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POLÍTICAS DE EMPREGO E A CONTRA REVOLUÇÃO LIBERAL

2.2. O significado das políticas de emprego no período recente

Os debates teóricos, que envolvem o problema do excedente de mão-de- obra nas economias capitalistas desenvolvidas nestas duas últimas décadas, devem estar condicionados por alguns parâmetros analíticos. De acordo com Jacques Freyssinet, o desenvolvimento do desemprego a partir dos anos 70 é produto de uma crise dos mecanismos de regulação54 do crescimento nas economias avançadas; fundamentalmente, a luta contra o desemprego, não está colocada somente no nível de políticas voltadas ao mercado de trabalho, mas de maneira ampla, está comandada pelo modo de inserção da variável emprego nas estratégias de desenvolvimento econômico e social de longo prazo [FREYSSINET, 1991: 88].

Outrossim, é necessário observar que o emprego se constitui numa variável básica do funcionamento de uma economia capitalista. Sua determinação relativa a quantidade e qualidade dos empregos, encontra-se associada a um conjunto amplo de elementos, dentre os quais podemos destacar genericamente,

as políticas macroeconômicas, como base da determinação do volume global da ocupação em cada nação, sendo o comportamento - maior ou menor - da demanda agregada (investimento e consumo), revelador da situação geral do emprego da força de trabalho. os paradigmas tecno-produtivos, que estabelecem as condições operacionais de uso do

trabalho e do capital nas atividades mercantis, com efeito multiplicador para toda a economia, inclusive para atividades não-mercantis;

as políticas de bem-estar social, que mediante a constituição de fundos de financiamento público ou privado e organizados, os institutos governamentais ou não, estabelecem as garantias mínimas de proteção social, podendo ainda atuar como elemento de sustentação da atividade econômica, gerando novas oportunidades de ocupação e de ganhos de renda em segmentos não mercantis da economia; e

sistema de relações de trabalho, que ao impor os parâmetros regulatórios básicos do mercado de trabalho, contribui para o estabelecimento do maior ou menor grau de concorrência no interior da classe trabalhadora. Em cada país, o direito do trabalho define o marco geral de uso e remuneração da mão-de-obra, seja por meios formais ou por meios informais [POCHMANN, 1999: 108].

54 O conceito de Regulação tem tratamento amplo de outros autores, principalmente da chamada Escola da Regulação francesa. Sobre o assunto, ver a descrição de POSSAS, [1988].

A defesa do pleno emprego no pós-guerra, segundo Pochmann, a partir da utilização efetiva das forças produtivas, seria o resultado histórico de compromissos políticos estabelecidos pelos principais atores sociais, com capacidade de instrumentalizar as políticas macroeconômicas voltadas para a universalização do bem-estar. Em outras palavras, o emprego seria uma variável dependente da reação da sociedade frente ao fenômeno histórico da existência de excedente de força de trabalho no capitalismo [POCHMANN, 1999. op.cit.].

Dessa maneira, a luta contra o desemprego ou contra a existência de um excedente de mão-de-obra especificamente por meio de um conjunto de políticas específicas voltadas ao mercado de trabalho - seguro-desemprego, qualificação profissional, intermediação de mão-de-obra, entre outros - se refere a atuação sobre um espaço definido dentro do quadro de condições dadas ao funcionamento da economia e da sociedade, cumprindo o papel de atenuador dos custos econômicos e sociais do fenômeno. Mas a partir da proposição de Pochmann, devemos buscar o significado daquilo denominado no período recente por políticas de emprego.

Durante o pós-guerra, os estudos sobre políticas de emprego aparecem, em geral, nos trabalhos que tratam das políticas de regulação macroeconômica, e mais precisamente nos anos 60, em estudos sobre políticas fiscais e monetárias. Barbier & Gautié chamam atenção para um movimento curioso. Olhadas as experiências nacionais do capitalismo avançado desde o pós-guerra, guardando as peculiaridades devidas, de fato ocorreu uma explosão de políticas chamadas de emprego a partir dos anos 70, sendo que paradoxalmente tal processo, foi acompanhado de um número limitado de trabalhos sobre o tema. O paradoxo apontado, decorre em grande medida das dificuldades de precisar o objeto a ser tratado [BARBIER & GAUTIÉ, 1998].

