

22Ibid., p. 140.

23GOMES, Técio Spínola. A transmissibilidade da cláusula arbitral diante da cessão de posição contratual.

Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 5, ano 2, p.72, out./dez. 2015.

24Cf. CARRER, Mario. Cesión de posición contractual. Córdoba: Academia Nacional de Derecho y Ciencias

Sociales de Córdoba, 2000, p. 43-47.

25BORRELLI NETO, Luís. Op., cit., p.138. 26GOMES, Técio Spínola. Op., cit., p.73.

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2.4 A NATUREZA JURÍDICA DA CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL

A análise da natureza jurídica da cessão de posição contratual perpassa o estudo do modo pelo qual a transferência das relações jurídicas se opera. Há duas correntes que procuram explicar a matéria: a atomística (da decomposição)27 e a unitária (monista).

A teoria (ou teorias, pois várias foram suas formulações) atomística define a cessão da posição contratual como a simples junção da cessão de crédito com a assunção de dívida28. Seus adeptos defendem que a posição contratual ocupada pela parte compõe-se de elementos ativos e passivos, que devem ser considerados distintamente. Na cessão, esses dois elementos são transferidos, por meio de dois negócios jurídicos distintos: cessão de crédito e a assunção de dívida. Carlos Alberto da Mota Pinto acredita que dois fatores explicam a existência dessa corrente: seu país de origem e a noção de relação contratual que vigorava à época.

A corrente atomística surgiu na Alemanha, em um momento de positivismo exacerbado, e Demellius teria sido seu autor. Os alemães passaram a entender que, se o Código Civil Alemão (BGB) não previa a existência da cessão de contrato, esta nada mais seria do que a junção de dois institutos já positivados, quais sejam: a cessão de crédito e a assunção de dívidas29.

O segundo fator responsável pelo aparecimento da corrente atomística residiria na compreensão da relação obrigacional àquela época. A relação obrigacional resumia-se aos direitos e aos deveres relativos à prestação principal, excluindo-se, portanto, os deveres laterais decorrentes da boa-fé. Assim, era factível pensar a cessão de posição contratual apenas como a junção da cessão de créditos com a assunção de dívidas.

Karl Larenz, entretanto, entendia que a relação obrigacional não se resumia a direitos e deveres relativos à obrigação principal. Para ele, existiam também os deveres de conduta e as obrigações secundárias, decorrentes da boa-fé e inerentes à relação obrigacional. Para os seguidores de Larenz, portanto, a corrente atomística era inaceitável30, pois restringia bastante as relações jurídicas transferidas, excluindo os deveres anexos. Este

27WAISBERG, Ivo. Autorização prévia da cessão de contrato nos contratos de adesão. In: TEPEDINO,

Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Orgs.). Obrigações e contratos: obrigações: funções e eficácia. Coleção doutrinas essenciais. v. 2. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 265.

28BDINE JÚNIOR, Hamid Charaf. Cessão da posição contratual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 56. 29PINTO, Carlos Alberto da Mota. Cessão de contrato. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 168.

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fato, em nossa opinião, forneceu os fundamentos necessários para o surgimento da corrente monista.

Com o avanço dos estudos sobre a teoria das obrigações, uma nova corrente surgiu: a monista ou unitária. Para os seus adeptos, a cessão da posição contratual era um negócio jurídico realizado mediante uma só declaração de vontade31 e que operava a transferência da “unidade orgânica dos direitos e obrigações da parte cedente”32. Assim, não se limitava a transferência do contrato a direitos e deveres relativos à obrigação principal.

Para Orlando Gomes, na cessão de contrato, este circulava “passando de um contratante a terceiro”33. Para tanto, seria necessário transferir o complexo de relações jurídicas, em bloco. Este fato indica que Orlando Gomes se filiava à corrente unitária, conforme a qual há a transmissão em bloco das posições jurídicas ativas e passivas titularizadas pelo cedente. Aderem também a essa corrente Antonio da Silva Cabral, Darcy Bessone, Massimo Bianca e Francesco Messineo34.

A partir da análise da corrente unitária e do posicionamento de Larenz, percebe-se que o todo orgânico transferido na cessão de contrato compreende uma ampla gama de relações: deveres anexos, direitos potestativos e obrigações secundárias. Dessa forma, a aplicação do regramento da cessão de crédito e da assunção de dívida, por analogia, à cessão de contrato deve ser feita com parcimônia.

