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“OS HERÓIS JÁ MORRERAM TODOS”

2. SÍNTESE CONCLUSIVA

Apesar de a presente investigação ter como principal objectivo o estudo de casos individuais de jovens44 que frequentaram acções de formação alternativas ao sistema formal de ensino, sem qualquer intenção de generalização das conclusões formuladas, a todo o universo de jovens em iguais circunstâncias, é sempre possível "tomar as

partes com o estratégia metodológica para chegar ao todo" (Pais, 2001, p.401). Assim,

verificaram -se importantes convergências nos discursos e percepções dos jovens entrevistados, as quais importa salientar sucintamente.

Em relação à experiência escolar prévia à frequência de uma medida alternativa de formação foi possível verificar, a partir do discurso dos jovens, que:

s Praticamente todos os jovens tinham uma percepção negativa em relação à

escola, desde o 1o ciclo, descrevendo o primeiro contacto com a mesma como uma experiência desagradável.

s A maioria dos jovens é oriunda de famílias de classe baixa ou média baixa e

com baixos níveis de escolaridade, o que poderá ter alguma relação com a importância atribuída à escolarização.

s Em todos os casos o percurso escolar é marcado pelo insucesso registando-se

uma média de duas a três reprovações entre o 5o e o 7o ano e, sobretudo entre os 11 e os 17 anos.

s O insucesso escolar está associado a um grande número de faltas e, em pelo

menos 3 casos, verificavam-se comportamentos de indisciplina e de desafio da autoridade dos professores.

s Apenas um jovem aponta dificuldades de aprendizagem como possível causa do

seu insucesso escolar.

s A maioria dos jovens faltavam às aulas por desinteresse pelas matérias e por

conflito com os professores, ou ausência de uma relação gratificante com os mesmos.

s Pelo menos um jovem refere, com clareza, que se desinteressava pelas

matérias escolares por não compreender qual seria a aplicabilidade futura das mesmas.

s A maioria dos jovens faltavam às aulas para ficar a falar com amigos ou passear

com estes. Por vezes, também eram apontadas razões como: dormir ou dedicar- se à prática desportiva ou outras actividades de tempos livres às quais atribuíam uma maior importância, quanto ao seu potencial formativo.

s Em quase todos os casos a família manifestava desagrado em relação ao

insucesso escolar dos seus educandos, incentivando a conclusão do 3o ciclo.

No que se refere à experiência de frequência de uma acção de formação alternativa à escola, as narrativas dos jovens entrevistados, revelaram que:

s A maioria dos jovens possuía uma informação pouco detalhada a respeito de

medidas de formação alternativas ao sistema formal de ensino e a pouca informação que possuíam havia-lhes sido transmitida por familiares ou professores.

v' A maioria dos jovens frequentou cursos de educação e formação de jovens realizados em contexto escolar ou em parcerias envolvendo a escola, os centros de formação do I.E.F.P. ou outras entidades.

s Pelo menos um jovem havia frequentado um curso de Aprendizagem, num

centro de formação do I.E.F.P., tendo sido orientado pela escola que frequentava.

✓ No momento da entrevista apenas um jovem havia frequentado e abandonado a acção de formação. Dois encontravam-se a frequentar e não mostravam

intenção de abandono e outros dois haviam concluído, com sucesso, acções de educação e formação de jovens.

s Em todos os casos a escolha da área de formação foi confinada às escassas

opções existentes e os jovens não foram alvo de um processo de orientação “aprofundado”.

v' A m aioria dos jovens revelava um conhecimento pouco aprofundado a respeito das profissões e do mercado de trabalho.

s A ideia de que o nível de exigência da formação profissional era m enor do que o

da escola é, relativamente, generalizada.

s A m aioria dos jovens mantém o desinteresse pelas matérias escolares, durante

a frequência da acção de formação, sendo a prática simulada e a form ação em posto de trabalho as componentes mais valorizadas. A razão deste maior interesse prende-se, sobretudo, com a percepção da maior aplicabilidade destes saberes em termos de uma futura integração profissional.

S Pelo menos dois jovens valorizam os professores ou form adores por

características como: a capacidade de demonstrarem os saberes de que são detentores; a capacidade de criarem relações mais “próximas” , do ponto de vista afectivo; a capacidade de valorizarem as aquisições dos jovens e, sobretudo, a capacidade para definirem limites de conduta.

s A frequência da acção de formação é valorizada quer pela possibilidade de

obtenção do diploma do 9o ano, quer pela obtenção de um certificado de aptidão profissional. Contudo, a ênfase parece ser colocado na certificação e não tanto nas com petências que, supostamente, a acção de formação, poderá permitir desenvolver.

s A m aioria dos jovens estabelece relações de identificação com os colegas que

frequentam a mesma acção de formação, valorizando a mesma pelas oportunidades de socialização.

s Em alguns casos, surgiu a intenção de prosseguir estudos de forma a elevar as

habilitações literárias, para além do 9° ano, quer através da frequência de formação profissional com progressão escolar, quer através de regresso ao sistema formal de ensino.

