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O PROBLEMA DA FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

4. FATORES A SEREM CONSIDERADOS NA RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DA

4.3 O PROBLEMA DA FORMA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

A forma do ato jurídico indica o meio pelo qual ele se concretiza. A forma é, portanto, o meio utilizado pela vontade para que seja objetivamente considerada. Quando se trata da forma como requisito do negócio jurídico, a noção se relaciona ao próprio instrumento que expressa a declaração de vontade. Neste sentido, Caio Mário da Silva Pereira a define como "meio técnico, que o direito institui, para a declaração da vontade"147.

Em qualquer contrato, bem como na celebração da cláusula compromissória, a forma é relevante para atribuir ao ato jurídico uma esfera de segurança adequada. No Canadá, Ejan Mackaay e Stéphane Rousseau afirmam que as formalidades podem servir para que os contratantes reflitam (formalidade ad solemnitatem) ou para permitir que pensem sobre uma prova, no caso do litígio (formalidade ad probationem)”148.

A doutrina brasileira também reconhece a referida dicotomia entre as funções constitutiva e probatória da forma, nas figuras da forma ad solemnitatem e ad probationem, distinguindo os negócios para cuja realização a lei prescreve determinada formalidade como sendo de sua substância, sem a qual não pode produzir efeitos, daqueles para os quais a formalidade serve como prova somente.

A formalidade do primeiro tipo reforça o consentimento e serve para garantir que o consentimento exprima a verdadeira vontade, informada e refletida, do interessado, que, assim, não se comprometerá rapidamente. Indica, entretanto, um acentuado paternalismo do legislador, pois: “presume-se que o ou os contratantes ter-se-iam imposto a formalidade para evitar um compromisso "imediato" que, em seguida, lamentariam”149. Para Clóvis Beviláqua, porém, não cabe a distinção entre os dois tipos de forma, pois ambas resultariam, ao final, em não produção de efeitos jurídicos do ato jurídico analisado150.

146GUERRERO, Luis Fernando. Convenção de arbitragem e processo arbitral. 2008. 201f. Dissertação

(Mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, p.157.

147 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 376. 148MACKAAY, Ejan; ROUSSEAU, Stéphane. Análise econômica do direito. Tradução: Raquel Sztajn. 2. ed.

São Paulo: Atlas, 2015, p. 251

149Ibid., p. 251.

150 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1975, p. 242 apud DONEDA,

Danilo. Sobre o princípio da liberdade de forma. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/8893-8892-1-PB.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2018, p. 6.

Antonio do Passo Cabral afirma que as razões que levam o legislador a prever a necessidade de forma escrita normalmente são de “índole protetiva”. Nos contratos de adesão, por exemplo, “se exige que as convenções processuais constem destacadamente de termo em apartado”151.

Conquanto alguma formalidade seja necessária para a elaboração da convenção de arbitragem (artigo 4º, § 1º da Lei nº 9.307/1996), que deve ser escrita, a legislação nada dispõe sobre a necessidade de “reescrevê-la” em caso de cessão de contrato na forma oral. Assim, o vácuo legislativo abre espaço para inúmeras discussões sobre quais formalidades deveriam ser atendidas para que ocorresse uma cessão válida da convenção arbitral, em conjunto com o contrato principal.

4.3.1 A questão da forma escrita da cláusula compromissória na cessão de contrato

A maioria das legislações domésticas sobre arbitragem, bem como convenções internacionais, requer que a convenção arbitral seja escrita. O objetivo da formalidade é assegurar que a parte que deseja celebrar uma convenção arbitral esteja completamente ciente do fato de que está concordando em submeter a disputa à arbitragem, em detrimento da sujeição ao juízo estatal.

O ordenamento jurídico pátrio, entretanto, não positivou a figura da cessão de contrato, de forma que não existe um requisito formal específico a ser cumprido para que a cessão seja válida. Registre-se que vigora no ordenamento jurídico pátrio a liberdade das formas, modelo extraível dos artigos 104, III, 107 e 166, IV e V, todos do Código Civil, bem como dos artigos 188 e 277 do CPC/2015152.

Sobre o tema, valendo-se das lições de Luiz Roldão de Freitas Gomes, Antonio do Passo Cabral afirma que a doutrina civilista observa que, na evolução histórica do contrato desde o direito romano, as formas e os ritos foram perdendo sua importância. Com a influência dos canonistas da Idade Média, passou-se a valorizar muito mais o compromisso assumido pela palavra das partes (a intenção de se comprometer) do que a forma pela qual se exteriorizava o acordo153.

151CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 289. 152Ibid., p. 287.

Para o caso específico da cessão de contrato, Técio Spínola Gomes154 dispõe que o Brasil adotou o entendimento esposado no artigo 425 do Código Civil Português de 1966155, conforme o qual a cessão de contrato adotará a forma compatível com o tipo de negócio cedido. Assim, caso o contrato tenha forma livre, sua cessão também poderá se dar de forma livre.