Existem doutrinadores que defendem o uso da analogia no caso em questão35. Entretanto, não se adere a esse posicionamento, visto que ele desestimula a atuação do legislador, que precisa suprir o vácuo normativo relacionado à cessão de contrato. Além disso, a analogia reforça a já ultrapassada corrente atomística, na medida em que estimula a associação da cessão de contrato aos institutos da cessão de crédito e da assunção de dívida, enfraquecendo a sua autonomia frente a elas.

Outro fator a ser considerado antes de se aplicar a analogia entre as figuras citadas é a inexistência de dispositivo legal que trate do problema da transmissibilidade da cláusula compromissória inserida no contrato que circulou. O legislador não regulou expressamente

31CABRAL, Antônio da Silva. Cessão de contratos. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Orgs.).

Obrigações e contratos: obrigações: funções e eficácia. Coleção doutrinas essenciais. v. 2. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2011, p. 44.

32GOMES, Orlando. Contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 163. 33Ibid., p. 164.

34BDINE JÚNIOR, Hamid Charaf. Cessão da posição contratual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 58-59.

35LORENZETTI, Ricardo Luis. Contratos: parte especial. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2003, p. 384 apud

(17)

o tema, dessa forma, a solução mais adequada seria suprir o vácuo legal positivando a cessão de contrato e regulando a transmissibilidade da cláusula arbitral.

A partir da análise das correntes unitária e atomística, pode-se supor também que um adepto da primeira seria mais favorável à transmissibilidade da cláusula compromissória na cessão de contrato do que um “atomista”. Como a corrente unitária defende a transferência do bloco de relações jurídicas, sem limitá-la às relações de crédito e débito, a cláusula compromissória não encontraria óbices para circular. Por outro lado, a corrente atomística, por restringir a cessão de contrato às relações de crédito e débito, não daria guarida à transmissibilidade da cláusula arbitral no contrato cedido.

2.5 CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL E CESSÃO DE CRÉDITO

A corrente atomística por muito tempo definiu a cessão da posição contratual como sendo a junção da cessão de crédito com a assunção de dívida. Assim, é importante demonstrar as peculiaridades do instituto e os desafios enfrentados para que ganhasse autonomia.

Carlos Alberto da Mota Pinto, em obra de referência sobre o tema, definiu a cessão de contrato como a “convenção trilateral que opera a transferência do conjunto de vínculos criados por um contrato de um dos contratantes para terceiro”36. Por outro lado, a cessão de crédito é um negócio pelo qual o credor transfere a outrem a sua posição ativa na relação obrigacional.

A anuência do devedor é desnecessária na cessão de crédito. Basta que a parte cedida seja notificada para que o negócio tenha efeito sobre ela, conforme artigo 290 do CC/2002. Por outro lado, na assunção de dívida, o consentimento expresso do credor é requisito fundamental do negócio, conforme artigo 299, caput, do CC/2002. Já a cessão de contrato, como envolve cessão de direitos e deveres, exige a anuência expressa da parte cedida, conforme entendimento doutrinário.

A lei não exige forma especial para que ocorra a cessão de crédito, podendo ser oral ou escrita. Trata-se de negócio não solene, isto é, que independe de forma determinada, e consensual, pois se aperfeiçoa pelo mero consentimento das partes37. Essa disposição também é aplicável, por analogia, à cessão de posição contratual, em vista da ausência de

36PINTO, Carlos Alberto da Mota. Cessão de contrato. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 55. 37RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 27. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 296.

(18)

dispositivo expresso sobre o tema. Esse fato gera alguns problemas quando há uma cláusula compromissória no contrato que circulou, tema que será abordado em capítulo próprio.

O artigo 287 do CC/2002 dispõe que, na cessão de crédito, todos os acessórios do crédito são transferidos, mas não apresenta exemplos. A doutrina passou, então, a dispor que não se transmitem o direito de retenção, a reserva de domínio e os juros já vencidos. O fundamento é a inseparabilidade dos referidos acessórios da pessoa do cedente (credor)38.

De outro lado, a cessão de contrato, por ser mais abrangente, transfere o bloco de relações jurídicas, conforme a teoria monista, já analisada. O direito de retenção e a reserva de domínio (dentre outros direitos) são transferidos. Destaca-se também que a pretensão à revisão do contrato e a alegação de contrato não cumprido são transferidas na cessão da posição contratual, o que não ocorre na cessão de crédito, importante diferença entre os dois institutos. A única ressalva, aplicável aos dois institutos, é quanto às condições pessoais do cedente, como a menoridade, que não são transferíveis.

