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As ameaças à segurança intensificaram-se no começo do século XXI com impacto sobre a concepção e as exigências da transparência e sobre a determinação dos seus limites. O segredo é um dos fundamentos do poder. Por outro lado, a transparência é uma exigência das democracias modernas.

No espírito do cidadão moderno, a transparência não pode ser completa sem uma política de comunicação adequada. É, por isso, importante para os Serviços de Informações um rigoroso domínio sobre a área da comunicação numa altura em que estão em permanente escrutínio público. Os serviços tornaram-se, como nunca antes tinha acontecido, num foco de interesse e debate público. Os serviços devem, pois, explicar qual é a sua vocação para mobilizar a opinião e atrair para si os melhores elementos de uma nação. A comunicação deve servir, igualmente, para explicar o modo como os fundos públicos estão a ser usados e qual o grau de eficácia do investimento feito. No entanto, o segredo das actividades das agências de inteligência deve ser aceite tanto pelo público como pela Comunicação Social, já que é essencial para o sucesso das suas operações e para a segurança do país.

Em muitos países, o interesse dos políticos e dos parlamentares pela inteligência continua bastante marginal. Apesar da tradição e dos inúmeros sucessos dos serviços, as Informações em países como, por exemplo, Portugal sofrem de uma imagem bastante desfavorável e a sua importância não é devidamente valorizada.

A questão mais importante e polémica sobre a governabilidade democrática dos serviços de inteligência é o sigilo. É a questão mais importante, já que quanto maior o nível de sigilo, mais difícil se torna determinar e avaliar as características e desempenho dos serviços. Daí a questão que se levanta: como conciliar o conflito existente entre a necessidade premente de segredo na actividade de inteligência com a exigência de transparência das actividades estatais, própria de uma democracia? A dificuldade fundamental que a supervisão da inteligência coloca prende-se com o

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enigma de como fornecer controlo democrático de uma função governamental que é essencial para a sobrevivência e florescimento do Estado, mas que, em certa medida, deve operar num quadro de segredo justificável. No caso da segurança e inteligência, e ao contrário de muitas outras áreas da actividade governamental, é amplamente aceite que as comunicações oficiais e as operações só podem ser transparentes de forma limitada, caso contrário os activos, fontes e operações relevantes serão comprometidos. O necessário secretismo que envolve segurança e a inteligência proporciona o risco de incentivar e fornecer cobertura para práticas ilegais e eticamente duvidosas sobre o envolvimento das agências. O próprio processo democrático pode ser subvertido por infiltração de partidos políticos, sindicatos ou da própria sociedade civil. O tema é, sem dúvida, polémico, tendo em consideração certos domínios dentro da comunidade de inteligência e das suas actividades as quais devem ser mantidas em segredo, a fim de evitar comprometer as operações e as vidas dos oficiais de inteligência e das suas fontes. Por outro lado, o sigilo é antitético à governança democrática, impedindo a plena responsabilidade e proporcionando um terreno fértil para o abuso de poder, ilegalidade, e para uma cultura de impunidade. Certo é que o sigilo é uma característica intrínseca dos serviços de inteligência por causa da natureza do seu mandato e funções. Os serviços estão, naturalmente, preocupados com as ameaças convencionais e não-convencionais à segurança nacional a partir de países hostis e de organizações terroristas e criminosas. O sigilo dá aos Serviços de Informações uma vantagem competitiva na luta contra estas preocupações. Uma desmesurada transparência iria colocá-los em profunda desvantagem perante estes perigos33.

Como observado, os Serviços de Informações têm por finalidade proteger o Estado, os cidadãos e a ordem democrática, recebendo para isso recursos e poderes especiais. Têm, ainda, o direito que a legislação lhes confere para adquirir informações confidenciais através da vigilância, interceptação de comunicações e outros métodos que violam o direito à privacidade, empreender operações destinadas a combater as

33 NATHAN, Laurie - Intelligence Transparency, Secrecy, and Oversight in a Democracy in BORN, Hans;

WILLS, Aidan. Overseeing Intelligence Services - A Toolkit. The Geneva Centre for the Democratic Control of Armed Forces (DCAF), Geneva, 2012, p.51.

