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3.3 JORNAL TELEVISIVO E ENSINO/APRENDIZAGEM INTEGRADO DE PLM/FLE

3.3.4 O jornal televisivo para “educar para a mídia”

3.3.4.1 Comunicação midiática e contrato de comunicação

Para Charaudeau (1994) a informação midiática é um fenômeno de produção do sentido social e um ponto de encontro de disciplinas sociolingüísticas, psicossociais e semio-lingüísticas. Para ele, todo discurso se realiza no interior de uma situação de comunicação, que se compõe de um determinado número de dados, determinados pelos participantes do ato de comunicação. Assim sendo, a comunicação social é resultante de um contrato, ao qual as partes devem se submeter para poder realizar as trocas necessárias.

O contrato de comunicação, para Charaudeau (1994), é negociado entre os participantes da comunicação e se compõe de três tipos de dados: os que definem a identidade dos participantes do ato de comunicar, os que definem a finalidade desse ato, e aqueles que definem as circunstâncias materiais nas quais o ato de comunicação é realizado. Há ainda o espaço de estratégias, que representa a margem de manobra da qual dispõe o sujeito comunicante para colocar em prática seu projeto de fala. Esse espaço de estratégia vai permitir que o sujeito se questione sobre “o como dizer” para que o seu discurso produza o efeito desejado sobre o destinatário da comunicação.

Nos meios de comunicação de massa, como a televisão, esse contrato toma a forma de um contrato midiático181, que é uma combinação de “contratos”: um contrato de informação e outro de captação. O contrato midiático, para Charaudeau (1994, p. 9) envolve os seguintes elementos:

a) A identidade dos participantes da comunicação midiática:

A comunicação se dará entre a instância de produção e a instância de recepção. A instância de produção tem como figura principal o jornalista, que tem o objetivo de transmitir a

informação. Essa informação será composta de acontecimentos e saberes já existentes, por isso, caberá a esta instância ao mesmo tempo fornecer a informação e procurar a informação. Para dar conta desse papel, a instância de produção deverá enfrentar diversas dificuldades:

As primeiras dificuldades serão de ordem quantitativa. Uma delas, é o número incalculável de fatos e saberes a serem selecionados e priorizados. Outra, diz respeito à dificuldade de cobrir toda a infinidade de notícias existentes. Isso faz com que o jornalista precise recorrer a agências de notícias, correspondentes e a todo o tipo de informantes para escolher a notícia. Para isso, ele precisa verificar os conteúdos e a credibilidade da notícia.

Outra dificuldade, também de ordem qualitativa, diz respeito à qualidade da notícia que o canal televisivo precisa apresentar para vencer a concorrência econômica com os outros canais e conservar a audiência do seu público. Para isso, a instância de produção precisa ser mediadora entre a notícia e o telespectador, transformando-a, e até mesmo criando o acontecimento.

A instância de recepção, representada pelo leitor, ouvinte ou telespectador que consome a informação, precisará estar motivada para escolher esta instância de produção e por isso, é preciso conhecer o perfil dos consumidores da notícia. Dessa maneira, essas duas instâncias estão permanentemente engajadas em um processo de transação, que é preciso manter.

b) A finalidade da comunicação midiática:

A comunicação midiática tem como finalidade conciliar o interesse de informar e o de captar a preferência dos consumidores da notícia. Afinal, não se pode esquecer a concorrência acirrada que existe entre os órgãos de informação (jornais, estações de radio, canais de televisão). Para informar é preciso transformar o acontecimento que se produziu em um determinado espaço social em notícias que interessem a esse público, também engajado socialmente.

No processo de construção da notícia é preciso conciliar as relações de tempo, espaço e especificidade do canal de transmissão. O tempo será manipulado com o objetivo de dar aos acontecimentos a forma de atualidades, o que justificará, até mesmo, a razão de ser da notícia. Conciliar as noções de espaço, também será importante, pois será preciso trazer os acontecimentos do mundo até a instância de recepção. Para cumprir essa tarefa, a instância midiática terá que lançar mão de diversas estratégias que aproximem o tempo e o espaço das novidades. O canal de transmissão, por sua vez, trabalhará com esses conceitos de forma diferenciada, pois cada veículo tem sua forma e seus códigos específicos para construir e veicular a notícia, basta pensar que o tempo para levar ao ar uma novidade não é o mesmo na televisão, ou no jornal.

Além desses três elementos, o contrato da comunicação midiática envolve o espaço de estratégias que se dispõe para colocar em prática a comunicação. Esse espaço, além de depender dos três componentes anteriores, depende também da maneira que se utilizará para comunicar, dos comportamentos discursivos a serem utilizados, da escolha dos veículos da comunicação.

Para Charaudeau (1994), a comunicação midiática realiza-se através de um dispositivo duplo: um espaço de transformação do acontecimento, no qual esse passa de estado bruto ao estado de notícia (construído), e um espaço de transação, no qual as duas instâncias devem se conectar uma com a outra. O dispositivo se articula, visando trazer informação e captar consumidores da informação. Charaudeau representa, assim, o dispositivo da comunicação midiática182:

Figura 7: “Contrato de comunicação” da informação midiática de Charaudeau

Fonte: Charaudeau (1994, p. 14).

Para estruturar e para colocar em cena as notícias, a instância midiática age de acordo com a construção de hipóteses e representações das categorias sócio-discursivas que podem interessar ao consumidor, tanto no que diz respeito aos assuntos a serem abordados quanto à forma dos discursos a serem explorados, pois para despertar o desejo de consumir essas novidades, é necessário tocar o consumidor da notícia, descobrir como despertar o seu prazer, como seduzi-lo. O contrato midiático está marcado pela contradição entre ter que informar (estratégias de informação) e ter que agradar o consumidor (estratégias de captação). A informação, que deveria ser feita de maneira objetiva, acaba sendo objeto de um jogo para seduzir o consumidor. Dessa contradição surgem as escolhas de mise en scène da informação. Como se vê, a notícia acaba sendo construída, e isso leva alguns estudiosos a afirmar, como o fez Lima, (2004) em sua

palestra A pauta esquecida183, que a notícia é uma ficção, que foi construída baseada em um fato real.

Os discursos sociais, veiculados pelos meios de comunicação, estão intimamente ligados aos fenômenos sociais. É preciso, portanto, que se estude as condições de produção do sentido social e as condições do reconhecimento desse sentido. É no espaço de articulação entre essas duas condições que circula o sentido, nos problemas de adequação existente entre eles. O sentido produzido não é nunca o sentido reconhecido e os discursos sociais residem nessa diferença. A cena produzida pelos meios de comunicação é local de cristalização dos problemas de identidade. A identidade e a legitimidade estão quase sempre ligadas. É preciso, portanto, ter consciência de quem fala.

Um trabalho de utilização do jornal televisivo que vise à formação de telespectadores críticos precisará trabalhar à luz desse contrato midiático, chamando a atenção dos aprendentes para os elementos e as contradições que envolvem a construção da informação, através da observação e da discussão das notícias. Na seção 4 desse trabalho, serão dadas sugestões de atividades a serem realizadas em sala de aula, nas quais serão explorados os elementos do contrato midiático, ao mesmo tempo em que procuraremos trabalhar as competências comunicativas dos aprendentes.

Tendo em vista as especificidades da linguagem televisiva e dos elementos que entram em jogo na construção da informação midiática, Lancien (1995 b) descreve três competências que o aprendente deveria mobilizar para ser um telespectador ativo: a competência informativa, a competência discursiva e a competência intertextual.

183 A palestra de Lima, retransmitida em 2004 pela TV Cultura de São Paulo, faz parte de uma compilação de