Registre-se que, para Carlos Alberto da Mota Pinto, o direito de anular o contrato primitivo por vício de consentimento (erro, dolo) não é transferido ao cessionário. Para ele, os direitos referentes à fase genética (fase de constituição) do contrato cedido não se transmitem a terceiro (cessionário). Apenas os direitos oriundos da fase funcional do contrato são transmitidos na cessão de contrato39.

Ricardo Lorenzetti alerta que "não pode haver confusão entre o negócio translativo [contrato de cessão] e o objeto da transmissão [contrato "primitivo"]"40. Ao nosso ver, esse posicionamento também explica o fato de o cessionário não poder alegar a invalidade do contrato cedido. Em sentido contrário, o Tribunal de Justiça de São Paulo já permitiu que o cessionário alegasse a invalidade do contrato a ele cedido41.

2.6 CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL E NOVAÇÃO

38SIMÕES, Marcel Edvar. Transmissão em direito das obrigações: cessão de crédito, assunção de dívida e

sub-rogação pessoal. 2011. 170f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 129.

39PINTO, Carlos Alberto da Mota. Cessão de contrato. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 445-446.

40LORENZETTI, Ricardo Luis. Contratos: parte especial. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2003, p. 384 apud

BDINE JÚNIOR, Hamid Charaf. Cessão da posição contratual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 108.

(19)

A novação tem sua origem no Direito Romano e quer dizer “novo”, em latim (novatio). Contemporaneamente, Silvio Rodrigues define-a como “uma operação que, de um mesmo alento, extingue uma obrigação e a substitui por outra, que nasce naquele instante”42.

Tanto a novação quanto a cessão de posição contratual implicam a entrada de um novo sujeito na relação contratual primitiva, em substituição a uma das partes originárias. Na novação, extingue-se a relação jurídica contratual original e cria-se uma nova, que substitui a anterior. Por outro lado, na cessão de contrato a relação se mantém a mesma, ocorrendo apenas uma mutação subjetiva.

Registre-se que, há alguns anos, não era incomum confundirem a cessão de contrato com a novação. Em parecer anterior ao Código Civil de 2002 e ao julgamento da constitucionalidade da Lei de Arbitragem, Luiz Olavo Baptista afirma que a cessão de contrato é uma junção da novação com a assunção de dívidas43. Posicionamento, hoje, inconcebível.

Apesar da referida mutação subjetiva, a relação obrigacional, em sua essência, é preservada. Assim, a cessão de contrato não pode ser entendida como a junção da novação com a assunção de dívida, como já quiseram alguns autores, visto que a novação produz um efeito distinto. Ela faz nascer uma relação jurídica a partir da extinção da anterior, o que não se aplica à cessão de contrato.

2.7 REPERCUSSÃO DA CESSÃO DE CONTRATO SOBRE ACESSÓRIOS, GARANTIAS E EXCEÇÕES

Partindo-se do pressuposto de que a natureza da transmissão obrigacional se liga à manutenção da essência da relação jurídica, algumas consequências específicas podem ser extraídas disso, em relação ao que acontecerá com os acessórios do crédito, as garantias e as exceções. Edvar Simões denomina-os de aspectos adjacentes ao crédito ou à dívida44.

42RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações. v. 2, 30. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.

199.

43BAPTISTA, Luiz Olavo. Cessão de contrato e autonomia da cláusula arbitral. In: BASSO, Maristela;

CARVALHO, Patrícia Luciane de (Orgs.). Lições de direito internacional – estudos e pareceres de Luiz Olavo

Baptista. Curitiba: Juruá, 2008, p. 24.

44SIMÕES, Marcel Edvar. Transmissão em direito das obrigações: cessão de crédito, assunção de dívida e

sub-rogação pessoal. 2011. 170f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 129.

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Os aspectos adjacentes ao crédito são: (i) as garantias reais (hipoteca, penhor e anticrese); (ii) as garantias fidejussórias ou pessoais (como a fiança e a caução); (iii) os juros; e (iv) os poderes formativos inerentes ao crédito (como o poder de constituir em mora). Todos eles são transferidos na cessão de crédito, o que não ocorre com o “direito de retenção, a propriedade reservada e os juros já vencidos”45.

Em sede de assunção de dívida, as fianças se extinguem, assim como outras garantias dadas que tiverem íntima ligação com a pessoa do devedor originário. Isso ocorre porque o terceiro garantidor é movido pela confiança de que o devedor cumprirá a sua obrigação. Tal confiança não necessariamente se estenderia a um estranho que viesse a ocupar a posição do antigo devedor na relação jurídica.

