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Desde os primórdios do ensino organizado da língua estrangeira tem-se debatido sobre a maneira mais eficiente de se aprender uma língua estrangeira e sobre o papel da língua materna nesse ensino. Esse debate, no decorrer do tempo, tem dividido a opinião dos teóricos em duas tendências:

A primeira delas defende um ensino/aprendizagem através de um processo inconsciente, que se desenvolve numa relação direta, de contato estreito com a língua a ser adquirida. Assim sendo, a aprendizagem da língua se daria por métodos naturais, de imersão na L275, em condições semelhantes à aquisição da língua materna. Nesse processo, e nos métodos que tentaram reproduzi-lo na escola, a L1 esteve oficialmente banida da sala de aula, devendo o acesso ao sentido se dar através de meios, como imagens ou mímicas, que fizessem o aluno pensar diretamente na L2.

A segunda tendência defende uma reflexão consciente sobre a nova língua a ser adquirida e tem exemplo, na história do ensino das línguas, nos métodos de gramática e tradução amplamente utilizados pelas escolas através do tempo. Nesse método, a L1 tem um papel importante, pois recorre-se a ela para pensar, e em classe, para comunicar, explicar, comentar e traduzir.

Dessa maneira, veremos que o ensino/aprendizagem de línguas formalizado na escola tem sido justificado por metodologias que têm como pano de fundo estas duas tendências.

No que diz respeito ao papel da língua materna no ensino da língua estrangeira, a metodologia tradicional consolidou o estudo do vocabulário, da gramática e da tradução em

75 Lembramos que neste trabalho, estamos utilizando L1 como sinônimo de língua materna e L2 como sinônimo de

língua estrangeira, através da utilização, em sala de aula, da língua materna para comunicar e explicar. Essa metodologia, que triunfa até o século XIX, mas permanece presente na prática de muitos professores durante todo o século XX, recebeu muitas críticas e foi acusada de “visar, sobretudo as competências em língua materna, através de uma reflexão sobre a língua estrangeira” (CASTELLOTTI, 2001, p. 16)76. Quanto ao texto escrito, sua abordagem era semelhante àquela realizada no ensino/aprendizagem da língua materna. A primeira etapa era a leitura linear do texto, realizada em voz alta pelo professor, seguida do estudo da compreensão do vocabulário para se chegar às idéias centrais e às intenções do autor.

No final do século XIX, respondendo a uma nova demanda social gerada por um maior contato com locutores nativos de outros idiomas, surge o método direto de ensino de línguas. Esse método vai se insurgir contra a tendência de gramática/tradução do método tradicional, considerada ineficaz. O objetivo da aprendizagem passa a ser a comunicação oral e defende-se que a aquisição da língua deve se dar como em língua materna. O indivíduo deve, portanto, aceder à L2 de maneira direta, sem interferência da língua materna. Na escola, o método direto abandonava o texto para buscar em situações concretas do ambiente escolar, a exploração do léxico e das estruturas básicas da língua. Aos poucos, a leitura, a escrita e o estudo da gramática vão sendo integrados ao método, que recorre às imagens na tentativa de substituir o uso da L1. Acusado de ser inconsistente pela insuficiência de uma psicologia da aprendizagem, de uma descrição gramatical e lexical da L2 e pela insuficiência de uma descrição cultural e de “suas teorias de referência”, o método direto perde o seu lugar no ensino/aprendizagem de línguas (PUREN, 1988, p. 194).

A metodologia Audio-oral também propõe uma aprendizagem em que não há lugar para o

76 “[...] Finalement, ce sont surtout les compétences en langue maternelle qui sont visées, à travers une réflexion sur

uso da língua materna em sala de aula, uma vez que defende o princípio de uma aprendizagem lexical de acesso direto ao sentido e uma aquisição gramatical indutiva e não reflexiva. Essa metodologia foi contestada no final dos anos 50, sobretudo a partir dos trabalhos de Chomsky, que puseram em dúvida o sucesso de uma aprendizagem baseada no esquema estímulo-resposta- reforço.

