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A fragmentação do conhecimento é uma questão que tem preocupado pensadores, pesquisadores e educadores ao longo deste e de outros séculos. A atomização do saber no âmbito da escola se manifesta, principalmente, através de um ensino/aprendizagem descontextualizado e no tratamento dado às disciplinas e matérias, concebidas como blocos estanques, sem relação entre si. Esse modelo de escola excessivamente fechado em si mesmo e desligado da realidade tem sido constantemente questionado por educadores, que chegam mesmo a criticar a inutilidade daquilo que se aprende na escola. Além disso, esse modelo tem sido acusado de ser contraditório, uma vez que a escola tem o objetivo de formar o cidadão crítico, participativo, e inserido no contexto da sociedade, mas difunde um conhecimento centrado na memorização de conteúdos isolados. Dessa forma, as instituições escolares são acusadas de formar alunos e profissionais incapazes de articular seus conhecimentos, porque toda a sua aprendizagem realizou-se dentro de um currículo compartimentado67.

Para responder a essas críticas, as associações educacionais dos países estão discutindo reformas que resultem em uma educação mais aberta. Em seu livro Globalização e

interdisciplinaridade, Santomé (1998), nos relembra que estas mudanças na escola também são

influenciadas pelas políticas econômicas do nosso século, pois no decorrer da história, as políticas de reforma educacional e as modas pedagógicas estiveram freqüentemente impregnadas

66 Neste tópico seguimos de perto os argumentos apresentados no artigo Interdisciplinarité et enseignement/apprentissage du portugais langue maternelle et du français langue étrangère (DAMASCENO; LOPES, 2004).

67 A enquete realizada por Albuquerque (2001), no seu trabalho intitulado Prática de Ensino: o discente com a palavra, mostra que estudantes que haviam concluído seus cursos apontaram como um dos pontos negativos nos diversos cursos que concluíram, “a fragmentação dos conteúdos, e o fato de as disciplinas pedagógicas serem completamente desvinculadas dos cursos que realizaram”. Este fato trazendo dificuldade para a prática de ensino na ocasião dos estágios (trabalho apresentado na disciplina Metodologia do Ensino Superior (semestre 2001.1 – UFRN) do Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira).

dos discursos gerados pelas esferas da vida econômica e social. Santos (2001, p. 190) também nos lembra que até mesmo a universidade enfrenta a contradição entre a reivindicação da autonomia na definição dos valores e dos objetivos institucionais e a submissão crescente a critérios de eficácia e de produtividade de origem e natureza empresarial.

Na década de 60, por exemplo, as metáforas e comparações da escola com as fábricas eram freqüentes, e os modelos positivistas e tecnológicos passaram a fazer parte da organização escolar. Essas influências, que se acentuaram com a consolidação do capitalismo, determinaram que, cada vez mais, as instituições escolares passassem a ser vistas da mesma maneira que as empresas e mercados econômicos.

Os anos 80 são os anos da Globalização68 e os novos modelos de produção industrial, a

dependência das mudanças de ritmo nas modas e as estratégias de competitividade nas empresas “exigem das instituições escolares compromissos para formar pessoas com conhecimentos, destrezas, procedimentos e valores de acordo com esta nova filosofia econômica” (SANTOMÉ, 1998, p. 20).

As liberdades de mercados do mundo econômico globalizado vão assim, sendo transferidas para o âmbito da educação, reacendendo o debate sobre a definição de currículo e, portanto, das funções que o mesmo deve assumir em cada momento sócio-histórico concreto. A idéia da utilização de um currículo integrado e da interdisciplinaridade vai ganhando força, uma vez que as liberdades do mundo econômico, agora transferidas para a educação, exigem uma

68 A globalização é um fenômeno tão importante quanto a Revolução Industrial. Está baseada na concepção de uma

sociedade global. É a integração econômica e tecnológica dos países, a internacionalização da vida política, social, cultural, religiosa e militar. Os meios de comunicação e as redes informatizadas são um dos principais motores desta nova sociedade, pois entrelaçam todas as dimensões da sociedade. Para uma maior informação ver Santos (2001), Santomé (1998) e Nascimento Neto (1996).

pessoa com um novo perfil, mais adaptável às constantes mudanças do mundo globalizado, na medida em que:

O mundo atual precisa de pessoas com uma formação cada vez mais polivalente para enfrentar uma sociedade na qual a palavra mudança é um dos vocábulos mais freqüentes e onde o futuro tem um grau de imprevisibilidade como nunca em outra época da história da humanidade.

(SANTOMÉ, 1998, p. 45).