Ao analisar a cessão, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda afirma que: “o que não é personalíssimo vai com o crédito cedido”46. Essa interpretação se extrai da norma contida no artigo 300 do Código Civil de 2002, que trata da assunção de dívidas mas cujo raciocínio é aplicável à cessão de crédito47. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas, a partir da assunção de dívida, as garantias especiais originariamente dadas ao credor.

A pretensão aos juros vincendos é transmitida na cessão de crédito, mas não aos juros vencidos, porque estes não possuem a característica de serem auxiliares do crédito. Entende-se que passam a constituir crédito separado, razão pela qual não passam ao cessionário48.

Edvar Simões afirma que os poderes formativos ligados ao crédito são transferidos na cessão de crédito, mas o mesmo não ocorre com os poderes formativos ligados ao contrato. Esses só são transferidos na cessão de contrato. Transmitem-se ao cessionário os poderes formativos ligados ao crédito, a exemplo do poder de concentração nas obrigações alternativas. Não se transferem, por outro lado, os poderes formativos ligados ao contrato, como o poder formativo extintivo de resolução da relação jurídica contratual, o poder formativo extintivo da resilição da relação contratual, o poder formativo modificativo

45SIMÕES, Marcel Edvar. Transmissão em direito das obrigações: cessão de crédito, assunção de dívida e

sub-rogação pessoal. 2011. 170f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 130.

46PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, v.

23, p. 295.

47SIMÕES, Marcel Edvar. Op., cit., p. 129.

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de denúncia em um contrato por tempo indeterminado e o poder formativo extintivo de desconstituição do contrato nulo49.

Considera-se que o poder formativo extintivo de desconstituição do contrato nulo não é transferido nem na cessão de crédito e nem na cessão de contrato, pois, conforme entendimento de Mota Pinto, os direitos referentes à fase de constituição do contrato não se transmitem a terceiro na cessão de contrato50. Dessa forma, o cessionário não teria o “poder formativo” de pleitear a nulidade do contrato cedido. Entende-se que seria possível alegar a nulidade apenas do próprio contrato de cessão da posição contratual, visto serem negócios completamente distintos um do outro51.

As exceções e objeções de direito material ou processual que o devedor tinha contra o cedente, no momento da cessão de crédito, mantêm-se contra o cessionário (artigo 294, do CC/2002). Incluem-se aqui a exceção de prescrição, a objeção de pagamento, a exceção de contrato não cumprido, as exceções e objeções processuais e os privilégios não intimamente ligados à pessoa do credor, como o privilégio geral na insolvência civil (artigo 965 do CC/2002)52.

49SIMÕES, Marcel Edvar. Transmissão em direito das obrigações: cessão de crédito, assunção de dívida e

sub-rogação pessoal. 2011. 170f. Dissertação (Mestrado em Direito Civil) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 130.

50Ibid., p. 445-446.

51Nesse sentido, Ricardo Lorenzetti afirma que não pode haver confusão entre o negócio translativo e o objeto

da transmissão. Cf. LORENZETTI, Ricardo Luis. Contratos: parte especial. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2003, p. 384.

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3 DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E DE SUAS CARACTERÍSTICAS

Em 1867, a cláusula compromissória foi legalmente prevista pela primeira vez, no Brasil. Não possuía, entretanto, os mesmos contornos que apresenta hoje em dia. Não passava de uma promessa de celebrar, futuramente, um compromisso arbitral, sem efeitos vinculantes.

Com a promulgação da Lei Brasileira de Arbitragem, em 1996, o instituto ganhou autonomia e projeção. A arbitragem se consolidou como método alternativo de solução de disputas e cada vez mais contratos mercantis passaram a utilizar cláusulas compromissórias. Nesse contexto, é preciso saber localizar juridicamente a figura, entendendo a sua natureza jurídica e os seus efeitos.

3.1 BREVE HISTÓRICO DA ARBITRAGEM NO BRASIL

A arbitragem é reconhecida no Brasil desde a época da colonização portuguesa, por meio das Ordenações Filipinas de 1603, que foram aplicadas no país. Entretanto, “somente com a Constituição Brasileira de 1824 é que foi expressamente legislada”53. O artigo 160 tratava da nomeação de “juízes árbitros” e dispunha que suas sentenças seriam executadas sem recurso, se assim convencionassem as partes54.

O Código Comercial, de 25 de junho de 1850, instituiu a arbitragem obrigatória no artigo 20. Após severas críticas, a Lei nº 1.350, de 14 de setembro de 1866, derrogou o “juízo arbitral necessário”, estabelecido pelo artigo 20 do Código Comercial, e determinou que o juízo arbitral seria sempre voluntário, “mediante o compromisso das partes”55.

