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A Guerra deflagrada entre as principais potências mundiais, em 1939, amplia o grau de intervenção estatal nas relações econômicas, fornecendo as bases para no futuro, consolidar-se um novo cenário para o enfrentamento das questões sociais.

Ao final do conflito, num cenário geopolítico mundial bipolar - por um lado com a hegemonia norte-americana sob o bloco de nações capitalistas e por outro, com a forte influência nos movimentos sociais do mundo inteiro das experiências do socialismo real - os Estados têm um novo desenho, com a expansão de suas estruturas e funções, representada em linhas gerais pelo substancial aumento do gasto público, com a ampliação de seus mecanismos e base de arrecadação tributária, pela multiplicação de suas estruturas envolvidas com a produção, com o desenvolvimento dos mecanismos de regulação econômica e proteção social, entre outros.

O debate ao final da chamada era da catástrofe26, coloca em pauta o espaço

obtido pelos Estados em virtude do enfrentamento dos efeitos da grande depressão nos anos 30 e do esforço de guerra nos anos 40. O pano de fundo do debate, diz respeito à construção de uma nova ordem econômica, política e social, baseada numa ativa atuação estatal e na criação de um padrão de regulação social, ou por outro lado, a retomada da tradição dos velhos preceitos liberais anteriormente hegemônicos, que se mostravam incongruentes com o novo alinhamento de forças que se estabeleciam nesse mundo saído da guerra.

A experiência das décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, demonstra que desse debate saem fortalecidas as posições cujos sentimentos mostravam-se profundamente anti-liberais, catalisados em grande medida pela expressão desse novo Estado que vai progressivamente se conformando e, de uma ordem política-social que impõe à economia um novo padrão de regulação.

26 O historiador inglês Eric Hobsbawm, periodiza como sendo a era da catástrofe o período que vai do início

da Primeira Guerra Mundial em 1914, até o término da Segunda Guerra Mundial em 1945. [HOBSBAWM, 1995].

Tal padrão passou a se refletir de maneira variada, na constituição de uma ordem econômica internacional regulada a partir de Bretton Woods, no fortalecimento das instituições de regulação dos mercados nacionais e na ampliação dos esquemas de proteção social na órbita dos Estados. Karl Polanyi resume esse sentimento anti-liberal afirmando:

"Sem dúvida, o trabalho, a terra e o capital são essenciais numa economia de mercado. Mas nenhuma sociedade poderia suportar os efeitos de tal sistema de ficções simplistas, nem mesmo pelo mais curto espaço de tempo, se sua essência humana e natural, bem como suas organizações empresariais, não fossem protegidas da devastação causada por esse moinho satânico [...] despojados da capa protetora das instituições, os seres humanos pereceriam, por ficarem socialmente expostos, morreriam como vítimas de uma aguda perturbação social, através do vício, da perversão, do crime e da fome"

[POLANYI, 1980].

A dimensão do Estado, caracterizado tipicamente no período posterior à Segunda Guerra Mundial, além de mais ampla, está posta sobre novas bases de atuação. As pressões coletivas e a problemática da participação política institucional, além das crescentes necessidades fiscais e militares da primeira metade do século XX, aproximaram cada vez mais o Estado das massas. Com efeito, crescem as atividades das organizações que representam tanto o capital como o trabalho no interior do Estado, num movimento onde passam a compactuar com a coerção e a barganha, na alocação do produto socialmente produzido [POGGI, 1985]27.

O novo momento tem suas raízes na crise do Estado liberal e no avanço do poder do trabalho, pelo crescimento do sindicalismo industrial e pela expansão da massa de trabalhadores na grande empresa. Conforme afirma Jonh Holloway, trata-se do reconhecimento e ao mesmo tempo da tentativa de integração do poder do trabalho, num jogo cujas as relações de poder não são mais as mesmas do pré-guerras e que de alguma maneira se cristalizaram sob o que ficou conhecido posteriormente por keynesianismo. Para Holloway, não se trata

27 O autor ressalta o caráter estrutural da necessidade do modo capitalista em requerer a universalização dos

simplesmente de um avanço racional científico na administração da economia, mas do resultado de um prolongado conflito; um modelo de relações políticas e econômicas associadas à teoria, que de uma forma geral ganharam força no mundo capitalista no pós-guerra28.

O quadro delineado ao final da Segunda Guerra estava capitaneado sobretudo pela percepção da insustentabilidade de um novo período de hegemonia das concepções do livre mercado. Dessa maneira, a necessidade de maior regulação da economia e da construção de instituições que pudessem abrigar as demandas geradas em meio ao novo alinhamento das forças sociais, assentava-se sobre a memória recente do entre guerras e não menos importante, no avanço dos comunistas, socialistas e trabalhistas nesse mundo a ser reconstruído29.

