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CARÁTER INTUITU PERSONAE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

No Direito Romano, vigorava o princípio da intransmissibilidade das obrigações, pois estas eram consideradas vínculos pessoais: uma vez constituídas, tornavam-se inseparáveis do indivíduo96. Na contemporaneidade, alguns doutrinadores transpuseram semelhante raciocínio à cláusula compromissória, de modo que esta seria intransmissível97.

James M. Hosking não compartilha dessa opinião. Afirma que os autores que identificam pessoalidade em uma convenção arbitral, como Girsberger e Hausmaninger, estão desatualizados em relação à práxis negocial e são muito restritivos em relação à cessão de direitos e deveres contratuais98.

Nos Estados Unidos, a cessão de direitos (assignment of rights), para ser válida, deve atender os requisitos da seção 136 da Law of Property Act 1925, quais sejam: a cessão deve ser absoluta, realizada por escrito pelo cedente, com expressa notificação do cedido99. Os problemas envolvendo terceiros na arbitragem (como o cessionário) devem ser solucionados com base nas políticas pró-arbitragem do FAA (Federal Arbitration Act) e na lei aplicável ao contrato (general contract law), cujo regramento é o de que o cessionário passa a ocupar a posição jurídica do cedente em todos os termos do contrato, submetendo- se, portanto, ao dever de observar a cláusula arbitral100.

Hosking afirma que existem várias correntes quanto à transmissibilidade da convenção arbitral nos casos de cessão. Tratando da cessão de direitos (o que, ao nosso ver, poderia ser equiparado à cessão de créditos), afirma que existem autoridades no assunto que defendem que a cessão de direitos (assignment of rights) não tem o condão

96MONTEIRO, Washington de Barros, MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito civil. v. 4, 36. ed. São

Paulo: Saraiva, 2011, p. 267.

97Girsberger e Hausmaninger afirmam que existem casos em que o cessionário não se vincula à convenção

arbitral e isso ocorre quando é claro que a convenção arbitral ou o receptum arbitri são pessoais: “Furthermore, an assignee has been considered not to be bound when it is clear that either the arbitration agreement or the receptum arbitri is personal in character.” Cf. GIRSBERGER, Daniel; HAUSMANINGER, Christian. Assignment of Rights and Agreement to Arbitrate. Arbitration International, v. 8, iss. 2, p. 125, jun. 1992.

98HOSKING, James M. The Third Party Non-Signatory's Ability to Compel International Commercial Arbitration:

Doing Justice Without Destroying Consent. Pepperdine Dispute Resolution Law Journal, v. 4, iss. 3, p. 494, 2004. Disponível em: <http://digitalcommons.pepperdine.edu/drlj/vol4/iss3/6>. Acesso em: 15 fev 2018: “However, these authorities seem out of step with common business practice and are probably of little real limitation on the assignment of rights and duties to arbitrate.”

99Ibid., p. 492. 100Ibid., p. 494.

de transferir uma obrigação (duty), de forma que o dever de arbitrar (the duty to arbitrate) não seria transferível nesse tipo de cessão101.

Em nossa opinião, essa vedação só seria aplicável aos casos de cessão de crédito, pois só envolvem a transmissão de posições jurídicas ativas. Em se tratando de cessão de contrato, óbices não há para que “o dever de arbitrar” seja transferido, pois na cessão de contrato o bloco de relações jurídicas titularizadas pelo cedente é transferido, contendo tanto direitos quanto deveres, posições jurídicas ativas e passivas.

Traçar a previsão de que a cláusula compromissória é intuitu personae é medida fundamental quando não se intenta transferi-la em caso de eventual cessão de posição contratual, principalmente nos casos em que as partes antecipam a preferência pela arbitragem, isto é, nos casos de elaboração de cláusulas compromissórias. Caso contrário, não será possível concluir pela pessoalidade da cláusula.

No silêncio das partes, não se pode concluir que uma desejou tornar a cláusula compromissória pessoal e a outra não, pois para estipular a pessoalidade da cláusula deve existir um “encontro de mentes”, conforme artigos 4º, do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), e 8º, do CISG (Convenção das Nações Unidas para a Venda Internacional de Mercadorias).

Esses dispositivos estabelecem que, ao determinar o sentido atribuído aos termos do contrato, será dada preferência à intenção comum das partes. Como consequência disso, um contrato pode ter um significado que difere tanto do sentido literal do idioma utilizado quanto do significado que uma pessoa razoável lhe atribui, desde que esse significado diferente tenha sido comum às partes no momento de conclusão do contrato.

Assim, nos casos em que o próprio contrato cedido apresenta uma cláusula sobre eventual cessão de posição contratual, supõe-se que a intenção comum das partes previa a possibilidade de alteração subjetiva do contrato. Deste modo, verificada essa intenção, a cláusula compromissória não poderá ser considerada personalíssima.

Se as partes, em um contrato, nada dispõem sobre o desejo de tornar a cláusula compromissória intuitu personae, esta poderá ser transferida na cessão de contrato. Para comprovar que a intenção das partes era diversa, isto é, que elas almejavam tornar a

101HOSKING, James M. The Third Party Non-Signatory's Ability to Compel International Commercial

Arbitration: Doing Justice Without Destroying Consent. Pepperdine Dispute Resolution Law Journal, v. 4, iss. 3, p. 494, 2004. Disponível em: <http://digitalcommons.pepperdine.edu/drlj/vol4/iss3/6>. Acesso em: 15 fev 2018: “However, precedents suggest there are three possible qualifications to this. First, there are authorities supporting the proposition that a mere assignment of a contractual right alone does not carry with it the obligation to fulfill duties. The duty to arbitrate is considered one such nontransferable duty.”

cláusula arbitral personalíssima, seria necessário demonstrar que a identidade do outro convenente foi decisiva para a celebração da cláusula compromissória.

A parte cedida, contrária à transmissibilidade da cláusula arbitral, teria que comprovar que se baseou na boa fé e na lealdade processual do cedente para celebrar a referida convenção arbitral. Dessa forma, o árbitro poderia entender que aquele contrato, especificamente, inadmite o início de um procedimento arbitral com um terceiro. Além disso, o cedido teria que provar também que o cessionário não compartilha dessas qualidades102.

102FOUCHARD, Philippe; GAILLARD, Emmanuel; GOLDMAN, Berthold. Fouchard, Gaillard, Goldman on a

4. FATORES A SEREM CONSIDERADOS NA RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DA