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Vygotsky (1991, p. 94) ressaltou que o êxito na aprendizagem de uma língua estrangeira depende do grau de maturidade que a criança possui na língua materna, pois é a maturidade que lhe permite transferir para a nova língua o processo de simbolização que já possui na sua língua. Apesar disso, durante muito tempo, o ensino/aprendizagem da LE foi pensado separadamente do ensino/aprendizagem da LM e não se reconhecia a importância desta para o ensino/aprendizagem

da língua estrangeira69. Uma vez que a evolução das pesquisas permitiu reconhecer esta importância e valorizar uma aprendizagem mais reflexiva, as novas tendências no ensino/aprendizagem de línguas passam a se voltar para um trabalho interdisciplinar, capaz de renovar as metodologias deste ensino/aprendizagem. Atualmente, apesar de muitas escolas e educadores não terem ainda incorporado, na prática, essas idéias, os pesquisadores já reconhecem que a falta de um trabalho interativo, entre as línguas e os professores de línguas, leva o aluno a se defrontar com diferentes concepções, muitas vezes incompatíveis, de ensino da língua e da comunicação. Por essa razão, defende-se que se a escola quer cumprir a sua função de formadora de um cidadão crítico apto a participar integralmente dos problemas da vida social, é preciso que ela repense o ensino/aprendizagem e que desenvolva um trabalho interdisciplinar, entre os variados campos científicos, principalmente o das línguas, por ser este a base de todo o aprendizado.

A idéia de um trabalho interdisciplinar entre professores de língua materna e língua estrangeira tornou-se mais conhecida nos anos 8070, após a publicação de Roulet – Langue maternelle et langues secondes vers une pédagogie intégrée. Para Roulet (1980), as reformas

na Pedagogia do ensino/aprendizagem de língua materna e de língua segunda71, não solucionaram o problema principal deste ensino, ou seja, a separação total existente entre as metodologias de ensino/aprendizagem das duas línguas e o trabalho das equipes, que têm se mantido isolado, no

69 As relações entre a língua estrangeira e a língua materna serão tratadas na seção 2, deste trabalho.

70 Introduziremos aqui um breve histórico acerca dos trabalhos que têm procurado aproximar LM e LE, que segue o

texto do projeto Ensino/aprendizagem de línguas em contexto escolar: interfaces língua materna (LM) e língua estrangeira (LE) (LOPES et al., 2002), (DAMASCENO; LOPES, 2004), e (CHISS, 1999).

71 Lembramos que Besse (1987, p.13-15) faz a distinção entre língua segunda e língua Estrangeira. A língua segunda

faz parte do universo do aprendente, na comunidade e na escola. Já a língua estrangeira não é falada fora do contexto escolar. No Brasil, as situações de ensino de língua segunda, conforme a definição de Besse, são exceção. Temos, portanto, nos Parâmetros, a denominação de língua estrangeira. Apesar dessa diferença, consideramos que a opinião de Roulet é tão pertinente para a língua segunda quanto para a língua Estrangeira, que será uma segunda língua a ser adquirida pelos aprendentes.

decorrer do tempo. Enquanto esse processo de ensino/aprendizagem não for unificado, essas reformas estarão ameaçadas pelo fracasso. Suas pesquisas mostraram evidências de que quanto melhor o aluno apreender o sistema de funcionamento e o sistema de emprego da sua língua materna, mais fácil será para ele adquirir uma segunda língua.

Os trabalhos de Blanche-Benveniste e Valli (1997), Projeto EUROM 4, e os trabalhos de Dabène e Degache (1996), Projeto GALATEA, estão voltados para a intercompreensão entre locutores de línguas românicas. Esses trabalhos partem do pressuposto de que a proximidade lingüística dessas línguas pode contribuir para o desenvolvimento de uma competência de compreensão entre os seus locutores. Dessa maneira, defende-se que um locutor lusófono ou francófono, de posse de algumas informações sobre os sistemas morfossintático ou semântico- lexical, seriam capazes de terem acesso ao sentido de um texto simples em uma ou outra língua românica. Assim, os trabalhos de Dabène e Degache procuram analisar as estratégias de construção do sentido colocadas em prática por locutores de uma língua românica, sempre que confrontados a uma nova língua românica e também procuram investigar as representações que esses locutores têm de suas capacidades de compreensão, além de analisar os fatores passíveis de dificultar essa compreensão.