53FINKELSTEIN, Claudio. Arbitragem internacional e legislação aplicável. Revista Jurídica Luso-Brasileira, v.

5, p. 342, 2015.

54REDECKER, Ana Claudia. Arbitragem nas Sociedades Limitadas. Revista Direito & Justiça, v. 41, n. 2,

p.107-108, jul./dez. 2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.15448/1984-7718.2015.2.21424>. Acesso em: 25 jan. 2018.

55PORTAL DE LEGISLAÇÃO. Lei 1350 de 14/09/1866. Disponível em:

<http://www.diariodasleis.com.br/legislacao/federal/194068-deroga-o-juizo-arbitral-necessario-estabelecido-pelo-art-20-titulo-unico-do-codigo-commercial.html>. Acesso em: 09 fev. 2018.

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Em 1867, a figura da cláusula compromissória foi legalmente prevista pela primeira vez, por meio do Decreto nº 3.900, de 26 de junho de 1867. À época, referida cláusula ainda era chamada de “cláusula de compromisso”56.

O artigo 9º do referido Decreto nº 3.900 determinava que a “cláusula de compromisso” não passava de uma promessa:

Art. 9º A clausula (sic) de compromisso, sem nomeação de arbitros (sic), ou relativa a questões eventuaes (sic) não vale senão como promessa, e fica dependente para sua perfeição e execução de novo e especial accordo (sic) das partes, não só sobre os requisitos do art. 8º senão tambem (sic) sobre as declarações do art. 10.57

Com o passar do tempo, este dispositivo “arraigou-se à nossa cultura jurídica, até tornar-se voz corrente ser a cláusula arbitral ou compromissória mero pacto de contrahendo ou compromittendo”58, que não produz, portanto, nenhuma obrigação civil59. Enquanto a cláusula compromissória não passava de uma promessa de celebrar, futuramente, um compromisso arbitral, este era considerado um negócio jurídico vinculante (modelo dicotômico francês). Existia, assim, uma posição de desvantagem da cláusula compromissória em relação ao compromisso, o que enfraquecia o próprio instituto da arbitragem60.

Na fase Republicana, a arbitragem quase desapareceu. A Constituição de 1891 reservou apenas um artigo para tratar do “arbitramento” nos casos de guerra (artigo 34, inciso 11). A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, também reproduziu o dispositivo. Na Constituição de 1937, a arbitragem desapareceu, voltando apenas na Constituição de 1946, por meio do uso da expressão “arbitramento” (artigo 4º)61.

56BARROSO, Luís Roberto; TIBÚRCIO, Carmen. Cláusula compromissória: interpretação, efeitos e a questão

intertemporal. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Paiva. Arbitragem doméstica e internacional: estudos em homenagem ao prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 102.

57BRASIL. Decreto nº 3.900, de 26 de junho de 1867. Regula o Juizo Arbitral do Commercio. Disponivel em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dim/dim3900.html>. Acesso em: 16 fev. 2018.

58MARTINS, Pedro Antônio Batista. Anotações sobre a Arbitragem no Brasil e o Projeto de Lei do Senado n°

78/92. Disponível em:

<http://batistamartins.com/wp-content/uploads/kalins-pdf/singles/anotacoes-sobre-arbitragem-no-brasil-e-o-projeto-de-lei-do-senado-n-7892.pdf>. Acesso em: 09 fev. 2018, p. 2.

59BARROSO, Luís Roberto; TIBÚRCIO, Carmen. Cláusula compromissória: interpretação, efeitos e a questão

intertemporal. In: FERRAZ, Rafaella; MUNIZ, Joaquim de Paiva. Arbitragem doméstica e internacional: estudos em homenagem ao prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 103.

60CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3. ed. rev., atual. e ampl.

São Paulo: Atlas, 2009, p. 109.

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O Código Civil de 1916, por sua vez, cuidou apenas do compromisso arbitral (artigos 1.037 a 1.048), ignorando a cláusula compromissória. A legislação brasileira à época não permitia o avanço da arbitragem, pois a cláusula compromissória era confundida com uma promessa, sem efeito vinculante, de celebrar um acordo futuro (acordo secundário), este sim criador da obrigação de submeter o litígio à arbitragem.

