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ALGUNS PRINCÍPIOS

2. FORMAÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E EXCLUSÃO SOCIAL

2.1. TEORIAS DA SOCIALIZAÇÃO

2.1.2. ABORDAGENS PSICANALÍTICAS DA SOCIALIZAÇÃO

2.1.2.2. UM MODELO DE CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA

A maioria dos modelos descritos até ao momento apresenta o processo de socialização como indissociável do processo de construção identitária. De facto, a noção a respeito de “quem se é", seja para o próprio seja para os outros, nasce e reformula-se, inevitavelmente na relação com esses outros, isto é, a partir da identificação com os mesmos.

“Parte-se, é certo, da identidade biológica, objectiva de um programa genético para o seu desenvolvimento. Mas (...) de um programa aberto: que permite um leque relativamente amplo de evoluções possíveis, mesmo da própria constituição biológica; muito mais, da organização mental. O meio sobretudo o ambiente afectivo-humano e sociocultural, modela-nos e, até certo ponto, pode transformar-nos. (...) Porém, e sobremaneira, somos também - e desde o início - criadores activos (passe a redundância), espontâneos e livres do nosso ser psíquico, da identidade peculiar que nos vai definindo e diferenciando. S er intencional p o r excelência, o homem constrói-se - m ais que é construído. Para além de sermos (...) nós próprios os construtores do mundo - e únicos obreiros, com os outros (em colaboração, abraço humano), do universo civilizacional e político que psicologicamente habitamos. (...) E é no vínculo com o semelhante, na relação de apego e intimidade - relação biunívoca de am or e descoberta - que me conheço e reconheço: sei quem sou e o que valho. “ (Coimbra de

Matos, 2002, p. 215).

Coimbra de Matos (2002, pp. 216-224) propõe-nos um modelo para a compreensão do processo de construção identitária que parte da ideia de que se nos reconhecemos e se somos reconhecidos pelos outros, isto é, se temos uma identidade definida (embora não definitiva) é porque nos vamos pensando na relação com os outros. Pensamos porque existimos e existimos porque fomos amados. A dimensão afectiva é, na perspectiva deste autor, um factor fundamental no processo de autoconstrução. Assim, são propostos três processos de construção identitária:

1. “ Id e n tific a ç ã o Im a g ó ico -im a g é tica - O indivíduo identifíca-se p o r incorporação-assimilação da imago e/ou imagem com que o outro o define, ou seja, p o r captação e capturação da identidade atribuída. É o processo primitivo

mais persistente de identificação. (...) Não fosse o homem um anim al narcísico - que se vê ao espelho do olhar do outro. (...) Leva à constituição do núcleo prim ário da identidade (...) à identidade psíquica básica."

2. “ Id e n tific a ç ã o Id io m ó rfic a - (...) o sujeito identifica-se, constroi a sua identidade p o r intussuscepção (recepção no interior) das suas form as visíveis e com portamentos observados. Porque se percebe, é um se r auto-reflexivo (riqueza dos circuitos centro-límbico-pré-frontais), reconhece-se e autoconcebe- se. Identifica-se à sua própria forma - identificação idio (própria) - mórfica. É uma identificação p o r aprendizagem directa - experiência de se ver e experiência de fazer; e de mostrar-se e mostrar o que faz (a dim ensão narcísea tam bém aqui se revela). (...) Pela vida fora, a identificação ideomórfica, cedo iniciada, mantém-se. É mesmo o retalho mais nobre, genuíno e fie! da identidade pessoal. Na adolescência, em que se dão profundas transformações identificativas, a identificação ideomórfica acentua-se: são os m eus valores, os m eus ideais e o resultado da minha aprendizagem com a experiência que me guiam e determinam a minha identidade. (...) Toda a educação-relação que facilite e promova a expressão do se lf autêntico (...) deixa espaço para a aventura, ensaio, sucesso e erro (...) lastro em que se desenvolve a identificação idiomórfica, autoplástica, assertiva e de competência ( ( . . . ) potência necessária e suficiente, além da impotência e aquém da omnipotência)".

3. “ identificação Alotriomórfica ou Xenomórfica - É a identificação ao modelo. O indivíduo identifica-se ao objecto eleito, o escolhido. É o objecto amado, adm irado e também invejado, ao qual procuro assemelhar-me - introjectando atributos sèus, reais e/ou imaginados. É a identificação mais conhecida e a única que a psicanálise clássica e a psicopatologia dinâmica tradicional descrevem, como se o processo de construção da identidade se reduzisse à identificação ao modelo; é uma teoria (...) bastante reducionista - simplificadora m as restritiva. (...) A identificação ao modelo veste-nos de peles alheias, nem sem pre à nossa medida. O que muitas vezes se traduz p o r uma película de «pronto-a-pensar». Claro que há identificações alotriómórficas que resultam em excelentes atributos pessoais e que este crescimento identificativo que a relação

e a cultura propiciam não é desprezível (...) tem uma grande virtude - a abertura

do imaginário. É na medida em que desejo se r com o o outro idealizado que expando a minha imaginação. (...) Só que não chega e não é o único. ”

“Na transformação adolescentil e ju v e n il assiste-se a uma dissolução das camadas de identidade de origem imagóico-imagética e alotriomórfica - processo de desidentificação (por vezes dramática, raiando a despersonafização); o que perm ite o reforço da identificação idiomórfica, levando o jo ve m à especificação e consolidação da sua identidade própria. (...) Mesmo depois de relativam ente estruturada, no início da adultícia, a identidade vai mudando; uma vez mais, p o r desenvolvimento diferencial. (...) A identidade é, concluímos, a possibilidade de se r diferente - em sonho, ao menos!..". (Coimbra de Matos, 2002, p. 220, p. 223, p. 224).

Se consideramos as situações de formação enquanto situações de socialização (e vice-versa) e estas enquanto processos de construção identitária, então o modelo que se acaba de apresentar fornece-nos argumentos interessantes no sentido da concepção de dispositivos de formação de jovens que favoreçam uma identificação idiomórfica9, ou seja, que proporcionem um contexto propício à autoreflexão e experimentação, na relação afectiva com outros. Desta forma estarão reunidas condições10 para a emergência de adultos que, por se sentirem valorizados e respeitados na sua individualidade, serão certamente mais criativos e participativos no seio da comunidade.

9 A reforçar nesta fase da vida

10 Sobretudo, se em todos os contextos formativos da vida desses jovens (desde a infância), se