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CAPÍTULO VII: SUPERVISÃO E CONTROLO DA ACTIVIDADE DOS SERVIÇOS DE

VII.1. O que é a supervisão da Inteligência

Como objectivos da supervisão e do controlo144 há que assinalar que tal consiste

em que a actividade de inteligência seja realizada com legitimidade e eficácia. Pretende-se, afinal, que esta actividade tenha em consideração a observância das disposições e das normas constitucionais, legais e regulamentares vigentes. Isto significa que a actividade se submeta plenamente à Lei e ao Direito e em respeito

144 Supervisão refere o acto de fiscalizar se os Serviços de Informações conduzem a sua actividade de

acordo com os princípios legais e constitucionais, sendo em primeiro lugar da responsabilidade do poder executivo. Por seu turno, controlo tem por finalidade a observação permanente dos actos quotidianos de gestão ou direcção de um Serviço de Informações, sendo atribuído aos poderes legislativo e judicial (Born, 2004).

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pelos direitos individuais. Quando se procura que a actividade de inteligência seja realizada com eficácia pretende-se, pois, que os objectivos por si perseguidos respeitem uma adequada relação entre os meios à disposição dos órgãos que desempenham a actividade, nomeadamente os fundos públicos, e o produto final obtido: a inteligência.

A criação de mecanismos de supervisão e de controlo constitui uma condição para assegurar que os Serviços de Informações servem os propósitos para os quais foram criados, sem serem alvo de instrumentalização ou interesses alheios ao seu mandato. De resto, é sabido que a falta de supervisão e responsabilidade política e legal facilita actividades ilícitas por parte das agências de inteligência. Este controlo garantirá que a inteligência actue em consonância com a democracia.

A natureza específica dos Serviços de Informações implica que sejam mantidos à margem do conhecimento público ao mesmo tempo que é assegurada a protecção dos seus funcionários, fontes de informação e actividades encobertas. Sem dúvida, o segredo constitui uma condição fundamental para a eficácia e credibilidade dos Serviços de Informações.

É sabido como o aumento dos poderes dos serviços de inteligência pode conduzir a medidas que interferem seriamente com os direitos dos indivíduos, bem como a crescente relevância da inteligência para acções judiciais e administrativas, o que implica que mecanismos de responsabilização adequados sejam postos em prática para evitar abusos dos direitos humanos.

Serviços de inteligência eficientes são vitais para a segurança e estabilidade nacional, tendo necessariamente de realizar a maioria das suas actividades em absoluto segredo, o que limita o espaço de manobra para a supervisão e responsabilidade democrática. A necessidade de tal supervisão e responsabilidade é particularmente notória no que às agências secretas diz respeito, que, muitas vezes, têm o potencial não só de pôr em perigo os direitos fundamentais e as liberdades dos cidadãos, como também de interferir nos processos de governação democrática. Na

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verdade, a supervisão da inteligência é um campo profundamente marcado por problemas e paradoxos.

A supervisão e o controlo da actividade de inteligência compreende mecanismos legais que estabeleçam as directrizes e os limites para a actuação dos Serviços de Informações, a par de instituições competentes para o exercício desse controlo. Atendendo aos níveis de controlo, observa-se que reside dentro dos próprios serviços a primeira instância de controlo, este de carácter interno. Neste âmbito, cabe aos dirigentes o papel fundamental de garantir que o pessoal de inteligência aja de conformidade com o estabelecido pelos preceitos legais e constitucionais. Ainda no âmbito interno ao poder executivo, há o controlo exercido por pessoas e instituições não pertencentes aos serviços, como é o caso dos Inspectores-gerais e do ministro ao qual se subordina o serviço.

Para além do controlo interno, existe, ainda, o externo, que é exercido pelos poderes legislativo e judiciário ou, até, por uma instituição independente. O controlo externo é o garante entre os poderes, com particular destaque para os sistemas presidencialistas. Há, ainda, a considerar o poder exercido pela sociedade civil, através das suas instituições, como seja a Comunicação Social, as associações e outro tipo de grupos organizados, e, finalmente, pelos próprios cidadãos. Neste último caso, num contexto de denúncia de irregularidades, recorrendo ao poder judiciário em defesa dos seus direitos. Temos, assim, que a responsabilização democrática dos serviços de inteligência exige um efectivo controlo executivo e supervisão parlamentar, bem como o escrutínio da sociedade civil.

Segundo Born, Johnson e Leigh145, o aprofundamento e o alargamento da

supervisão democrática da inteligência e serviços secretos são vistos como um desenvolvimento recente. Até à década de 1970, considerada a primeira década da supervisão da inteligência, a prestação de contas sobre agências secretas foi

145 BORN, Hans; JOHNSON K. Loch; LEIGH, Ian. Who’s Watching the Spies? Establishing Intelligence Service Accountability. Washington, D.C. Potomac Books, Inc., 2005.

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considerada uma prerrogativa dos executivos em quase todas as democracias146.

Representantes eleitos pelos parlamentos quase não tinham autoridade alguma sobre os assuntos da inteligência. Na ocasião, a supervisão baseava-se em decretos e ordens do Executivo, não propriamente em leis promulgadas pelos parlamentares. Esta situação mudou radicalmente em meados da década de 1970 quando, desencadeada por escândalos e violação de direitos civis básicos, os Estados Unidos promulgaram profundas reformas no que diz respeito à inteligência, incluindo um papel-chave para o Congresso a par de novas leis de modo a assegurar um controlo mais próximo das operações secretas. Não muito depois, foi a vez do Canadá e da Austrália. Este período de uma Nova Supervisão, que ganhou força na década de 1980, pode ser considerado como a segunda década de responsabilização da inteligência. Principalmente países anglo-saxónicos começaram a introduzir disposições democráticas para a supervisão de inteligência que estabeleceu um equilíbrio jurídico para a fiscalização, incluindo um papel significativo para o parlamento. O fim da Guerra Fria viu o início de uma terceira década da supervisão da inteligência - a década de 1990 - como parte da evolução mais ampla da democracia na Europa Central e Oriental.

Os regimes autoritários e pós-comunistas não foram os únicos a apresentar novas formas de supervisão democrática para os serviços de inteligência, na década de 1990. Até então, a supervisão da inteligência não conhecera um claro desenvolvimento nas democracias ocidentais. Como resultado de uma cultura política e administrativa, fortemente influenciada pela Guerra Fria, a maioria dos países exibiu um amplo consenso político admitindo que a segurança nacional seria melhor servida se os serviços de inteligência fossem deixados a si próprios. O fim da Guerra Fria criou uma janela de oportunidade para a expansão e aprofundamento da supervisão da inteligência, não só nos Estados em transição, como, também, nas democracias instaladas. A supervisão democrática da inteligência e serviços de segurança nos Estados em transição revela-se como uma preocupação constante. Na maior parte dos casos a supervisão da inteligência parece ser dominada pelo presidente ou pelo governo, que dá margem de manobra para a politização ou uso indevido dos serviços

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pelo Executivo. Na maioria dos Estados de transição, a neutralidade política dos serviços e o respeito pelos direitos humanos são codificados na legislação da inteligência e em códigos de conduta para os profissionais dos serviços. Órgãos de fiscalização parlamentar independente estão a ser criados. No papel, essas estruturas parecem muito promissoras, mas uma análise da realidade da supervisão da inteligência revela que muitos desafios estão ainda por ocorrer.

VII.2. A necessidade de controlo dos serviços de inteligência nos Estados