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ALGUNS PRINCÍPIOS

2. FORMAÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E EXCLUSÃO SOCIAL

2.1. TEORIAS DA SOCIALIZAÇÃO

2.1.1. A NOÇÃO PIAGETIANA DE SOCIALIZAÇÃO

Claude Dubar no seu livro “A socialização: construção das identidades sociais e

profissionais” (1997, p. 17) refere que Piaget desenvolveu, em 1965 (no seu livro:

“ Études sociologiques”) argumentos quanto aos fenómenos de socialização que constituem uma “prim eira tentativa de superar as oposições entre os pontos de vista

Piaget interessou-se especialmente pela elaboração de uma teoria do desenvolvimento mental da criança. Contudo, importa esclarecer que para este autor “Este

desenvolvimento m ental tem sempre uma dupla dimensão individual e social: as estruturas através das quais circulam normalm ente todas as crianças são simultaneamente “cognitivas’’ (internas ao organismo) e “afectivas”, qu er dizer relacionais (orientadas para o exterior) " (Claude Dubar, 1997, p. 18). Assim, para

Piaget “o desenvolvimento da criança e, portanto, a sua socialização - que constitui um

elemento essencial daquele" é entendido enquanto “processo activo de adaptação descontínua a formas mentais e sociais cada vez m ais complexas” (Dubar, 1997, p.

18).

Para Piaget, as crianças não se limitam a adaptar-se ao meio já que, simultaneamente, procuram modificar, internamente, o mesmo adaptando-o às suas necessidades. Esta ideia é explicada através de uma descrição do desenvolvimento mental da criança através de etapas sucessivas. Isto é, para Piaget a criança vai passando de uma etapa de menor equilíbrio a uma outra de equilíbrio superior, a este processo de desenvolvimento enquanto construção contínua (mas não linear) Piaget chamou “processo de equilibração”. Este processo de equilibração resulta da articulação de dois movimentos complementares, embora de natureza diferente. Esses movimentos são:

> “A assimilação consiste em “incorporar as coisas e as pessoas externas" às

estruturas já construídas. Assim, a sucção é prioritariamente, para o recém- nascido, um reflexo de incorporação bucal do m undo (vivido como “realidade a sugar” de acordo com os termos de Piaget) que o conduz a generalizar a conduta (ele chupa o seu polegar, os dedos de outrem, os objectos que lhe são apresentados (...) a tudo aquilo que lhe dá pra ze r depois de na prática ter discriminado aquilo que correspondia à sua necessidade vital (o seio da mãe, o biberão). (...) Estas condutas envolvem, assim, formas de assimilação específicas a cada um dos estádios de desenvolvimento da criança: num determinado m om ento elas constituem uma modalidade de relação com o mundo adaptada a um estádio de maturação biológica da criança. Quando a criança evolui, tom am-se simultaneamente necessárias e possíveis novas formas de a s s im ila ç ã o (Dubar, 1997, pp. 18-19)

> “A a c o m o d a çã o consiste em “reajustar as estruturas em função das

transformações exteriores”. Assim, as mudanças do ambiente são fontes perpétuas de ajustamentos: se passar do seio m atem o ao biberão, o reflexo de sucção m odifica-se (...) Estas variações contribuem para aquilo a que Piaget denomina p o r “construção do esquema prático do objecto”, que é uma condição para a descoberta activa da permanência dos objectos (materiais ou humanos) mesmo quando eles estão ausentes. Estas variações permitem, também, as estruturações do espaço e do tempo e a emergência das m odalidades sucessivas de reconhecimento das relações de causalidade. Estes quatro elementos (esquemas práticos, espaço, tempo, causalidade) entram na composição das estruturas mentais características de cada um dos estádios significativos do desenvolvimento da criança." (Dubar, 1997, p. 19)

Claude Dubar (1997, p. 19) continuando a explicitar a teoria de Piaget refere, ainda que as estruturas mentais típicas de cada uma das fases de desenvolvimento da criança são inseparáveis de “estilos típicos” de relação com os outros, ou seja, cada estádio caracteriza-se por uma determinada estrutura mental (dimensão individual do desenvolvimento) bem com o pelo correspondente “estilo relacional” ou “forma típica de socialização” (dimensão social do desenvolvimento). Assim, para Piaget, os indivíduos passariam de um “egocentrismo inicial” (típico do recém-nascido) caracterizado por

“uma indistinção do Eu e do Mundo” “à inserção term inal do adolescente escolarizado no mundo profissional e na vida social do adulto”.