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ameaças à segurança nacional e operar com um alto nível de sigilo. Os Serviços de Informações têm, igualmente, o poder e a capacidade para atingir a segurança dos indivíduos e subverter o processo democrático, podendo violar os direitos humanos e interferir em actividades políticas legítimas. Podem, também, intimidar os adversários do governo, criar um clima de medo e fabricar ou manipular a inteligência a fim de influenciar decisões de governo e a opinião pública. Tendo em conta estes perigos, os países democráticos são confrontados com o desafio de construir regras, controlos e mecanismos de supervisão, destinados a minimizar o potencial para condutas ilegais e abuso de poder e garantir que os serviços de inteligência cumpram as suas responsabilidades de acordo com a Constituição e a legislação. Estes objectivos aplicam-se, igualmente, aos órgãos de controlo e supervisão que regem outras organizações estatais. Todavia, estes propósitos são, na verdade, difíceis de alcançar no mundo da inteligência devido ao elevado nível de secretismo que envolve os seus serviços e as suas operações. O sigilo inibe a monitorização e avaliação por organismos de supervisão, tornando mais fácil para os oficiais de inteligência a ocultação de uma má-conduta. Assinale-se, entretanto, que o sigilo excessivo dá origem a suspeita e medo das organizações de inteligência, reduzindo o apoio público para eles. Numa democracia, contrariamente ao que sucede num Estado autoritário, as agências de inteligência devem contar com a cooperação pública. O fornecimento de maiores informações sobre os serviços poderia elevar o seu perfil de forma positiva, reduzir a apreensão e medos induzidos pelo sigilo, melhorar a cooperação com os serviços e, assim, aumentar a sua eficácia.

A mais importante e polémica questão sobre a governança democrática dos Serviços de Informações é a do sigilo. É, de facto, a questão mais relevante, porque quanto maior o nível de sigilo, mais difícil se torna verificar e avaliar as características e desempenho dos serviços. Na ausência de informações adequadas é impossível para os organismos de supervisão determinar e discutir de forma significativa o papel e a orientação dos serviços. Mais especificamente, o sigilo é necessário a fim de evitar que os alvos de operações de inteligência se dêem conta de que estão a ser motivo de vigilância, para impedir que os adversários aprendam sobre os métodos utilizados pelos serviços, para proteger as vidas dos oficiais de inteligência e informantes, para

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garantir a segurança das pessoas muito importantes que estão sob a protecção dos serviços de inteligência, para manter a confidencialidade das informações fornecidas pelos serviços secretos estrangeiros e para evitar o comprometimento de várias formas pelos serviços de inteligência rivais. Enquanto esses requisitos de sigilo são razoáveis, os serviços de inteligência tendem a ter uma atitude excessiva e às vezes obsessiva em relação a esse mesmo sigilo. Argumentam que a transparência em áreas não-sensíveis levará inexoravelmente à abertura em áreas sensíveis, com resultados terríveis. Consequentemente, desenvolvem sistemas internos, procedimentos e regras que evitam qualquer tipo de frouxidão ou flexibilidade em relação ao sigilo.

Os serviços de inteligência mostram-se por vezes relutantes em divulgar informações até mesmo aos órgãos de supervisão parlamentar. Os serviços afirmam que os parlamentares não são treinados ou disciplinados em termos de manutenção da confidencialidade, havendo o risco de serem reveladas informações confidenciais e uso indevido de informações de inteligência para fins político-partidários34. Na

verdade, existe mesmo um conflito entre o direito à informação e a necessidade de proteger as informações secretas. Certo é que à custa de tanto falarmos em transparência acabamos por esquecer o segredo.