Antes da promulgação da Lei de Arbitragem, considerava-se que a cláusula compromissória não possuía os mesmos efeitos do compromisso arbitral. “Entendia-se que apenas o compromisso arbitral apresentava caráter vinculante, enquanto a cláusula era mero pré-contrato62, de tal maneira que o pacto de compromittendo não gerava qualquer efeito”63.

Em abril de 1989, Petrônio Muniz, advogado vinculado ao Instituto Liberal de Pernambuco, deu início à “Operação Arbiter”, em reunião com empresários e advogados na Associação Comercial de Pernambuco. A partir dessa reunião, o Projeto de Lei nº 78/92 (Senado) foi elaborado, tratando da arbitragem no Brasil.

A comissão baseou-se na Lei Modelo da UNCITRAL, na Convenção de Nova York de 1958 e na Convenção do Panamá de 1975. Concluído o trabalho de redação, o anteprojeto de lei foi apresentado ao Congresso pelo Senador Marco Maciel, em junho de 199264. Existiram outros projetos legislativos sobre arbitragem, mas este foi o único a se tornar lei (Lei nº 9.307/1996), que ficou conhecida como Lei Marco Maciel.

A Lei de Arbitragem brasileira revogou todos os artigos que tratavam da matéria no Código Civil de 1916 (artigos 1.037 a 1.048) e no Código de Processo Civil de 1973 (artigos 1.085 a 1.102). Assim, o laudo arbitral passou a se chamar sentença e extinguiu-se a necessidade de homologação judicial da sentença arbitral doméstica.

Percebe-se, assim, que a arbitragem não é algo novo no Brasil, embora tenha ganhado destaque apenas a partir da promulgação da Lei de Arbitragem, em 1996. O legislador brasileiro abandonou o modelo dicotômico francês (já superado até mesmo no

62No direito privado, o contrato preliminar já foi denominado de contrato-promessa, pré-contrato, antecontrato,

contrato preparatório compromisso, etc. Cf. CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 264.

63MAZZEI, Rodrigo; CHAGAS, Bárbara Seccato Ruis. Os negócios jurídicos processuais e a arbitragem. In:

CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 532.

64ENGELMANN, Fabiano. O espaço da arbitragem no Brasil: notáveis e experts em busca de reconhecimento.

Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 20, n. 44, p. 158, nov. 2012. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782012000400012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 16 fev. 2018.

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país de origem) e conferiu à cláusula compromissória os mesmos efeitos jurídicos do compromisso arbitral65, fazendo surgir um novo modelo arbitral no país.

3.2 DISCIPLINA LEGAL DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

Na época da elaboração do projeto da Lei de Arbitragem (Projeto nº 78/92 – Senado), existia uma controvérsia no Brasil sobre os efeitos da cláusula compromissória. Como esta era considerada apenas uma promessa, não possuía o efeito negativo de afastar a jurisdição estatal. Para que esse efeito fosse obtido, a cláusula precisaria ser “confirmada” posteriormente por um compromisso arbitral.

Para solucionar esse imbróglio jurídico, o Capítulo II do Projeto nº 78/92 estipulou que tanto o compromisso arbitral quanto a cláusula compromissória seriam espécies do gênero convenção de arbitragem66. Assim, o compromisso deixou de ser o único instrumento capaz de afastar a jurisdição estatal (efeito negativo da convenção de arbitragem).

Além disso, o descumprimento da cláusula compromissória por uma das partes deixou de gerar o direito a perdas e danos67 e passou a ser motivo para tutela específica, conforme artigo 7º da Lei nº 9.307/1996. Tratar a referida cláusula como espécie do gênero convenção de arbitragem representou certo avanço, mas, à época, outros países já haviam optado por abandonar a dicotomia terminológica e utilizar apenas o termo convenção arbitral (convenio arbitral), como Peru e Espanha.

A Lei de Arbitragem espanhola de 1988 unificou a nomenclatura, o que foi reproduzido pela lei de 2003 que a substituiu. A Lei de Arbitragem peruana (Lei nº 26.572/1966), em seu artigo 9º, também aboliu a dicotomia, passando a utilizar apenas o termo convenio arbitral. O Decreto Legislativo nº 1.071/2008 que a revogou reproduziu o dispositivo no artigo 13(2).

65CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3. ed. rev., atual. e ampl.

São Paulo: Atlas, 2009, p. 102.

66MARTINS, Pedro Antônio Batista. Anotações sobre a Arbitragem no Brasil e o Projeto de Lei do Senado n°

78/92. Disponível em:

<http://batistamartins.com/wp-content/uploads/kalins-pdf/singles/anotacoes-sobre-arbitragem-no-brasil-e-o-projeto-de-lei-do-senado-n-7892.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2018, p. 3.

