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CAPÍTULO VI O FENÓMENO JIHADISTA E O SEU IMPACTO NA RESPOSTA

VI.1.7. A Internet e a ameaça do ciberterrorismo

Algum tempo já passou sobre a escassez de meios de difusão de informação e propaganda de que os grupos jihadistas dispunham, e que muito limitava o seu âmbito de intervenção. Na década de 90 do passado século, os meios de propaganda ao serviço do jihadismo global mostravam, ainda, alguns constrangimentos de natureza tecnológica que impunham limitações na difusão de dados. Ainda assim, tal não impediu que uma maior notoriedade de Bin Laden, fruto de algumas entrevistas por si concedidas a cadeias de televisão, desse lugar a um considerável incremento dos donativos colocados à disposição da Al Qaeda e também do número de voluntários destinados à jihad. Estes factos terão, seguramente, contribuído para a necessidade de lançar a organização para uma nova dimensão informativa das suas actividades. Gradualmente, os jihadistas foram descobrindo e aproveitando as potencialidades propagandísticas da Internet. Outra vantagem oferecida pelo ciberespaço residia na economia de custos, para além da garantia do anonimato das redes de distribuição, de uma maior difusão e acessibilidade, e, ainda, da possibilidade de obtenção de todo o

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tipo de informação em tempo real97. Também o uso das novas tecnologias de

comunicação deu lugar a uma verdadeira revolução no panorama do jihadismo internacional, afirmando-se como uma ferramenta essencial à disposição das organizações jihadistas facilitando extraordinariamente uma comunicação segura entre os elementos terroristas que permite tanto acções de recrutamento e radicalização como elevados níveis de mobilização a par da divulgação de técnicas radicais.

O 11-S acabaria por marcar o início de um novo ciclo na estratégia propagandística da Al Qaeda. Aqueles dramáticos acontecimentos fariam de Bin Laden e da sua organização objectos de interesse mundial conferindo-lhes um lugar de destaque nos meios informativos internacionais, e que foi eficazmente aproveitado para o lançamento do apelo à jihad global. Depois do 11-S, o envio de material propagandístico para destacados canais de televisão por satélite passou a representar a forma habitual de a Al Qaeda comunicar a nível global. Até à sua confiscação, em 2002, a Al Qaeda teve o seu próprio projecto denominado Al-Neda, que serviu de modelo de gestão de uma Web jihadista. Para além de um formato apelativo, esta página estava dotada de uma ampla gama de recursos, entre os quais a presença de fóruns para interacção com a comunidade jihadista98. As agências de segurança têm,

entretanto, conseguido eliminar importantes Web jihadistas, através de uma actividade permanente de busca e destruição99.

Todo este poder comunicativo é particularmente relevante sob o ponto de vista prático, já que facilita a transmissão de experiências, tácticas, fórmulas para o fabrico de explosivos e directrizes estratégicas. Todavia, é na sua capacidade para alimentar ideológica e afectivamente a nova geração jihadista que o seu principal poder reside, e será na produção propagandística que, garantidamente, o movimento jihadista continuará a investir grande parte dos seus recursos100. Definitivamente, “o progresso

97 IBÁÑEZ, Luis de la Corte; JORDÁN, Javier. La yihad terrorista. Madrid, Editorial Síntesis, 2007, 98

Ulph, 2005, cit. IBÁÑEZ, Luis de la Corte; JORDÁN, Javier. La yihad terrorista. Madrid, Editorial Síntesis, 2007, p. 221.

99 Ibáñez e Jordán, op. cit., p. 221. 100

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do terrorismo está intimamente ligado à expansão do sistema mediático mundial. A propagação mediática do terror é tão importante quanto as próprias acções”101.

