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A necessidade de um trabalho integrado há muito vem sendo discutida pelos educadores. Para Santomé (1998) na história do ensino, duas formas tradicionais de integração são ainda hoje utilizadas em um importante número de instituições escolares: os centros de interesse decrolyanos e os métodos de projetos.

Os centros de interesse decrolyanos foram criados para a educação infantil e para o ensino fundamental, com vistas ao desenvolvimento integral das crianças. Para Decroly, os interesses da infância contribuem para o seu desenvolvimento físico, psicológico e social e, por isso precisam ser mobilizados. Esses interesses se encontram em áreas diversas. Segundo Decroly e Boon (1968, p. 69), “o trabalho mental superior realiza-se melhor por meio da comparação de coisas e fatos [...]; começa-se pelas diferenças, porque [...] as diferenças percebem-se melhor que as semelhanças [...]”. Dessa maneira, para esses autores, o ensino dividido em disciplinas não propicia a curiosidade das crianças e precisa ser superado.

O método de projetos de Kilpatrick (1967) defendia o desenvolvimento das dimensões práticas do conhecimento na educação das crianças. A partir desses dois primeiros modelos, as

79 “[...] l’objectif serait de développer chez les apprenants des potentialités communicatives aptes à s’actualiser plus

tard dans des situations naturelles (c’est à dire non scolaires) spécifiques (par exemple situations d’échanges oraux en face à face, situation de lecteur solitaire, etc.)” (MOIRAND, 1982, p. 41, tradução nossa).

propostas práticas de integração serão bastante numerosas e variadas. Pring (1977) elabora quatro formas de integrar o currículo: a integração por disciplinas; a integração por temas, tópicos ou idéias; a integração em torno de uma questão da vida prática e diária; a integração a partir de temas e pesquisas decididos pelos estudantes. Sobre a integração de currículos, Masetto (1997) defende que a integração por temas comuns pode dar um salto qualitativo, passando a integrar por objetivos. Nessa integração, para Masetto (1997, p. 92):

[...] os objetivos são distribuídos em diversos níveis de complexidade e abrangência para cada um dos graus e para cada série. As disciplinas são compreendidas como recursos que, juntamente com as atividades, experiências e vivências dos alunos, colaborarão para que os objetivos sejam atingidos.

O Projeto Bivalência surgiu com a proposta de integrar as disciplinas PLM e FLE e como uma forma de resposta às preocupações de um grupo de educadores com o ensino/aprendizagem do francês e do português nas escolas públicas brasileiras. No momento em que o mundo se abre à globalização e ao intercâmbio entre países e culturas, constata-se ainda que o ensino/aprendizagem de línguas nas escolas continua compartimentado. Dessa maneira, enquanto os professores de português continuam tentando motivar os estudantes para aprenderem a língua materna, os professores de língua estrangeira se perguntam como ensinar uma língua estrangeira em tão pouco tempo80 a alunos que não dominam sua língua materna. Aproveitando a formação bivalente81 da maioria dos professores de francês, o projeto Bivalência tem a intenção de possibilitar uma maior interação no ensino/aprendizagem das duas línguas e, ao mesmo tempo, combater a diminuição significativa do número de alunos nas classes de FLE. Assim, os trabalhos

80 Normalmente os colégios dispõem de duas aulas semanais para a língua estrangeira. 81 Geralmente os professores de FLE possuem licenciatura em Português.

produzidos pelos pesquisadores do projeto procuram introduzir práticas pedagógicas mais motivadoras nas aulas de PLM, vindas do ensino de língua estrangeira, reconhecem o papel da língua materna para a aprendizagem do FLE e procuram valorizar o conhecimento já adquirido pelo aluno na língua materna.

Nessa perspectiva, é necessário, desde o início da aprendizagem, desenvolver um trabalho interativo entre as línguas. Sendo o francês uma língua românica e, como tal, língua próxima do português, acredita-se que um ensino/aprendizagem integrado das duas disciplinas possa “contribuir para uma tomada de consciência das semelhanças e diferenças existentes entre elas, facilitando, desse modo, o aprendizado da língua estrangeira e ajudando na compreensão da língua materna do educando” (LOPES, 1995, p. 15). Por outro lado, o confronto das duas disciplinas82, PLM e FLE, bem como experiências de ensino/aprendizagem mais convergentes vão certamente promover mudanças qualitativas no processo de ensino/aprendizagem de línguas, oferecendo aos aprendentes, através de uma reflexão sistemática acerca dos fenômenos comunicacionais e de linguagem, as condições e os instrumentos indispensáveis a uma participação ativa, em um mundo em constante mutação e economicamente globalizado.