Mas, de fato, o que se trata por políticas de emprego no período recente? Para respondermos, faz-se necessário abordar o seu significado a partir dos anos 70, tendo em vista que seu conteúdo e sua natureza em muito se diferem daquilo que no pós-guerra se convencionou chamar de políticas de emprego.

Nas condições de desenvolvimento das sociedades capitalistas no período recente, aquelas que continuaram convencionalmente conhecidas por políticas de

emprego possuem um significado distinto daquilo que fora compreendido no pós-

guerra como políticas de emprego. A partir da explosão de um conjunto de programas voltados ao mercado de trabalho e focalizados sobre determinados segmentos da força de trabalho, em nosso entendimento, o que é denominado por políticas de emprego deve ser visto, grosso modo, como estratégias diversas de garantias de direitos sociais básicos, como a garantia de renda via seguro-desemprego, o acesso à educação (profissional no caso), a atenção aos grupos especialmente em dificuldades de obtenção de emprego e renda, retirada antecipada de trabalhadores do mercado de trabalho, entre outros.

Em outras palavras, estamos diante de uma ampla ruptura relativa à constituição de um padrão de tratamento das questões do mundo do trabalho, que circunscreve ao "bom funcionamento" do mercado de trabalho, problemas sociais e econômicos mais abrangentes que não se resumem a ele. Assim, o que é conceitualmente tratado por políticas de emprego, precisamente nos anos 80 e 90, aos nossos olhos, não deve ser entendido como a expressão de um compromisso político em prol do pleno emprego e da plena incorporação social que caracterizava as políticas de emprego no pós-guerra.

É por esse posicionamento, diante das condições políticas e sociais de funcionamento das economias capitalistas nas últimas décadas, que tão pouco deveríamos chamá-las de políticas de emprego; pela sua circunscrição e pressupostos, mais adequado seria chamá-las políticas liberais de emprego ou ainda, aceitando a terminologia das instituições multilaterais, políticas voltadas ao mercado de trabalho.

Tal mudança, não responderia simplesmente a aspectos etimológicos, mas refletiria de alguma maneira, seu real sentido histórico e particularmente contemporâneo, qual seja, de circunscrever na órbita do mercado de trabalho, problemas gerais do padrão de desenvolvimento econômico e social estabelecido.

Mesmo as tentativas de avaliação dos efeitos positivos ou negativos dessas políticas na ausência de uma estratégia global de combate às desigualdades e ao desemprego, num contexto de desfalecimento da luta pela plena incorporação social, mostram-se prejudicadas. Como Thomás Coutrot, funcionário do Ministério do Emprego francês afirmou recentemente: “...de que forma poderemos

satisfatoriamente e de maneira ampla avaliar programas como o seguro- desemprego ou a Renda Mínima de Inserção, quanto à sua eficiência e eficácia? Pelo número crescente de atendidos? Isso revelaria no máximo, parte de nossas tragédias sociais”55.

Não menos importante é notarmos que, na realidade, as políticas de emprego, ganham notoriedade no plano das políticas públicas - ao menos no sentido contemporâneo - a partir dos anos 80. O que vemos nesse sentido é que foram reinventadas ao longo desses últimos vinte anos, ganhando um novo significado, cujo o arcabouço geral é o de atuar sobre os chamados desequilíbrios do mercado de trabalho, como se estes não fossem expressão das formas pelas quais foram sendo encaminhadas no período recente, as estratégias de conformação de um padrão de acumulação capitalista, que estruturalmente impele ao baixo dinamismo econômico e às crescentes dificuldades na geração de novos postos de trabalho.

Ao predizermos que as políticas de emprego no período recente são genericamente políticas voltadas à garantia de direitos sociais básicos, estamos também procurando embutir seu real significado e importância. De fato, constituem-se como um segmento que ganha crescente importância em várias experiências nacionais do capitalismo avançado em meio ao conjunto de políticas públicas sociais. O que estamos afirmando dessa forma, é que sua relevância - além daquelas atribuídas às benfeitorias de programas com essas características - está em se conformarem como uma expressão crescente das políticas públicas no mundo desenvolvido.

55 Thomás Coutrot, em palestra proferida no Seminário interdisciplinar sobre políticas públicas, formação profissional e mercado de trabalho: França e Brasil. FEA/USP, São Paulo, setembro/1999.

