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CAPÍTULO 5 – A VISÃO SOCIAL DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AO LONGO

5.2 A NOMENCLATURA COMO ELEMENTO DISCRIMINATÓRIO AO LONGO DO

As repercussões advindas das controversas formas de a sociedade lidar com as pessoas com deficiências foram as mais diversas possíveis, porém seus efeitos confluíram em grande parte para as atitudes discriminatórias, as quais culminaram na exclusão social. Além de tantos problemas sofridos pelas pessoas com deficiência, a discriminação também tem grande representatividade na forma como a sociedade as denomina e rotula, e essa característica também é histórica. Termos como aleijados, defeituosos, deformados, paralíticos, monstros, cochos, mancos, cegos, inválidos, surdos-mudos, imperfeitos, idiotas, débeis mentais, mongóis, mongolóides, deficientes, incapacitados, excepcionais, ineficientes, portadores de deficiência, portadores de necessidades especiais, portadores de necessidades educacionais especiais, entre outros, permearam durante suas existências.

Percebe-se que todos os termos citados têm uma conotação de menos-valia e depreciação. Basta conhecer ou lembrar o significado de alguns deles:

“Inválidos”36

– indivíduo com menos valor; “Incapacitados” – sem capacidade; “Deformados” - de forma descomunal, desproporcionado, desconforme, monstruoso; “Aleijados” – vem de aleijão, que significa: 1 Lesão, deformidade, mutilação; defeito físico; aleijamento. 2 Defeito grave de ordem mental ou moral. 3 Objeto malfeito, disforme; “Monstros” - 1 Feto, humano ou animal, malformado ou com excesso ou deficiência de partes; monstruosidade, teratismo. 2 Pessoa ou coisa muito feia, horrorosa.

A partir dos significados de alguns termos percebe-se, de maneira bastante nítida, a forma pejorativa com que a sociedade vem denominando as pessoas com deficiência ao longo do tempo, evidenciando o desagrado e a repulsa que delas provém.

Basta lembrar uma forma bastante comum de discriminação praticada a muito tempo, de conotação divertida (para quem a utiliza), que é a colocação do apelido. Para isso, pergunta-se: Quem põe apelido naquilo que se considera belo, pelos padrões sociais? Provavelmente ninguém. Em que situação ele é criado? Ocorre quando alguém percebe que uma pessoa possui algo que destoa do padrão estético vigente. Então surgem Dumbos, baleias, narigões, entre outros. E se alguém se incomodar e demonstrar desagrado com a rotulação, possivelmente ela o acompanhará durante toda a vida.

A partir do apelido, surgem consequências para a pessoa discriminada, pois as estatísticas mostram o número elevado de cirurgias plásticas corretoras, com o objetivo de livrar-se definitivamente do incômodo.

O que pesa é saber que é a própria sociedade, ou seja, somos nós que construímos esses padrões, desrespeitando as diferenças e individualidades de cada ser humano. Sabe-se da mesma forma que a mídia reforça e impõe padrões que obriga as pessoas até a se mutilarem, como é o caso das mulheres que retiram cirurgicamente as últimas costelas para afinarem a cintura, antes dos desfiles das escolas de samba, no sul e sudeste do país, em uma clara demonstração de perda de limites e inversão de valores.

Apesar da posição contrária da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o número de cirurgias desse tipo ainda é elevado. É notória a necessidade de algumas pessoas seguirem padrões, mesmo à custa do sacrifício de sua própria saúde, demonstrando o receio de não estar incluída socialmente.

Perante realidades assim, como se sente uma pessoa transgressora de padrões impostos socialmente? Ademais, diante dos padrões estéticos e rígidos, disseminados pela mídia, como se sente uma pessoa cujas diferenças provocadas por algum fator interno/externo

a colocam no hall dos “deformados”, “aleijados”, entre outros? Como enfrentar essa dura realidade?

De acordo com Sassaki (2005), na atualidade o termo utilizado para denominá-las, atendendo aos pedidos das próprias pessoas envolvidas é: pessoa com deficiência. Isto ocorreu no maior evento das organizações de pessoas com deficiência, denominado Encontrão, realizado no Recife em 2000, quando elas conclamaram o público a adotar este termo. Nesta tese, optou-se por adotá-lo por ser da preferência das pessoas envolvidas com a problemática. Entretanto, apesar de ser uma opção dessas pessoas, a denominação ainda acarreta a ideia de menos-valia, de inferioridade.

Pergunta-se, portanto: quem ou o que dá ao homem o direito de sentir-se superior a outro? O que faz o homem, quando detém o poder, a exemplo de Hitler, estar convicto de que seus semelhantes são inferiores a ele e exterminá-los? Por que a ideia de raça pura para se discriminar seres humanos, pessoas semelhantes entre si? O que as relações de poder constroem na mente dos homens?

O que leva o homem a praticar atos de violência contra outros homens? A se considerar superior, melhor, fazer distinção com os outros? Em uma sociedade capitalista, dominada pelo mercado, onde se apresentam os valores morais, por onde perpassam a solidariedade, a afetividade, o respeito às diferenças individuais?