Apesar da sua visão de natureza medievalista, organizações como a Al Qaeda ou o Daesh estão verdadeira e solidamente rendidas aos benefícios da era digital. Em muitos sentidos, a Al Qaeda ou o Daesh reconhecem e exploram, a par de outras organizações terroristas, as importantíssimas vantagens instrumentais que o ciberespaço pode oferecer no que diz respeito ao significativo aumento da sua capacidade ofensiva em termos de inteligência, vigilância e reconhecimento. Esta abordagem multidimensional das organizações jihadistas tem-lhes permitido manter a sua estrutura de trabalho em rede com múltiplos nódulos e uma interminável capacidade de actuação, ao mesmo tempo que se protege a si mesma de eventuais infiltrações e detecções através do anonimato tecnológico e da hipermobilidade. Este tipo de ambiente oferece inúmeras vantagens operativas no alcance de objectivos tácticos e estratégicos. A um nível particularmente decisivo, o ciberespaço tem permitido ao movimento jihadista sobreviver mesmo quando a sua acção está sujeita a uma maior pressão e às mais rigorosas medidas de segurança implantadas pelos diversos Estados, tendo sabido recuperar a sua eficácia seja em que lugar for por via de uma constante omnipresença ciberespacial. Esta sua relação com as novas tecnologias da informação e com o ciberespaço tem permitido às organizações terroristas abranger todo o espectro sobre as suas necessidades operativas defensivas e ofensivas. Em termos de comunicação entre redes, estas organizações empregam uma grande variedade de métodos simples e engenhosos, ao mesmo tempo que as esferas superiores de comando revelam um profundo domínio das técnicas de vigilância e das técnicas de inteligência ocidental. Algumas dessas técnicas vão desde a encriptação de ficheiros de ordenador até à utilização de cartões telefónicos não identificáveis. O ciberespaço tem servido, igualmente, como importante difusor da propaganda das organizações jihadistas, que serviu já para demonstrar a sua capacidade ofensiva em termos de vigilância e reconhecimento de objectivos102.

101 BENOIST, Alain de. “Guerra Justa”, Terrorismo, Estado de Urgência e “Nomos da Terra”. A actualidade de Carl Schmitt. Amadora (Lisboa), Antagonista, 2009, p. 80.

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A Internet constitui nos nossos dias o principal meio de comunicação a nível mundial. De igual modo, o emprego deste meio por parte das organizações terroristas vai muito além do imaginável. Trata-se, pois, de um instrumento essencial do movimento jihadista global103. Funciona como veículo de propaganda e obtenção de

informação, assim como meio de recrutamento e mobilização, de ataque contra redes computorizadas fornecedoras de serviços públicos, como, por exemplo, sistemas financeiros, aeroportos e de segurança, de financiamento, planeamento e coordenação das suas actividades e, ainda, como forma de comunicação. Tudo isto num ambiente insuficientemente controlado pelas forças antiterroristas, já que a cada revés provocado por estas, sucede uma resposta adaptativa das organizações terroristas. Não é de estranhar que a Internet seja cada vez mais utilizada pelos jihadistas que, inclusivamente, recorrem a ela para a criação de fóruns e para a reivindicação de atentados ou sequestros. Com meios como a Internet o mundo encontra-se agora mais ao alcance do terrorismo global salafista, onde a interacção para troca de informação e difusão de propaganda com países e regiões muito distantes entre si passou a ser possível.

As comunicações são um recurso de fundamental importância para os grupos terroristas, com particular destaque para o Daesh, algo que, todavia, não é novo. Ferramentas tecnológicas disponíveis mais recentemente afectaram a natureza das suas actividades alterando o modo como as ameaças se colocam às sociedades. O uso intensivo que o Daesh faz da ciber-jihad para o recrutamento, radicalização e disseminação da propaganda jihadista torna o seu combate e prevenção particularmente complexos para os serviços de inteligência. O termo ciber-jihad faz referência ao uso de ferramentas tecnológicas de última geração e do ciberespaço em ordem à promoção da jihad violenta contra os chamados inimigos do Islão. O Daesh faz uso de uma estratégia de propaganda bem-sucedida com base em mensagens adaptadas a públicos distintos. O seu alcance é global, visando atingir as populações mais vulneráveis. O grupo criou uma série de meios de comunicação que transmitem

Temas de Hoy, 2004, pp. 205-213.

103 IBÁÑEZ, Luis de la Corte; JORDÁN, Javier. La yihad terrorista. Madrid, Editorial Síntesis, 2007, pp. 218-

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produções de propaganda em vários idiomas e ajustadas ao contexto social e cultural de cada grupo-alvo104. O ciberespaço permite, ainda, a criação de fóruns onde grupos

de convertidos ao Islão formam ou integram redes através das quais difundem a sua interpretação rigorista do Islão. Dada a dificuldade ou mesmo incapacidade de entenderem os discursos que têm lugar nas mesquitas ou noutros locais de culto, estes convertidos recorrem à Internet como meio adequado à sua radicalização. No mesmo sentido, também as prisões se converteram em mais um importante veículo de radicalização jihadista e recrutamento.