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Registre-se que, pouco a pouco, a diferença entre as duas espécies de convenção de arbitragem vai perdendo o interesse da doutrina, preparando terreno para que o Brasil futuramente adote apenas o termo convenção de arbitragem.

3.3 DA NATUREZA JURÍDICA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

Os negócios jurídicos estão tradicionalmente ligados “ao direito material privado, seara em que a autonomia da vontade permitia maior amplitude de discussão”68. Entretanto, com o fenômeno da contratualização do processo, observado no Brasil e em outros países, a teoria dos negócios jurídicos foi transportada para o direito processual69.

Alguns processualistas da contemporaneidade, entretanto, não aceitam de forma unânime a existência da categoria negócio jurídico processual. Cândido Rangel Dinamarco, por exemplo, rejeita a sua existência, pois entende que os seus efeitos seriam sempre resultantes da lei70, e não da vontade, de forma que não se trataria de autêntico negócio jurídico71.

Por outro lado, há quem defenda a existência da referida categoria, corrente a qual nos filiamos. Entende-se que é possível transportar a sistemática da teoria dos atos jurídicos em geral para o direito processual. Os atos do processo seriam, inegavelmente, espécies de ato jurídico72.

Nesta senda, os fatos jurídicos processuais se classificariam da seguinte forma73: fatos jurídicos processuais em sentido amplo, que se dividem em fatos jurídicos processuais

stricto sensu e atos jurídicos processuais lato sensu. Estes últimos se dividem em atos

jurídicos processuais stricto sensu e negócios jurídicos processuais.

68MAZZEI, Rodrigo; CHAGAS, Bárbara Seccato Ruis. Os negócios jurídicos processuais e a arbitragem. In:

CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 523.

69Ibid., p. 530.

70Em sentido contrário, Fredie Didier Jr. e Pedro H. P. Nogueira, entendem que apenas a previsão abstrata

dos efeitos jurídicos encontra-se na lei, mas estes só poderiam ser realizados mediante acordo de vontade direcionado à sua realização. Cf. DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos

jurídicos processuais. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 60-64.

71DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. 2, 6. ed. São Paulo: Malheiros,

2009, p. 484 apud NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 2. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 142-143.

72CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e

validade prima facie dos atos processuais. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 19.

(27)

Registre-se ainda que existe divergência entre os próprios autores que aceitam a existência dos negócios jurídicos processuais. Calmon de Passos, por exemplo, rejeita a figura dos fatos jurídicos processuais, pois entende que, no processo, só há atos jurídicos, isto é, atos derivados de conduta humana, pois “o processo é uma atividade de sujeitos”. Todos os elementos naturais seriam exteriores ao processo, o que impediria que fossem caracterizados como fatos processuais. Portanto, referida categoria não existiria74.

Na doutrina portuguesa, Paulo Cunha admite a existência de negócio jurídico processual, mas com abrangência restrita. Os atos que possuem “projeção no campo processual, mas que estão fora do procedimento, como o compromisso arbitral”75, não seriam negócios jurídicos processuais. Antonio do Passo Cabral reconhece que alguns autores utilizam o critério do locus em que é celebrada a convenção para classificá-la como processual ou não e afirma. Para ele, subjacente a esta concepção está a ideia de que, enquanto as convenções processuais deveriam ser celebradas dentro do processo, todas as demais obrigações a um comportamento, se assumidas extraprocessualmente, pertenceriam ao direito material, mesmo que disciplinassem situações processuais76.

A utilização do critério do locus de celebração do negócio jurídico (dentro ou fora do processo) não merece prosperar. A tese de que a convenção processual seria sempre um ato do processo vem sendo rechaçada na doutrina, primeiramente porque o próprio Código de Processo Civil de 201577 no artigo 373, § 4º, admite que a convenção sobre o ônus da prova seja feita extrajudicialmente78. Em segundo lugar, o critério do locus não é compatível com a cláusula compromissória, visto que se trata de um negócio jurídico processual de renúncia à jurisdição estatal firmada fora do processo.

Nesta ordem de ideias, pode haver negócio jurídico processual praticado fora do processo. Carlos Alberto Carmona também entende ser a cláusula compromissória um negócio jurídico processual, “eis que a vontade manifestada pelas partes produz, desde logo efeitos (negativos) em relação ao processo (estatal)”79. No mesmo sentido, Técio Spínola Gomes afirma que a cláusula compromissória é um negócio jurídico processual,

74CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades

processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 64-65 apud CABRAL, Antonio do Passo. Convenções

processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 45.