Bourdieu introduziu o conceito de violência simbólica, para se referir ao controle de um estrato social sobre outro. Essa violência legitima a dominação e é acionada através de estilos de vida. Elias corrobora com essa dominação, quando denuncia elementos pueris de obtenção de poder. Pierucci faz uma reflexão em relação ao extermínio dos judeus, durante a segunda guerra mundial e assim a justifica:

Foi precisamente pelo ódio. A sua especificidade de “judeus” – à sua diferença37. Foi por heterofobia38, por fobia à sua alteridade irredutível. E uma vez reconhecido o fato bruto da alteridade, da diferença incomensurável, foi por desvalorização da diferença reconhecida, cuja existência neste mesmo ato é reafirmada para ser negada, expelida, exterminada (Pierucci, 2013, p. 21 e 22).

Vivemos em um mundo que até em pessoas influentes socialmente, que deveriam incentivar a união entre os povos, como o criador dos jogos olímpicos, existe discriminação.

37 Grifos do autor. 38 Grifo do autor.

Há relato biográfico39 no qual o Barão de Coubertain, criador dos Jogos Olímpicos da Era Modernaera misógino ferrenho, e ele anunciou seu afastamento do comitê olímpico quando as mulheres iniciaram sua participação nos mesmos.

A nobreza, por sua vez, sempre foi acompanhada de imensa distância social. Era uma prática comum os nobres se colocarem, como até hoje se colocam, acima de todos os outros seres humanos. Alguns deles, como os faraós, se consideravam deuses. Elias relata o fato de o termo nobre apresentar um duplo sentido: “categoria social elevada e atitude humana altamente valorizada” (ELIAS, 2000, p. 19).

Na atualidade, muito desse sentimento de superioridade se faz presente, fomentados pelo poder, sucesso, fartos recursos financeiros, entre outros fatores, discriminando e humilhando as outras pessoas, obrigando-as a ter que lutar arduamente por seus direitos, legítimos, por sinal.

Ao ler sobre a história da humanidade, percebem-se de forma constante as grandes diferenças sociais, sobre várias rotulações: os opressores e os oprimidos, os senhores e os escravos, os estabelecidos e os outsiders.

Elias (2000) quando traz sua experiência nessa temática, ao publicar sua teoria sobre ao estabelecidos e os outsiders, demonstrou como relatado em capítulo anterior, que dois fatores alicerçam as relações de poder: o orgulho (pessoal ou coletivo) por possuí-lo, e o medo. Este último, ligado à possibilidade de sua perda.

Isso chama a atenção para o fenômeno de que qualquer pretexto é utilizado pelo ser humano para adotar uma posição de superioridade e/ou assumir o poder, excluindo de suas relações pessoas que não lhes parecem merecedoras de seu convívio. Por este motivo, essa teoria é pertinente a este trabalho, devido às pessoas com deficiência sempre haverem recebido tratamento deficitário e distorcido por parte da sociedade, culminando no pior tipo de discriminação: sua exclusão em vários os setores da mesma, quais sejam, escolar, laboral, de lazer, especificamente a atitudinal, entre tantos outros.

Adotar posturas de combate à exclusão sedimenta movimentos sociais. O Movimento Surdo reflete a necessidade de conscientizar as pessoas surdas a se unirem e lutar pelos seus direitos cidadãos. Está-se criando nas pessoas sua própria identidade, a “Identidade Surda”, independente do sistema oralista hegemônico; o fato de rejeitarem procedimentos médicos que buscam a “normalização” é uma das bandeiras desse movimento, que preconiza a

aceitação do sujeito como ele é, e não como a sociedade exija que ele seja. Reconhecer que o surdo pertence a uma minoria linguística e cultural é um dos seus objetivos primordiais.

Movimentos desse porte têm potencialidade para gerar fontes de solução para o problema da exclusão, tão antigo e, infelizmente, tão atual em nossa sociedade. Sendo assim, se mostram de extrema relevância na condução de problemáticas dessa natureza.

Neste capítulo dissertou-se sobre a história das pessoas com deficiência, dando ênfase às reações das sociedades em relações às mesmas; exclusão e extermínio – inclusive em massa - foram a tônica dessas relações conflituosas ao longo do tempo. Em raras civilizações ou períodos históricos, a sociedade apresentou atitudes mais humanizadas em relação às pessoas com deficiência. Igualmente discriminatórias, pejorativas e excludentes se mostraram as denominações dessas pessoas por parte da sociedade.

CAPÍTULO 6 - PRO-NIDE: SUA HISTÓRIA E MEMÓRIAS

Um fato histórico resulta duma montagem e estabelecê-lo exige um trabalho técnico e teórico [...].

Jacques Le Goff

Este capítulo foi destinado à construção da história do PRO-NIDE, contada a partir dos relatos dos atores entrevistados. Para tal propósito, sentiu-se a necessidade de contextualizar a época do nascimento do mesmo em suas implicações políticas, econômicas e sociais. Igualmente relevante foi a pesquisa realizada no intuito de descobrir os primeiros frequentadores e de como foi iniciada a prática do ensino do esporte para pessoas com deficiência na Universidade Federal de Pernambuco.

Ao mesmo tempo, foram pesquisadas a postura da Universidade e do Governo Federal em relação à implantação do PRO-NIDE, assim como a metodologia de ensino utilizada em seus planejamentos e desenvolvimento de aulas. A questão das adaptações obteve especial destaque, por se tratar da utilização, pelo projeto, do conteúdo da disciplina Educação Física Adaptada e ponto de teste da hipótese levantada na presente tese.

Destaca-se o surgimento de três categorias de análise nos momentos de contato com as entrevistas de seus atores e atrizes sociais: a memória administrativa, a memória pedagógica e a memória afetiva. Esta última revelou-se como a de mais forte presença e repleta de significados por parte dos (as) entrevistados (as).