Podemos dizer que a metodologia audiovisual cedia boa parte do espaço que poderia ser dedicado à língua materna em sala de aula à presença dos suportes audiovisuais, pois os elementos da língua eram apresentados através de diálogos, sempre acompanhados de uma série de imagens, nas quais cada imagem procurava corresponder a um enunciado do diálogo. As fases de ensino que se seguiam eram realizadas através de exercícios visando à aprendizagem pela mecanização de estruturas da língua. Criticada pela concepção de comunicação que veiculava, pois a língua era concebida fora de toda a dimensão sociológica da linguagem e das relações de poder que a ela estão ligadas, a metodologia audiovisual cede espaço às mudanças que vão culminar na metodologia comunicativa nocional-funcional.

A metodologia nocional-funcional estabelece uma aquisição da língua praticamente de forma direta, uma vez que privilegia um ensino/aprendizagem baseado nas funções de comunicação da língua (pedir, propor, recusar, etc.), e nas noções (tempo, conseqüência, forma, etc.) sobre as quais o ensino/aprendizagem deve se fundamentar. A partir dos anos 90, o ensino/aprendizagem de línguas vê surgir uma nova perspectiva: a perspectiva interacionista. Desse modo, os teóricos preconizam uma interação entre as diversas competências na aquisição da L2. O oral e o escrito passam a ser sujeito da mesma importância, o ensino/aprendizagem dos aspectos culturais (antes civilização) passa a ser visto sob um novo olhar, levando em conta não apenas o fornecimento de informações históricas e sociais do modo de vida do um país estrangeiro, mas as relações entre as duas culturas, numa perspectiva mais horizontal. Começa-se

também a valorizar o conhecimento já adquirido pelo aprendente, tanto no domínio da língua como no domínio da civilização, pois contrariando o que pregaram algumas metodologias, a língua materna sempre esteve presente no momento da aprendizagem da L2, uma vez que “um indivíduo não aborda a aprendizagem de uma língua estrangeira virgem de todo saber cultural [...]” ou lingüístico77 (ZARATE, 1986, p. 24). Ao aprender uma língua estrangeira, os aprendentes já trazem “as experiências de leitura e de escritura” que possuem na língua materna (MOIRAND, 1982, p. 125)78.

Esta evidência, citada aqui por Zarate e Moirand, tem sido constatada por outros tantos pesquisadores e traz a necessidade de se compreender como se dá a construção da aprendizagem da língua estrangeira para o aprendente, quais as interferências da língua materna nesse processo, como os conhecimentos em LM podem ajudar ou dificultar a construir essa aprendizagem. Essas descobertas estão intimamente ligadas ao trabalho do professor em sala de aula, pois de posse desse conhecimento, ele poderá planejar e executar o seu trabalho, de modo a ajudar o aprendente a tomar consciência “do funcionamento da linguagem em geral: quer se trate das interações verbais, da leitura ou da escrita” na LM ou na LE (LOPES et al., 1997, p. 2). Desse modo, ele estará contribuindo para um conhecimento menos fragmentado dos processos lingüísticos e mais voltados para a vida do aprendente, pois o ensino/aprendizagem não estará restrito ao Português ou ao Francês, mas a serviço de uma concepção mais ampla da linguagem e da comunicação, o que irá favorecer os processos interativos do dia a dia dos aprendentes. Por essas razões, um ensino de línguas precisa levar em conta a língua materna e necessita ser interativo, pois no momento da elaboração dos programas de ensino, o objetivo dos educadores precisa ser

77 O complemento e o grifo são nossos.

78 Citação original: “[...] les apprenants possédent déjà en langue maternelle [...] les expériences de lecture et

“desenvolver nos aprendentes potencialidades comunicativas aptas a se atualizarem mais tarde nas situações naturais (não escolares) específicas (por exemplo, situações de trocas orais de face a face, situações de leitor solitário, etc.)79 (MOIRAND, 1982, p. 41). Para isso, esse conhecimento precisa ser abrangente.