O trabalho interdisciplinar entre professores de língua materna e professores de línguas estrangeiras é, pois, uma necessidade urgente, na medida em que pode desenvolver uma “comunidade de aprendizagem”83 na qual professores e alunos se mobilizam e interagem, de

modo a tornar a aprendizagem da língua uma experiência socialmente partilhada.

Para fazer a integração por disciplinas (LM/LE) é necessário, antes de tudo, refletir sobre os objetivos do ensino/aprendizagem da língua materna e da língua estrangeira nas escolas. Para

82 Quando falamos aqui em confronto das duas disciplinas, pensamos no português língua materna e no francês

língua estrangeira. Fica claro porém que esse contato existirá também entre o português e a outra língua estrangeira ensinada (inglês, espanhol) e ainda entre o francês e as outras línguas estrangeiras.

Chiss (1999, p. 135) “não se reaproximará passos pedagógicos, princípios didáticos, metodologias, entre as duas línguas, se, precisamente, os objetivos no ensino/aprendizagem de L1 e L2 continuarem muito distantes” 84. O ensino/aprendizagem das duas línguas deve, portanto, ter como objetivo trabalhar a aquisição de competências lingüísticas e comunicativas nas duas línguas, trabalhar as funções da linguagem e não somente enfatizar o ensino/aprendizagem da teoria gramatical. Se a didática da LM se mantém no ensino da gramática tradicional e a didática da LE está em uma perspectiva comunicativa, que exclui a gramática explícita, então os educadores precisarão conciliar seus objetivos, antes da realização de um projeto integrado LM/LE. Uma vez unificados esses objetivos, a integração LM/LE poderia se dar através de objetivos que visassem a desenvolver nos aprendentes uma competência comunicativa. Com relação às metodologias a serem adotadas, a configuração de um projeto de integração didática do PLM e do FLE, no contexto brasileiro, em que a L2 a priori só está presente na escola, poderia, para Dahlet (2003, p. 11), tomar três formas:

A primeira delas é a adaptação, que consiste na transposição da metodologia de orientação comunicativa, que já vem sendo aplicada no curso de FLE para o ensino/aprendizagem do PLM. Sabemos que apesar das orientações contidas nos PCN, o ensino/aprendizagem da língua materna continua centralizado nos conteúdos temáticos e nos exercícios de reemprego da gramática. Dessa forma, a introdução das práticas comunicativas comuns às aulas de FLE parece ser um bom caminho para trazer um pouco de dinamismo comunicativo85 para as aulas de língua materna.

84 “[...] On ne rapprochera pas des démarches pédagogiques, des principes didactiques, des méthodologies si

précisement les objectifs dans l’enseignement /apprentissage de L1 et L2 restent trop éloignés” (CHISS, 1999, p. 135, tradução nossa).

Outra modalidade de integração é aquela que permite que os conhecimentos visados em PLM e em FLE possam ser alvo de uma dupla aprendizagem. Este princípio chamado por Dahlet de redoublement permite que se possa eleger objetos de aprendizagens, metodologias de ensino e suportes pedagógicos semelhantes para o ensino/aprendizagem das duas línguas. Esse princípio consiste em uma duplicação, que permite comparar as duas línguas e as duas culturas sobre vários aspectos. Isso certamente sensibilizará os aprendentes para as variações dos comportamentos discursivos entre as duas línguas e culturas que pode ser muito enriquecedor.

A integração ainda pode ser feita pelo processo de alternância das línguas durante o processo de ensino/aprendizagem. Essa nova postura só é possível com a revalorização da utilização da língua materna no ensino/aprendizagem da língua estrangeira. É importante que um locutor que aprende uma LE possa se refugiar em sua língua materna e utilizá-la em classe para comunicar, podendo, posteriormente refletir sobre esse uso. Para Moore (2001, p. 74) um trabalho refletido utilizando a alternância pode favorecer os processos de distanciamento e abstração que podem ajudar os aprendentes a melhor construir concepções sobre a língua. Para Dahlet (2003, p. 14), a alternância faz, ainda, com que os aprendentes se confrontem com “a flexibilidade das práticas de linguagem [...] e [...] encoraja-os a se interrogarem sobre o sentido cognitivo e comunicativo, e até sobre a identidade desta mistura de práticas lingüísticas”86.

86 “[...] les apprenants sont alors encouragés à s’interroger sur le sens cognitif et communicatif, voire identitaire, de