A supervisão e o controlo dos Serviços de Informações sempre foi uma das questões mais debatidas no estudo do seu regime jurídico. Existem três modos básicos de controlar um Serviço de Informações: através do Executivo, do Parlamento e do poder judicial. O grande paradoxo da regulação geral dos Serviços de Informações é que o seu funcionamento deve ser secreto, todavia, deve estar regulado e assegurado pelas instituições públicas. Inevitavelmente, a necessidade de conduzir as actividades sigilosamente face à gestão das actividades de inteligência resulta na existência de uma tensão entre sigilo e controlo efectivo.

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IV.1. O equilíbrio entre sigilo e transparência

Para as agências de inteligência, o domínio da comunicação tornou-se fundamental. Em particular, desde o 11 de Setembro de 2001 as agências de inteligência passaram a estar sob permanente escrutínio popular. Nos nossos dias, os serviços tornaram-se um tópico de interesse e debate público. A necessidade de sigilo que está associada à actividade de inteligência tende a gerar muitas fantasias, sendo necessário, por isso, projectar alguma luz sobre o que pode fornecer a inteligência. Nesse sentido, os serviços devem explicar devidamente qual o seu papel a fim de mobilizar a opinião pública e atrair para si os melhores elementos da nação. É, igualmente, necessário explicar como os fundos públicos são usados e qual a eficácia desse investimento. Todavia, o segredo das actividades das agências de inteligência deve ser aceite pelo público e, também, pela Comunicação Social, por ser essencial para o sucesso das suas operações e para a segurança do país. Por tudo isto, parece ser da mais elementar conveniência a criação de um relatório anual das actividades desenvolvidas para uma efectiva avaliação das ameaças e as correspondentes acções dos serviços. Este tipo de relatório, respeitando naturalmente o equilíbrio entre transparência e sigilo, realçaria a qualidade de intervenção dos serviços sem pôr em causa a sua acção ou revelar actividades sensíveis.

Para Pichevin35, “o debate segredo/transparência é um debate sem fim. O

dilema situa-se na determinação do que deve imperativamente ser guardado como segredo e o que pode ser apresentado ao público. Nas nossas sociedades democráticas, a relação com a confidencialidade é compreendida pelo público. Para certas profissões, a obrigação do segredo suscita a confiança”. As sociedades livres necessitam de inteligência e a sua existência pressupõe a presença de sigilo, desde que a devida proporção seja respeitada, de modo a que a sua falta não resulte numa perda de confiança por parte da sociedade. A democracia exige uma absoluta transparência a fim de que o cidadão possa esclarecidamente aceitá-la ou rejeitá-la.

35 PICHEVIN, Thierry - Ethique Et Renseignement. La Difficile Cohabitation Du Bien Et De La Necessite.

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Nos países democráticos, o debate sobre o sigilo e a transparência está ainda por ser resolvido de forma permanente. Se o pêndulo balanceia mais num sentido ou noutro irá depender das circunstâncias políticas e da segurança do país, do comportamento dos serviços de inteligência, das perspectivas do Executivo, do parlamento e do público. No entanto, no seu sentido formal, o debate é resolvido através de legislação que trate do acesso e da protecção das informações em poder do Estado36. Em democracias consolidadas, como os Estados Unidos, o Reino Unido e o

Canadá este conflito é resolvido através de mecanismos eficientes de fiscalização e controlo interno e externo, sendo este exercido pelo Poder Legislativo. O modo como determinada sociedade lida com o dilema transparência versus sigilo, relativamente aos procedimentos e atribuições dos serviços de inteligência, é um indicador do grau de desenvolvimento da democracia nessa sociedade37.

36 Intelligence Transparency, Secrecy, and Oversight in a Democracy. (Nathan, in Born, 2012: p 54). Overseeing Intelligence Services - A Toolkit. The Geneva Centre for the Democratic Control of Armed

Forces (DCAF), Geneva, 2012.

37 GILL, Peter - Policing Politics: Security Intelligence and the Liberal Democratic State. Londres, Frank

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