75CUNHA, Paulo. Apontamentos de Processo Civil e Comercial. v. 2. Lisboa: s/e, 1938, p.33 apud NOGUEIRA,

Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. 2. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 149.

76CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 59.

77Art. 373, § 4º, do CPC/2015: A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o

processo.

7878CABRAL, Antonio do Passo. Op., cit., p. 59-60.

79CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3. ed. rev., atual. e ampl.

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pois é um fato jurídico voluntário em cujo suporte fático foi conferido às partes o poder de escolher a arbitragem como meio de solução de conflitos, e isso traduz o regramento de uma situação jurídica processual80.

3.4 CLASSIFICAÇÕES DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS

A classificação de determinado instituto possui uma função metodológica. Trabalhar com classificações atrai um método comparativo, no qual é possível estabelecer comparações, aproximações e afastamentos, favorecendo a isonomia de tratamento de situações semelhantes.

Como a cláusula compromissória é um negócio jurídico processual ou, como prefere Antonio do Passo Cabral, uma convenção processual, as classificações aplicáveis a esta são também aplicáveis à referida cláusula. Dessa forma, merecem ser analisadas algumas das principais classificações apontadas pelo autor, que levam em conta aspectos como o tipo de efeito produzido e o momento de elaboração.

3.4.1 Acordos obrigacionais e acordos dispositivos

Na tradição germânica, é comum a classificação dos acordos processuais em dois grupos: aqueles que impactam o rito processual, chamados de “acordos de disposição” ou “acordos dispositivos”, e aqueles que possuem efeitos abdicativos, chamados de “acordos obrigacionais” ou “acordos de obrigação”81. Entende-se que a cláusula compromissória é espécie do segundo, isto é, um acordo de obrigação, por determinar a abdicação do acesso ao Poder Judiciário para dirimir determinadas questões.

As convenções dispositivas são negócios sobre o procedimento. Modificam regras procedimentais e possuem como exemplo maior os negócios sobre distribuição do ônus da prova. Já os acordos obrigacionais não alteram o procedimento. Estabelecem, entretanto, um fazer ou não fazer para um ou para ambos os convenentes. As partes estipulam

80GOMES, Técio Spínola. A transmissibilidade da cláusula arbitral diante da cessão de posição contratual.

Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 5, ano 2, p. 71, out./dez. 2015.

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determinada forma de agir no processo, ou de não agir. “São negócios jurídicos sobre situações jurídicas (ou sobre sua exercibilidade), como o pactum de non petendo”82.

Parte da doutrina, entretanto, só considera como convenções de natureza processual os acordos dispositivos. Entendem que os acordos obrigacionais teriam natureza de direito material. Argumenta-se que, se os acordos obrigacionais fossem considerados processuais, a teoria geral do processo seria pautada pelo Direito Civil.

Antonio do Passo Cabral discorda desse posicionamento, proveniente de doutrinadores alemães. Afirma ele que a obrigação de fazer ou não fazer não é do domínio exclusivo do direito privado e que “o âmbito do Direito onde o fazer ou não fazer dos acordos obrigacionais terá que ser respeitado é irrelevante para a caracterização da natureza do acordo83.

3.4.2 Acordos prévios ou pré-contratuais

As convenções processuais podem versar sobre situações presentes (constituídas) ou futuras (constituendas). Dessa forma, podem ser prévias ou incidentais ao processo. A cláusula compromissória, entretanto, nunca será incidental, visto que a Lei Brasileira de Arbitragem restringiu-a, no artigo 4º, caput, a “litígios que possam vir a surgir”, isto é, futuros.

As convenções prévias são aquelas celebradas antes da instauração de um processo e que dispõem sobre técnicas de antecipação procedimental. Trata-se de expressão da liberdade convencional, pois tais convenções podem prever cláusulas relativas à solução futura de um litígio ainda em estágio potencial84.

As convenções pré-processuais tendem a ser as mais utilizadas na prática, porque antes do processo (e muitas vezes antes do próprio conflito) os ânimos ainda não estão tão acirrados. No momento da contratação, sem que ainda tenha havido qualquer litígio, é mais fácil haver acordo entre os contraentes, de forma a estipularem consensualmente a melhor forma de condução de um processo futuro e hipotético.

Tradicionalmente, a doutrina foi refratária às convenções sobre situações processuais futuras. Para essa corrente, a previsibilidade só existiria se se tratasse de

82CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 73. 83Ibid., p. 92-93.

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