Na definição do caminho a seguir durante o pós-guerra, o mundo capitalista gestou uma nova experiência histórica, capitaneada em grande medida pelas mudanças no equilíbrio das forças sociais, no redimensionamento do Estado e na projeção de um novo cenário para o futuro30.

A nova ordem instituída no pós-guerra assentava-se sobre um modelo combinado entre mecanismos de mercado e intenso planejamento econômico estatal. Seus resultados, em linhas gerais, forjaram os chamados trinta anos

gloriosos do capitalismo, um período sem precedentes de desenvolvimento

econômico e incorporação social entre os países capitalistas avançados.

28 "[...]o keynesianismo é também o reconhecimento institucional explícito da resistência dos trabalhadores,

reflete a dependência do capital pelo trabalho e o poder das instâncias de representação do trabalho, cristalizadas nos sindicatos e nos partidos políticos". [HOLLOWAY, 1995].

29 Tal avanço pode ser facilmente observado através dos mapas eleitorais e da situação política interna

desses países ao final do conflito. Já durante a Guerra, os trabalhistas, socialistas e comunistas, ganham força ao mesmo tempo em que a direita colaboracionista para com os nazi-fascistas, se enfraquece. Podemos dar por exemplo a situação inglesa, onde o Labour Party já em 1940 ingressa no gabinete de W. Churchill, consolidando uma aliança com intelectuais liberais. É no seio desta aliança que se articulam consideráveis reformas sociais, tal como o Plano Beveridge, elaborado em 1942, contando com o Ministro do Trabalho socialista Ernest Bevin, ou ainda a Reforma educacional de 1944, Education Bill. Com o término da Guerra, os trabalhistas saem do governo e obtém expressiva votação, 12 milhões de votos, o que os confere a maioria absoluta no Parlamento pela primeira vez na História. [ABENDROTH, 1977].

30 Nas palavras de Hobsbawm, "[...]ao final da Guerra, não se sabia ao certo o que construir, mas estava claro

A virtuosidade de uma era de ouro quanto ao desenvolvimento econômico e a incorporação social nos países avançados, vista como um período de exceção na história do capitalismo, foi viabilizada por um arranjo de múltiplos fatores, como: o notável desenvolvimento das estruturas de bem-estar-social, a articulação e o comprometimento das políticas macroeconômicas com o desenvolvimento e com o bem-estar, e principalmente, as novas relações estabelecidas em meio a substanciais alterações no plano das forças políticas, que de forma concomitante, possibilitaram mudanças gerais nas normas de funcionamento da economia internacional, particularmente em sua dimensão financeira.

De acordo com Luiz G. Beluzzo, a concepção de um desenvolvimento nacional, no marco de uma ordem internacional estável e regulada, não era uma fantasia idiossincrática, mas decorria do espírito do tempo, forjado na reminiscência da experiência terrível do início deste século. Ademais, afirma, que as forças sociais incumbidas de reconstruir as instituições capitalistas no pós- guerra, estavam imbuídas desta convicção, que para evitar a repetição do desastre era necessário, antes de tudo, constituir uma ordem econômica internacional capaz de promover o desenvolvimento, sem obstáculos, do comércio entre as nações, dentro de regras monetárias que garantissem a confiança na moeda-reserva, o ajustamento não deflacionário do balanço de pagamentos e o abastecimento de liquidez requerido pelas transações em expansão31. Diz,

"...a construção e a gestão desse ambiente internacional favorável as políticas econômicas do Estado Social e comprometidas com a manutenção do pleno emprego, encontraram resposta adequada nas reformas promovidas nas instituições e nas políticas dos Estados Nacionais" [BELUZZO, 1995: 12].

Nesse cenário, foram criadas condições para o decréscimo nas taxas de desemprego, e ao desenvolvimento dos Estados de bem-estar social, mediante ao comprometimento das políticas macroeconômicas com as políticas sociais no estímulo ao crescimento sustentado e na elevação dos níveis de emprego.

31 Prossegue, afirmando que se tratava, portanto, de erigir um ambiente econômico internacional destinado a

propiciar um amplo raio de manobra para as políticas nacionais de desenvolvimento, onde tampouco era fortuito o papel atribuído a ação do Estado no estímulo ao crescimento, na prevenção das instabilidades da economia e na correção dos desequilíbrios sociais [BELUZZO, 1995]

Figura 1

Fonte: MADISON, 1982 apud MATTOSO, 1995:25 * média de 10 países capitalistas avançados

A ordem instituída no pós-guerra possibilitou a obtenção de taxas de crescimento das economias nacionais superiores a qualquer período da história do capitalismo. De fato, tamanha expansão das forças produtivas, constituiu-se num pilar para a obtenção de elevados níveis de absorção da mão-de-obra próximos ao pleno emprego.