No que se refere às percepções dos jovens quanto à relação entre a formação de que foram alvo e as suas expectativas face ao “mundo do trabalho” e ao futuro em geral,

podemos perceber que:

✓ De um modo geral parece haver a percepção de uma relação "estreita" entre a obtenção de diplomas ou certificados e a obtenção de um emprego. Embora, em pelo menos um caso tal relação seja questionada.

S A oportunidade de obtenção de um emprego é valorizada pela possibilidade de

conferir recursos económicos, bem como pelos sentimentos “segurança” e “autonomia" e sobretudo por permitir a construção de uma identidade pessoal e profissional suficientemente sólida, para promover o reconhecimento social.

s Os recursos económicos a que os jovens aspiram, a partir da obtenção de um

emprego, parecem estar associados à satisfação de necessidades imediatas, caracterizadas por alguma “futilidade” ou à construção de um estatuto social que se prende com os modelos de sucesso interiorizados.

s Para alguns jovens, a obtenção do diploma do 9o ano parece ter um valor mais

significativo do que a obtenção de uma carteira profissional numa área específica.

Em suma, a experiência de formação profissional parece ser percepcionada como uma alternativa válida ao sistema formal de ensino porque:

S Possibilita “quebrar” com as experiências sucessivas de insucesso escolar,

conferindo uma sensação de concretização com efeitos benéficos para a auto- estima dos jovens;

s Facilita o contacto com o “mundo do trabalho” e permite uma maior percepção

da aplicabilidade dos saberes adquiridos em situação real de trabalho, o que é um importante factor de motivação;

s Permite o estabelecimento de relações gratificantes com outros jovens, em

igualdade de “circunstâncias”, e com alguns formadores, facilitando a socialização e o processo de construção identitária;

s Em alguns casos, poderá permitir alguma transformação individual, pelo menos

ao nível das atitudes.

s Em alguns casos poderá permitir o desenvolvimento de com petências

mobilizáveis em contexto de trabalho.

s A “imagem" em relação à maioria dos formadores não parece distanciar-se muito

da “imagem” que os formandos tinham em relação aos professores das escolas, contudo os form adores parecem ser valorizados por serem percepcionados como mais “próxim os” e pela utilização de métodos mais activos. Em casos menos frequentes são também percebidas e valorizadas as com petências profissionais dos formadores e a sua “firm eza” na definição de limites.

Por outro lado, podem os considerar que emergem ou persistem alguns aspectos negativos que nos levam a questionar a pertinência destas medidas alternativas ao sistema formal de ensino, nomeadamente:

s O dispositivo da formação continua a ser percepcionado como tendo muitas

semelhanças em relação ao dispositivo escolar o que conduz a que revele as mesmas “fragilidades".

s A atitude dos formadores em relação aos formandos parece ser percepcionada

por estes com o sendo depreciativa e revelando descrédito pelas suas capacidades, quer pela verbalização clara desse mesmo descrédito, quer pelo baixo nível de exigência demonstrado.

s Se, efectivamente, o nível de exigência das medidas alternativas de formação é,

consideravelmente, mais baixo do que o da escola, os jovens poderão não ter oportunidade de desenvolver competências verdadeiramente mobilizáveis em contexto real de trabalho com consequências em termos do seu desempenho profissional e com prometendo as suas "conquistas” em termos de valorização pessoal.

S A percepção de que a obtenção do diploma escolar e profissional tem uma

relação directa com a obtenção de um emprego permanente e bem remunerado parece ser exacerbada, conduzindo a que estes jovens invistam na formação profissional motivados por “convicções” não corroboradas pela realidade do mercado de trabalho.

Apresentadas as principais conclusões, formuladas a partir do material empírico, importa agora discuti-las, na tentativa de, também nós constRicardormos um significado para o “encontro" com estes jovens e com os sentidos que construíram a partir destas e de outras experiências das suas vidas. Pois a cada uma das “esferas de

vida podem os rem eter distintos feixes de trajectórias, embora conectadas entre si."

(Pais, 2001, p.401).