A educação interdisciplinar seria, assim, essencial para formar o novo cidadão e uma resposta ao fechamento, à passividade, e à incapacidade das disciplinas de compreenderem a realidade em toda sua complexidade, pois:

A instrução interdisciplinar aproveita-se de conexões naturais e lógicas que cruzam as áreas de conteúdos e organiza-se ao redor de perguntas, temas, problemas ou projetos, em lugar dos conteúdos restritos aos limites das disciplinas tradicionais. Tal instrução responde melhor à curiosidade e perguntas das crianças e adolescentes sobre a vida real e resulta numa aprendizagem produtiva e atitudes positivas à escola e aos professores.

(KLEIMAN; MORAES, 2002, p. 27).

Assim sendo, a integração das áreas de conhecimento está hoje no centro das preocupações de diferentes sistemas educacionais. Como nota Santomé (1998, p. 27), essa preocupação tem sido uma característica da educação obrigatória em todo o mundo:

Se algo está caracterizando a educação obrigatória em todos os países, é o seu interesse em obter uma integração de campos do conhecimento e experiência que facilitem uma compreensão mais reflexiva e crítica da realidade, ressaltando [...] a compreensão de como se elabora, produz e transforma o conhecimento.

Dentre as diversas perspectivas da interdisciplinaridade na escola, podemos considerar, que ela “estabelece uma interação entre duas ou mais disciplinas, o que resultará em

intercomunicação e enriquecimento recíproco [...]” (SANTOMÉ, 1998, p. 73). Nesse contexto, os conhecimentos disciplinares não seriam mais vistos como um fim em si próprio, mas como um conjunto de meios específicos indispensáveis à resolução de uma problemática geral.

Para Santomé (1998, p. 46), o conceito de interdisciplinaridade é coisa do nosso século, mas é possível que tenha sido Platão um dos primeiros intelectuais que colocaram a necessidade de uma ciência unificada, propondo que esta tarefa fosse desempenhada pela filosofia. Para ele:

Podemos considerar o trivium (gramática, retórica e dialética) junto com o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música) programas pioneiros de um ensino integrado que agrupa os âmbitos do conhecimento tradicionalmente denominados letras e ciências.

Na Grécia antiga, a metodologia de ensino estava centrada, num primeiro momento, na abordagem do oral, para, posteriormente, abordar as letras escritas. Manacorda (1992) relata que a escola romana de tipo grego dá prosseguimento ao ensino da linguagem com a abordagem da gramática, mas esse ensino não se reduzia aos aspectos lingüísticos e literários. A escola de gramática era uma escola de cultura geral, aprendia-se a falar, a ler, a posicionar-se criticamente sobre os textos, a escrever, enfim, estudavam-se “matérias literárias e matérias científicas, como diríamos hoje, ou, como se dizia nos primeiros séculos de nossa era, artes sermocinales e artes reales, trivium e quadrivium” (MANACORDA, 1992, p. 87).

Na nossa época, um marco importante para discutir a interdisciplinaridade foi o Seminário Internacional organizado pelo Centro para a Pesquisa e Inovação do Ensino (CERI) – e pelo Ministério da Educação Francês, sobre a pluridisciplinaridade e interdisciplinaridade nas universidades, realizado na Universidade de Nice (França) de 7 a 12 de setembro de 1970. Esse evento teve a participação de 21 países.

No Brasil, o MEC, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999) aponta a interdisciplinaridade como um caminho importante no estudo das línguas e sugere ainda a inclusão dos temas transversais no currículo da Escola Fundamental, com a introdução de temas como ética, pluralidade cultural, saúde, meio ambiente, orientação sexual e temas locais. Esse caminho abre oportunidades para o surgimento de projetos interdisciplinares dentro da escola.

O ensino/aprendizagem de línguas – língua materna e línguas estrangeiras – reflete também a atomização e a linearidade dos conhecimentos na organização e no trabalho escolares. Os contatos entre as línguas ensinadas na escola, e entre os professores de línguas, são na verdade quase nulos, e porque não dizer, inexistentes. Essa situação vem desde os primeiros tempos do ensino das línguas, onde a língua materna foi, por muito tempo, dissociada das práticas do ensino da língua estrangeira. Em vista disso, parece procedente fazer um rápido resumo histórico sobre a presença da língua materna no ensino/aprendizagem da língua estrangeira. A compreensão de como se deram essas relações entre as duas línguas, na prática da sala de aula, ajudará nesta reflexão sobre a importância da interdisciplinaridade no ensino/aprendizagem de línguas e na proposição de projetos para um ensino/aprendizagem integrado.