Por outro lado, a própria mudança no seu significado, indica que neste período de hegemonia liberal, o emprego e a organização do mundo do trabalho, deixaram de ser vistos como resultados de uma conformação política, econômica e social mais ampla, para serem tratados de forma independente, autônoma e focalizada.

As políticas de emprego no pós-guerra, não poderiam ser confundidas e reduzidas a programas como o seguro-desemprego - pois esse visa simplesmente garantir certa renda a um determinado segmento da mão-de-obra disponível e não utilizada56 - tampouco as políticas de formação profissional, ou ainda reduzidas somente a ação das políticas existentes no âmbito dos sistemas públicos de emprego, porque tinham por objetivo em primeiro lugar aumentar a demanda de mão-de-obra, buscando garantir assim salário, trabalho e renda ao conjunto da força de trabalho. Dessa forma, na medida em que buscavam garantir postos de trabalho suficientes para absorver a mão-de-obra disponível, de seus efeitos resultava um produto (bens ou serviços) em geral adequado à satisfação das necessidades econômicas ou sociais dos trabalhadores.

Nesse sentido, as políticas de emprego características do pós-guerra, visavam, em primeiro lugar, a criação de empregos e somente por conseqüência, satisfaziam outras necessidades, como a inserção de grupos mais duramente atingidos pelo desemprego ou a indução à mobilidade espacial dos trabalhadores em busca de emprego [ver IPARDES, 1984].

Todavia, as políticas liberais de emprego têm como escopo geral um conjunto de intervenções de instituições especializadas, cuja a função é de alguma maneira, atuar sobre o mercado de trabalho. Segundo Freyssinet, tal atuação origina-se da constatação de “múltiplos desequilíbrios” que atuam sobre o mercado de trabalho [FREYSSINET, 1991].

56 Para Beveridge, o seguro-desemprego é um mecanismo de ajuda aos desempregados que compõe as

políticas de pleno emprego, atenuando a pressão sobre o trabalhador em submeter-se a qualquer emprego e atendendo apenas a demanda oriunda de um desemprego friccional e de curta duração. Assim também o sistema de intermediação de mão-de-obra é visto. Considerando uma oferta de empregos superior à mão-de- obra disponível, o trabalhador é conduzido a um emprego existente [Beveridge, op.cit].

Nesse sentido, as políticas liberais de emprego abrigam uma multiplicidade de instrumentos, grande diversidade de objetivos e uma enorme heterogeneidade entre as experiências nacionais, tornando mais complexa sua apreensão sob uma categoria universal. Uma definição simples, de acordo com Barbier & Gautié, [1998] refere-se a um conjunto de intervenções públicas sobre o mercado de trabalho, visando à correção de “eventuais desequilíbrios” e/ou limitar os efeitos nefastos de seu funcionamento.

Um elemento decisivo que permite ainda hoje agrupar tais políticas sob uma mesma categoria, diz respeito aos seus pressupostos. Pela natureza da maior parte dos programas - voltados à oferta de mão-de-obra - por sua circunscrição e isolamento, representam em linhas gerais, um retorno ao passado, na medida em que materializam um processo que novamente individualiza a responsabilidade do desemprego e das dificuldades de inserção no mercado de trabalho. Está subjacente, aos contornos das políticas liberais de emprego, que o desemprego e as dificuldades de inserção no mercado de trabalho, derivam não do funcionamento do sistema econômico, mas da insuficiência de atributos individuais dos trabalhadores, o que no limite, recoloca sob uma "nova roupagem" as concepções neoclássicas acerca do desemprego voluntário57.

Nos anos 80 e 90, consolidaram-se dentro da literatura especializada e dos organismos internacionais envolvidos com as pesquisas em torno do emprego e do desemprego, controvérsias a respeito do caráter das políticas de emprego. Se no passado os liberais negavam a possibilidade de execução destas políticas, já que o excedente de mão-de-obra era determinado, segundo suas convicções, pela resistência dos trabalhadores diante dos mecanismos de auto-ajuste do mercado de trabalho - por exemplo em aceitarem as reduções salariais necessárias ao incentivo do empresariado em elevar o nível de emprego - nos últimos vinte anos, o pensamento liberal incorpora a necessidade da intervenção pública nas questões do emprego e da organização do mercado de trabalho, através de um conjunto de medidas vistas como necessárias para enfrentar os "desequilíbrios" no interior do mercado de trabalho. Vejamos quais os vetores desta intervenção.