Tabela 1

Taxas Médias de Desemprego em períodos e países selecionados (% da população ativa) 1921-1929 1930-1938 1950-1959 1960-1967 1968-1973 Alemanha 9.2 21.8 4.9 0.8 0.8 EUA 5.1 14.5 4.5 5.0 4.6 Inglaterra 8.3 11.7 1.4 1.5 2.4 Itália 3.3 9.6 10.1 4.9 5.7 Japão - 4.9 2.2 1.3 1.2 Suécia 14.2 15.8 2.2 1.6 2.2 França 3.8 10.2 1.8 1.5 2,6*

Fonte: apud Mattoso (1995: 34). *OECD, Historical Statistics, 1991.

2,5 1,9 4,9 2,5 0 1 2 3 4 5 1870/1913 1913/1950 1950/1973 1973/1979

Crescimento do PIB em países capitalistas avançados em diferentes períodos, 1870-1979*

Na verdade, em tais condições estavam embutidas novas possibilidades de uma atuação mais ampla não só contra o desemprego, mas contra as diversas formas de manifestação do excedente da força de trabalho, a partir de políticas de geração de empregos fora da esfera tipicamente capitalista de acumulação, que acabaram por fomentar um processo crescente de "desmercantilização do trabalho".

Tal processo, dentre outras formas, pode ser visto pela própria dinâmica de crescimento do emprego no pós-guerra, onde o emprego vinculado às estruturas do Estado cresce, em média, mais rapidamente do que aqueles vinculados ao setor privado em geral e de maneira próxima ao crescimento do emprego no setor de serviços privados.

Figura 2

Fonte: MATTOSO, 1995

A consolidação do Estado de bem-estar-social no pós-guerra possibilitou a incorporação de grande parcela dos trabalhadores ao consumo, aos direitos sociais e à conquista de uma estabilidade no mundo do trabalho, dissonante com a maior parte da história do capitalismo. Conforme afirma Castel, um dos pilares desse processo foi o avanço do movimento de criação de empregos no âmbito do Estado de bem-estar social, cujas relações se caracterizam por serem tipicamente não mercantis [CASTEL, op.cit.].

-1 0 1 2 3 4 1960/1968 1968/1973 1973/1979

Taxa de crescimento do emprego, 1960-1979 (média anual em %)

Este processo, na realidade, é uma ruptura no que se refere aos problemas relativos à absorção da força de trabalho, já que a questão do excedente de mão- de-obra passa a não estar mais condicionada de forma única à utilização do trabalho na acumulação capitalista.

Neste sentido, a função do Estado de bem-estar-social, pode ser sintetizada segundo Francisco de Oliveira de forma ampla, na sistematização de uma esfera pública onde, a partir de regras universais e pactadas, o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação de capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais [OLIVEIRA, 1988].

Um grande indicador que ressalta a importância dessa atuação e da sistematização de uma esfera pública nas economias capitalistas ao longo da segunda metade deste século, apresenta-se sob a forma do crescimento dos gastos sociais e do salário indireto apropriado pelo trabalhador. Oliveira assinala que o crescimento do salário indireto e das despesas públicas sociais, combinado a um forte progresso técnico, à organização fordista da produção, aos enormes ganhos de produtividade, constituem-se como fatores essenciais e estruturantes para a conformação de um padrão de consumo de massa, que passa a ser predominante no pós-guerra32.

O impacto do gasto público social sob o conjunto da sociedade, ao mesmo tempo em que pode ser visto pela consolidação de uma renda indireta apropriada pelos trabalhadores, apresenta outra dimensão fundamental quanto à organização do mercado de trabalho e da melhoria da qualidade de vida de grande parte da população nos países avançados. Se por um lado, o avanço do gasto público tem um enorme impacto na criação de postos de trabalho, caracterizando-se como uma política de demanda por mão-de-obra, sua outra dimensão diz respeito aos efeitos que particularmente os gastos sociais produzem, na retirada de pessoas do

32 Idem; p. 10. A liberação do salário direto na realidade, favoreceu de maneira mais acentuada o consumo de

bens duráveis, não obstante a presença dos fundos públicos se constituiu ao longo do pós-guerra como um elemento estrutural ao capitalismo contemporâneo.

mercado de trabalho, caracterizando-se dessa forma, também, como uma política sobre a oferta de mão-de-obra.

O desenvolvimento das estruturas de bem-estar e proteção social nos países avançados durante o pós-guerra, em especial a ampliação dos sistemas educacionais e dos sistemas previdenciários, explicitam tal dimensão. Simultaneamente estas estruturas passaram a retardar a entrada de jovens no mercado de trabalho em virtude do prolongamento de sua vida escolar e a antecipar a retirada de trabalhadores do mercado de trabalho, com programas de aposentadoria e pré-aposentadoria que foram sendo criados e ampliados.