No final dos anos 60, Piaget descreve quatro de estádios do desenvolvimento mental (cognitivo e afectivo) da criança, bem como as suas correspondentes “formas típicas de socialização". Os quatro estádios foram designados e caracterizados da seguinte forma (Claude Dubar, 1997, pp. 20-21):

> E s tá d io S e n s ó rio -M o to r (antes dos 2 anos) - o qual se caracteriza, na sua dimensão individual, pelas estruturas mentais: “tendências instintivas” seguidas de “percepções organizadas” e de “regulações elementares de ordem prática”. Na sua dimensão social, ou seja em termos de formas de socialização, este

estádio caracteriza-se pela passagem de um “egocentrismo inicial" à “imitação como primeira “socialização da acção””, passando pelos “primeiros sentimentos diferenciados” .

> Estádio Pré-Operatório (dos 2 aos 5 anos) - Neste estádio a criança já “utiliza imagens e intuições representativas" o que identifica a “génese do pensamento". No que diz respeito ao seu estilo de socialização, ele caracteriza-se, predominantemente, pela “submissão aos adultos por constrangimento".

> Estádio Operatôrio-Çoncreto (dos 1 aos 12 anos) - Nesta fase o funcionamento mental assenta em “operações concretas" e começam a surgir na criança sentimentos e práticas de cooperação.

> Estádio da inteligência Form al (depois dos 12 anos) - A partir desta fase é possível à criança (agora no início da puberdade) constRicardor teorias, utilizando um pensamento hipotético-dedutivo. Em termos da sua socialização, a criança passa a ter consciência da existência e necessidade de regras formais, contudo tem agora condições para discutir a sua justificação.

Segundo Claude Dubar (1997, p. 22, citando Piaget, 1964, p. 72) “o “núcleo-duro" da

concepção piagetiana de socialização” seria: “a reciprocidade entre estruturas mentais e estruturas sociais, a correspondência em cada estádio, entre as operações lógicas e as acções morais, isto é sociais: “a moral é uma espécie de lógica dos valores e das acções entre os indivíduos da mesma forma que a lógica é uma espécie de m oral do p e n s a m e n t o Importa ainda acrescentar que, para Piaget “a m oral apresentada ao indivíduo pela sociedade não é homogénea porque a sociedade em si não é única. A sociedade é o conjunto das relações sociais.” (Piaget, 1932, p.417, citado por Dubar,

1997, p. 24). Piaget “considera a sociedade como “um sistema de actividades cujas

interacções elementares consistem em acções que se modificam umas às outras de acordo com determinadas leis de organização ou de equilibração” (...) ”A socialização pode, p o r isso se r definida como um processo descontínuo de construção colectiva de condutas sociais que integra três aspectos complementares:

O aspecto cognitivo representando a estrutura da conduta e traduzindo-se em

regras;

O aspecto afectivo representando o enérgico da conduta e exprimindo-se em

0 aspecto expressivo (ou “conativo”) representando os significantes da conduta

e sim bolizando-se em sig n o s" (Piaget, 1965, citado por Dubar, 1997, p. 25).

Para Piaget (1965, p. 29, citado por Dubar, pp.24-25) a sociedade o u “todo social” não seria “nem uma reunião de elementos anteriores” (uma agregação de indivíduos - posição individualista-atomista), “nem uma ■ entidade nova" (uma globalidade realista - posição holista-organicista), “mas um sistema de relações, onde cada uma

das relações, enquanto relação engendra uma transformação dos elementos que relaciona” (posição relacionista-construtivista).

A descrição de Piaget a respeito das diferentes fases que caracterizam as form as de socialização da criança tem, mais uma vez, implícita a questão do “conflito” entre a necessidade de cada indivíduo em satisfazer as suas próprias necessidades, afirmando a sua individualidade e, ao mesmo tempo, a procura da relação com os outros e, naturalmente, da aceitação destes. Trata-se de uma constante oscilação entre a busca de integração social e o risco de exclusão que advém da necessidade de auto afirmação. Na última etapa descrita por Piaget, a criança (cujo o desenvolvimento tenha decorrido normalmente) parece encontrar um compromisso entre estas duas solicitações internas, contudo tem necessidade de continuamente questionar as “ regras interiorizadas” .