A "conversa” com estes jovens reforçou a ideia de que as situações de formação representam importantes oportunidades de socialização, cuja função essencial, particularmente na adolescência, é permitir a emergência de indivíduos com uma identidade bem definida, com capacidade para pensar criticamente (Freire, 2000, p. 100) e agir no sentido de produzir mudanças que visem o bem-estar comum, como referim os no capitulo I deste trabalho. Contudo, nos discursos destes jovens não é possível perceber a ocorrência de tão profundas transformações, a partir da vivência das experiências alternativas de formação.

Em certa medida, as experiências vividas parecem ter contribuído para o processo de construção identitária destes jovens não só pela oportunidade de observarem as suas

próprias capacidades em contextos concretos de trabalho45, como pela possibilidade de estabelecerem relações que lhes serviram de modelo46 ou que lhes espelharam uma imagem mais valorizada de si47 e, em pelo menos um caso, pareceu-nos que a acção de formação contribuiu para a construção de uma identidade profissional relativamente sólida48. No entanto, dificilmente poderíamos adm itir que as acções de formação frequentadas produziram verdadeiras transformações no sentido do

“alargamento das capacidades de autonomização e, portanto, de iniciativa e de criatividade” destes jovens (Josso, 1987, p. 38-39). Talvez porque a implicação dos

sujeitos em formação continua a ser insuficiente, de modo a "estim ular uma estratégia

de auto-formação, a única que pode assegurar resultados a longo prazo." (Nóvoa,

1988, pp. 128-130).

Na verdade, continuamos a assistir à criação de modelos formativos que não entram verdadeiramente em ruptura com o modelo escolar tradicional. Continuamos a assistir a uma separação, mais ou menos bem definida, entre os espaços e momentos para aprender e para aplicar o que é aprendido não sendo-possível uma verdadeira ligação entre a escola ou a acção de formação e a vida (Nóvoa, 1988, p.111). É certo que a prática simulada, nos cursos frequentados pelos jovens, bem como as situações de estágio, permitem, apesar de tudo, aligeirar a separação existente e realçar o aprender fazendo, assim como permitem que os jovens consigam com preender a finalidade das suas aprendizagens, mas mesmo assim a ligação entre os mundos da formação, do trabalho e da vida em geral, parece insuficiente.

Por outro lado, os discursos dos jovens entrevistados deixam-nos muitas dúvidas a respeito da eficácia destas acções de formação para o desenvolvimento de verdadeiras competências nos jovens (no sentido do “saber encontrar e p ô r em prática,

eficazmente, as respostas apropriadas ao contexto na realização de um projecto"

(Canário, 2000, p. 47)) pois persiste a ideia de que o nível de exigência é relativamente baixo. Desta forma, somos tentados a concluir que talvez se esteja a trabalhar, apenas, para a qualificação destes jovens, o que remete, sobretudo, para a obtenção de um

45 Identificação Ideomórfica (Matos, 2002, pp. 216-224)

46 Identificação Alotriomórfica ou Xenomórfica (Matos, 2002, pp. 216-224) 47 Identificação Imagoico-lmagética (Matos, 2002, pp. 216-224)

título ou diploma, independentemente da capacidade de mobilização do saber para as situações concretas. Os diplomas, por sua vez, são percepcionados enquanto “varinhas de condão" que permitem abrir as portas do “ mundo do trabalho” , sendo esta percepção pouco questionada pelos jovens, pelo menos até ao confronto directo com esse novo mundo, que na verdade é mais uma “montanha russa” do, propriamente um paraíso estático.

Em suma, a meta de todas as situações deliberadamente formativas, é o permitir a emergência de “futuros cidadãos, pais de famíiia, profissionais, líderes, dirigentes. (...)

Anda-se na escola” ou na formação, “para se ser alguém no futuro ou para aprender coisa úteis para o futuro” (Pais, 2001, p. 405). Mas estaremos a atingir esta meta?

Como nos diz Morin, citado por Pais (2001, p. 413) “um dos sete saberes necessários à

educação do futuro é (...) o saber de enfrentar as incertezas” e parece-nos que tal

saber não é promovido nem pela escola, nem pelas medidas que foram sendo criadas em alternativa à escola. Na verdade, estas acções em vez de prepararem os jovens para enfrentar as incertezas, preparam-lhes um futuro incerto. Ora como nos diz Machado Pais (2001, p. 414) “o futuro vai-se fazendo, preferencialmente de forma

participada, envolvendo os jove ns."

Enquanto os indivíduos não foram entendidos como sujeitos da sua própria formação; enquanto não lhes for dada a oportunidade de aprenderem a pensar criticamente, a respeito do que os rodeia; enquanto não lhes for devolvido o direito de se “pronunciarem” sobre o que lhes importa aprender, valorizando, também, as suas aprendizagens não formais e informais, para que tomem as “rédeas" das suas próprias vidas, todas as medidas criadas com vista à sua formação não passarão de “parques

de estacionamento de potenciais desempregados” e, gradualmente, os jovens vão

começando a ter a percepção de que a certificação não passa de um “’’cheque pré-

datado” sem valor no presente e, possivelmente, sem valor no futuro.” (Pais, 2001, p.