O resultado visto foi uma importante redução do volume e tempo de permanência dos trabalhadores no mercado de trabalho, reduzindo a pressão pela criação de novas vagas e fornecendo amparo e proteção social a grupos tipicamente atingidos pelo desemprego, como jovens e trabalhadores idosos.

De fato, o pós-guerra marcou o desenvolvimento e a ampliação da atenção sobre grande parcela dos trabalhadores por meio das políticas públicas e das ações do Estado. O desenvolvimento do Estado de bem-estar-social trouxe múltiplos reflexos sobre a conformação das sociedades capitalistas avançadas no pós-guerra, não somente pela atenção direta aos desvalidos e aos necessitados, mas pelos efeitos da ação do conjunto dos dispêndios públicos que impulsionaram a atividade econômica, que em última instância, se refletiram em prol da incorporação social33. Sem dúvida, as transformações das sociedades contemporâneas estão intimamente ligadas às mudanças ocorridas com os Estados. Genericamente, podemos dizer que a história do século XX está relacionada em suas grandes linhas ao movimento de expansão do Estado, de suas estruturas, papel e funções, como expressão de um novo ordenamento das relações de força no interior das sociedades.

33 Uma expressão desse processo é a enorme expansão do emprego público nesses países no pós-guerra,

das formas de obtenção de renda constituídas fora da esfera produtiva capitalista, especialmente àquelas funções nas áreas do bem-estar-social. Maiores detalhes acerca da evolução histórica do emprego público nas sociedades industriais avançadas, como elemento determinante do pleno emprego no pós-guerra, serão tratados adiante.

O referido processo de expansão dos Estados, pode ser apreendido, grosso

modo, pelo crescimento dos gastos públicos durante todo o século XX que

representam o poder e a capacidade desses Estados, por um lado de apropriar-se do produto socialmente produzido, e por outro de sua própria capacidade de gerar riqueza34.

Tabela 2

Total do gasto público como porcentagem do PIB à valores correntes

1913 1929 1938 1950 1973 1986 França 8.9 12.4 23.2 27.6 38.8 53.2 Alemanha 17.7 30.6 42.4 30.4 41.2 47.8 Japão 14.2 18.8 30.3 19.8 22.9 35.5 Holanda 8.2 11.1 21.7 26.8 49.1 58.0 Reino Unido 13.3 23.8 28.8 34.2 41.5 45.9 Estados Unidos 8.0 10.0 19.8 21.4 30.7 37.1 Média 11.7 17.8 27.7 26.7 37.4 46.3 Fonte: MADDISON, 1989.

Jonh K. Galbraith, em A Sociedade Justa, afirma ser a dialética da política moderna, uma competição desigual, onde os ricos e bem situados têm influência e dinheiro, e os pobres e preocupados não têm dinheiro, e por isso lutam para conseguirem de forma organizada sua influência nas decisões da sociedade. A questão definidora entre esses dois grupos é o papel do governo. Para os pobres e preocupados, o governo é fundamental ao seu bem-estar e para alguns, até a sobrevivência; para os ricos e bem situados, é um ônus, salvo quando são servidos seus interesses particulares [GALBRAITH, 1996: 09].

Com efeito, Robert Boyer ressalta que do ponto de vista histórico, a simples ação do Estado sobre variáveis tradicionais da política monetária, orçamentária e tributária, mostrou-se incapaz de reabsorver as contradições fundamentais do desenvolvimento capitalista, cuja origem está nas condições de extração e realização da "mais-valia". Segundo ele, esta relativização do papel do Estado é ainda reforçada pela limitação crescente da autonomia dos diversos Estados-

Nacionais. Boyer, dessa forma, assinala que o êxito atribuído às políticas de inspiração keynesiana de regulação, decorre de mudanças muito mais profundas no tocante às próprias estruturas do capitalismo, do que uma mera política conjuntural de recuperação econômica [BOYER, 1979].

Em trabalho posterior, Boyer considera que a ação do Estado como expressão de uma forma de regulação social, consiste não em uma intervenção ativa e consciente por parte do Estado ou de outras organizações coletivas, onde um ator ou grupo social desempenha o papel de engenheiro de sistemas, de modo a garantir através de uma ação consciente e deliberada a estabilização dinâmica da economia [BOYER, 1986].

Na realidade, as evidências históricas mostram que a construção de um padrão de regulação social corresponde a articulação de diversos elementos, consubstanciados por profundas alterações políticas, econômicas e sociais que se apoiam num intenso e continuado conflito no interior das sociedades capitalistas [Idem].