Hawkins (1987) desenvolve nos seus trabalhos o conceito de “language awareness” (o despertar para a linguagem ou éveil au langage, como traduziram os franceses). As atividades de “language awareness” foram postas em prática nas escolas inglesas, nos anos 80, com o intuito de contribuírem para a melhoria do ensino/aprendizagem da língua materna e das línguas estrangeiras. São atividades de reflexão metalingüística acerca da linguagem e das línguas estrangeiras e têm por objetivo, melhorar a capacidade de análise lingüística dos alunos, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de sua consciência metalingüística. Atualmente esse projeto continua a ser colocado em prática na França e em alguns países da Europa, estando a ele

ligado Moore (1995) e outros pesquisadores. Os trabalhos desse projeto procuram desenvolver as representações e atitudes positivas com relação às línguas, às culturas e sua diversidade, para que isso possa motivar os aprendentes para a aprendizagem e ainda desenvolver suas capacidades metalingüísticas e meta-cognitivas, para que eles possam melhor perceber as transparências de um idioma estrangeiro, ampliar sua visão para outras línguas, e ter mais facilidades no processo de aprendizagem de novos idiomas.

Os trabalhos do projeto Educação Bilíngüe são direcionados para um ensino/aprendizagem, em língua estrangeira ou segunda, das disciplinas do currículo escolar, em região oficialmente bilíngüe ou para a escolarização dos imigrantes. Dentre os projetos de uma educação bilíngüe, foram utilizados projetos de imersão (LE BLANC, 1989) no Quebec, região onde o bilingüismo é oficial. Nesse projeto, trata-se de utilizar na escola uma língua que não é aquela falada pelos alunos na comunidade. Dessa forma, os alunos estão imersos nesta segunda língua na escola, durante as aulas, o que garante a aquisição de competências tão elevadas na L2 como na L172. Projetos de imersão parcial na L2 também foram colocados em prática na Europa, projetos esses nos quais a língua segunda é utilizada para ensinar certas disciplinas do currículo escolar. Uma dessas experiências de ensino/aprendizagem bilíngüe foi colocada em prática por Coste e Pasquier (1992). Essa experiência, que dedicava a mesma quantidade de horas à duas línguas (francês e italiano) partia de um ensino/aprendizagem bilíngüe para a generalização de uma didática integrada e pretendia articular a alternância das línguas, a construção dos conceitos e a diversificação dos textos. Dessa maneira, a alternância das línguas atingia todos os níveis e todos os professores, ao invés de ficar delimitada apenas a algumas disciplinas.

No Brasil, essas idéias começaram a germinar, no início da década de 90, num pequeno

grupo de professores de francês para quem, sendo o português e o francês, línguas próximas, o trabalho conjunto da língua materna e da língua estrangeira poderia dar lugar a práticas pedagógicas mais motivadoras, desenvolvendo, desse modo, nos alunos a consciência metalingüística e a capacidade para produzir condutas de linguagem apropriadas em diferentes situações comunicativas. Objeto de vários seminários e de encontros e colóquios nacionais, a idéia de um ensino/aprendizagem integrado do Português e do Francês foi tomando forma até dar origem, em 1994, ao Projeto Bivalência73 que passou a aprofundar a reflexão, através de um trabalho mais contínuo e sistemático, das equipes formadas em alguns estados brasileiros. Nossa tese utiliza-se de diversos trabalhos produzidos pelos pesquisadores deste projeto, que têm publicado os resultados de suas pesquisas74 e buscado caminhos para favorecer um ensino/aprendizagem integrado de línguas.

73 Projeto de didática integrada PLM/FLE, conforme já foi ressaltado.

74 Esses trabalhos vêm aparecendo em publicações como a revista Études de Linguistique Appliquée n. 21 (2001),

inteiramente dedicada ao projeto, Synergies Brésil n. 4 (2003) e Synergies Brésil n. 5 (2003). Sobre os outros projetos que fundamentaram o projeto Bivalência ver também Langue maternelle en classe de langue étrangère, (CASTELLOTTI, 2001).