415).

Como refere Gilbert Clavel (2004, p. 73) “o facto de se p ô r as pessoas em relação com

outras” pode ser “um procedim ento determinante para perm itir aos indivíduos permanecerem com a cabeça fora de água” e as medidas de formação para jovens,

alternativas à escola, parecem ter essa função paliativa, o que tem algum efeito positivo no sentido em que previne temporariamente o isolamento extremo com todas as consequências negativas que daí advém. Contudo, mais tarde ou mais cedo, estes jovens acabam por se confrontar com a realidade do actual mercado de trabalho, caracterizado pela competitividade desenfreada e onde o emprego precário e o desem prego de longa duração são cada vez mais uma constante. É perante este cenário que importa questionar se estas medidas serão verdadeiramente eficazes no com bate a uma sociedade da exclusão, a qual se apresenta “desregulada, depressiva,

agressiva e transgressiva, simultaneamente impfosiva e explosiva” (Clavel, 2004, p.

177).

Numa tentativa de luta contra uma sociedade da exclusão, e em prol de uma sociedade solidária, é tentador subscrever as condições enumerados por Gilbert Clavel (2004, pp. 180-182), nomeadamente:

s É necessária uma modificação profunda das representações, das práticas e do

modelo de sociedade que subjaz à criação das medidas políticas;

s No processo de criação de qualquer medida política é fundamental considerar

em que medida a mesma será promotora de exclusão ou integração social;

S Os sujeitos das medidas devem estar envolvidos no processo de criação das

mesmas, sendo reconhecidos como “actores" e não como meros figurantes;

s Aqueles que já se encontram em situação de exclusão deverão de ser

reintegrados nas políticas de direito comum.

Como já foi referido no capítulo I desta tese, o homem parece viver numa eterna luta contra a fusão e o isolamento (Mahler, 1982, p. 104). Numa sociedade promotora de exclusão só há espaço para o isolamento ou para a fusão, sem um meio-termo que permita a emergência de homens e mulheres, simultaneamente, capazes de afirmarem a sua individualidade e de respeitarem a individualidade dos outros, compreendendo que todos ganham trabalhando para o bem-estar comum.

Este trabalho de investigação, ao implicar os próprios jovens, alvo de medidas alternativas de educação e formação, pretendeu realçar a importância de entender

esses mesmos jovens enquanto sujeitos da sua própria formação, valorizando-os bem como à subjectividade daí resultante.

Apesar deste estudo te r incidido sobre os processos de construção de sentido a respeito de experiências formativas vividas por jovens de baixa escolaridade, e, portanto, pertencentes ao seu passado, entendemos que as trajectórias de vida são processos dinâmicos e, como tal, pareceu interessante tentar reunir informação a respeito dos rumos que as vidas destes jovens haviam tomado desde o momento das entrevistas até ao final desta investigação (passados cerca de dois anos). Assim, foi realizada uma pesquisa com base em informação contida quer no sistema informático do centro de emprego, quer a partir de contacto telefónico com os próprios jovens e soubemos que:

v' O “ M a rco ” foi integrado numa acção de Educação e Formação de Jovens, com equivalência ao 9° ano, na área de Instalação e Reparação de Aparelhos de Áudio, Rádio; TV e Vídeo, passados poucos meses da entrevista. Não foi integrado na acção que pretendia, na área de informática, por esta não se encontrar agendada nos planos dos centros de formação profissional do I.E.F.P. da região de Lisboa e Vale do Tejo. O jovem abandonou a acção de formação passadas algumas semanas do início da mesma e não voltou a contactar o centro de emprego.

S A “ S ó n ia ” concluiu com aproveitamento a acção de Educação e Formação de

Jovens, com equivalência ao 9o ano, na área de Práticas Técnico-Comerciais mas não voltou a contactar o centro de emprego, pois foi colocada, passado pouco tempo, num supermercado, onde não chegou a trabalhar por conflitos com a sua “superior hierárquica". Em Setembro de 2006 começou a trabalhar numa loja de Pronto-a-Vestir, tendo assinado um contrato de 6 meses. Quando a voltou a ser contactada, estava na incerteza a respeito da renovação do contrato e planeava emigrar para Inglaterra e, talvez, continuar a estudar para obter o certificado do 12° ano. Considera que, apesar de tudo, o curso lhe foi útil por ter aprendido a trabalhar em atendimento ao público.