Um contrato de prestação de serviço, por exemplo, pode ser escrito ou oral, pois sua forma é livre. Caso seja escrito, uma das partes poderá realizar a cessão de posição contratual tanto na forma escrita quanto na forma oral. Isso seria permitido pois o tipo de negócio que serve de base para a cessão poderia ter adotado qualquer uma dessas duas formas. Dessa forma, independentemente de o contrato cedido ter sido celebrado por escrito, forma diversa poderia ser adotada na sua cessão.

Dúvida surge quando existe uma cláusula compromissória no contrato a ser cedido. As formalidades a serem atendidas nessa situação específica não são previstas pela legislação brasileira e o Código Civil Português também não fornece solução exata. Nesse sentido, Técio Spínola Gomes entende que tanto o artigo 4º, § 1º, da Lei nº 9.307/1996, que exige a forma escrita da convenção arbitral, quanto o artigo 166, IV, do CC/2002, que prescreve a nulidade do negócio que não adote a forma exigida em lei, devem ser observados156.

Com base na análise dos referidos dispositivos, conclui que, caso a cláusula compromissória não seja reproduzida por escrito no contrato de cessão de posição contratual, será considerada nula. Se, por exemplo, um contrato de prestação de serviço for celebrado na forma escrita e contiver uma cláusula compromissória escrita, a parte cedente não poderá realizar a cessão de posição contratual na forma oral, ainda que o contrato de prestação de serviço tenha forma livre para circular.

Caso a parte realize a cessão de contrato na forma oral, o autor considera que a cláusula compromissória será nula, por violar o artigo 4º, § 1º da Lei n. 9.307/1996157. Considera-se, entretanto, que referido posicionamento é equivocado, pois, no caso particular da cessão de posição contratual, o requisito formal só precisa ser cumprido no

154GOMES, Técio Spínola. A transmissibilidade da cláusula arbitral diante da cessão de posição contratual.

Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, v. 5, ano 2, p. 72, out./dez. 2015.

155“A forma de transmissão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios de vontade e as relações

entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão”.

156GOMES, Técio Spínola. Op., cit., p. 72. 157Ibid., p.72.

contrato cedido, isto é, a cláusula só precisa ser escrita uma vez, sendo desnecessário reproduzi-la por escrito, novamente, no contrato de cessão.

Em países de common law, os defensores da “transferência automática da cláusula compromissória”158 defendem que o requisito da forma escrita se aplica apenas à celebração inicial da convenção de arbitragem, mas não a qualquer subsequente transferência dela159.

Ao contrário de uma parte que celebra uma convenção de arbitragem recém-criada, o cessionário presumidamente está suficientemente ciente das cláusulas do contrato ao qual deseja aderir na cessão de posição contratual. Quando já existe a convenção arbitral prevista por escrito no contrato a ser cedido, o cessionário tem a possibilidade de indagar sobre a existência de uma cláusula compromissória e, claramente, ler o conteúdo do contrato ao qual vai se vincular.

Neste sentido, Girsberger e Hausmaninger160 afirmam que, ao contrário de uma parte que entra em uma convenção de arbitragem recém-criada, o cessionário está suficientemente ciente no caso de uma transferência de cláusula compromissória, porque ele tem a possibilidade de indagar sobre a existência de uma cláusula de arbitragem. Além disso, não é crível pensar que uma pessoa que almeja substituir outra em uma dada relação contratual não lerá o contrato ao qual se vinculará e no qual está presente a cláusula compromissória.

Entende-se, a partir do ponto referido, que a exigência de forma escrita da cláusula compromissória na cessão de posição contratual é uma formalidade apenas ad

probationem. Explica-se: não se deve confundir a forma compreendida como elemento

essencial para a validade do acordo processual (negócio jurídico processual) com a comprovação da convenção já celebrada161.

158O debate acerca da transferência da cláusula compromissória ganha contornos diferentes no Brasil e em

países de common law. No Brasil, discutem-se quais formalidades devem ser adimplidas para que haja a transferência válida. Em países de common law, debate-se a ocorrência de transmissão automática versus não automática da cláusula arbitral (o que implica a necessidade de duplo consentimento, um para a cessão do contrato e outro para a transmissão da cláusula compromissória).

159GIRSBERGER, Daniel; HAUSMANINGER, Christian. Assignment of Rights and Agreement to Arbitrate.

Arbitration International, v. 8, iss. 2, p. 142, jun. 1992: “Supporters of an automatic transfer argue in return that

the in writing requirement applies merely to the initial conclusion of the arbitration agreement, but not to any subsequent transfer of it, and that its purpose does not require protection of the assignee.”

160Ibid., p. 143: “Unlike a party entering into a newly created arbitration agreement it is argued, an assignee is

sufficiently warned in the case of a transfer of an already existing arbitration agreement, because he has the possibility to inquire about the existence of an arbitration clause”.

Claramente, a documentação da cláusula compromissória por escrito facilita a prova de sua celebração e do consentimento das partes, mas isso não torna a forma necessária para conferir-lhe validade, na cessão de posição contratual, visto que já foi previamente escrita no contrato cedido. É desnecessário, portanto, reescrevê-la apenas para que se opere a sua transferência, junto com o contrato cedido.