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POLÍTICAS DE EMPREGO E A CONTRA REVOLUÇÃO LIBERAL

2.1. Mundo do trabalho e crise contemporânea

Vários documentos publicados no início dos anos 70 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)45, sobre o desenvolvimento dos anos vindouros, apontavam

para um crescimento econômico substantivo para o futuro, em torno de 5% ao ano em média e um quadro contínuo de incorporação social a partir da distribuição progressiva dos ganhos desse crescimento. A realidade das décadas seguintes nas nações capitalistas (avançadas ou em desenvolvimento), demonstra outro cenário, não só de estagnação e baixo crescimento econômico, mas da proliferação de mazelas que aparentemente tinham sido superadas pelos arranjos políticos-sociais e pela virtuosidade dos anos de ouro do capitalismo.

A partir de meados dos 70, as taxas de desemprego nos países que compõem a (OCDE) sofreram substanciais aumentos, refletindo a oscilação e a redução no ritmo de crescimento de suas economias. Tal quadro explicitou-se sob o impacto de inúmeros elementos, dentre os quais, múltiplos problemas no sistema monetário internacional sinalizados desde os meados dos anos 60, às condições geradas em torno da elevação geral dos preços das matérias primas - principalmente do petróleo – verificada no início dos anos 70, ou mesmo dos efeitos deletérios da nova realidade sobre o desempenho das contas públicas.

Michael Moffitt observa o que chama de uma onda de choques que progressivamente minou os compromissos políticos estabelecidos no pós-guerra e a ordem internacional construída a partir de Bretton Woods. Moffitt relaciona quatro grandes choques econômicos: em primeiro lugar as pressões inflacionárias no início dos anos 70, quando em vários países desenvolvidos, as taxas alcançaram dois dígitos; o segundo choque refere-se ao aumento dos preços das matérias primas (principalmente o petróleo que saindo de US$ 3,0 o barril em 1973, alcança no final da década o valor de US$ 30,0); o terceiro grande choque

45 Podemos relacionar entre outros, UNITED NATIONS Economic Survey of Europe in 1971: the European economy from the 1950's to the 1970's. United Nations, New York, 1972 e o trabalho de McCRACKEN, P. Towards full employment and price stability, OECD, Paris, 1977; ambos citados em GLYN et alii (1990).

foi a freada do crescimento econômico e as profundas recessões de 1974/75 e 1980/82; e por fim o choque dos juros no final dos anos 70 [MOFFIT, 1984].

Em contraposição, Mattoso afirma que na realidade estamos nos referindo a uma crise estrutural, cuja manifestação foi a desarticulação das relações virtuosas do padrão de desenvolvimento norte-americano, tendo como resultado o esgotamento dos impulsos dinâmicos do padrão de industrialização estabelecido no pós-guerra. Isso ocorre em meio ao enfraquecimento da capacidade dinâmica do progresso técnico, a maior saturação dos mercados internacionalizados, o

sobre-investimento generalizado, a crescente financeirização da riqueza produzida

e o enfraquecimento da hegemonia norte-americana. Na verdade, a contraposição de Mattoso refere-se ao fato de que os choques observados por Moffit, caracterizam-se como conseqüências de um processo ampliado de desarticulação do padrão de desenvolvimento estabelecido ao longo do pós-guerra e de uma crise estrutural manifestada naquele momento [MATTOSO, 1995: 55] 46.

Referindo-se diretamente ao problema do desemprego, Jonh Eatwel chama atenção para o caráter geral da experiência do desemprego nos países desenvolvidos a partir dos anos 70. Segundo ele, o problema do desemprego tem suas raízes nos desdobramentos das transformações do sistema financeiro e comercial internacional ocorridas desde os anos 70, onde considera importante observar que a pressão pela liberalização dos mercados, particularmente dos mercados financeiros, criou um clima deflacionário entre os países desenvolvidos, o qual infectou a economia mundial como um todo [EATWELL, 1996].

A crise gestada no mundo capitalista avançado colocou em xeque os pressupostos de funcionamento da economia do bem-estar constituída no pós- guerra. Por um lado, a redução no ritmo do crescimento das economias nacionais e a elevação do desemprego, suscitaram pressões sobre o aparato de proteção social em duas frentes, no plano de um aumento da demanda por auxílios governamentais e nas crescentes dificuldades de financiamento enfrentadas diante dos sucessivos déficits das contas públicas.

46 Interpretações gerais acerca da crise durante os anos 70 podem ser vistas em HOLLOWAY, (1995);

Com efeito, as pressões inflacionárias ressuscitaram o espírito deflacionista entre os condutores das políticas econômicas, levando a um agravamento das dificuldades de obtenção de níveis mais elevados de crescimento das economias nacionais e de geração de empregos.

A pressão sobre o aparato de proteção aos desempregados aumenta junto a elevação do desemprego, ao mesmo tempo em que os Estados passam a enfrentar dificuldades fiscais no que tange à manutenção integral do leque das políticas públicas. Mesmo neste cenário, os gastos públicos voltados à proteção social são mantidos na maioria dos países, quando não evoluem de acordo com imposição das novas necessidades.

Muitas controvérsias envolvem os elementos explicativos da crise dos anos 70, mas o fato significativo é a evidência de seu impacto sobre os níveis de emprego e renda, assim como sobre sua dinâmica nos países avançados. Ademais, são relevantes as condições em que se delimitou a consolidação de uma reconversão hegemônica conservadora – política, econômica e social - fundamental para o entendimento da evolução das políticas públicas e das práticas dos Estados Nacionais nas duas décadas seguintes.

O cenário que se consolida a partir do início da década dos oitenta, com a proeminência de governos conservadores em vários dos países capitalistas avançados - Margareth Thatcher na Inglaterra (1979), os Republicanos nos Estados Unidos com Ronald Reagan (1980), H. Khol na Alemanha (1983) entre outros - é o de rompimento do antigo compromisso com o pleno emprego e do prevalecimento de políticas monetárias restritivas ao crescimento econômico voltadas para o controle inflacionário. Nos anos 80 e 90, as condições econômicas caracterizam-se por um ambiente de instabilidade e de diminuição dos níveis de crescimento em diversas nações avançadas, da expansão das atividades financeiras, tendo por pano de fundo uma reconversão política-ideológica e a retomada da hegemonia norte-americana no plano internacional [TAVARES, 1997].

Maria da Conceição Tavares chama atenção para o fato de que tal reconversão conservadora no campo político-ideológico foi precedida de um reenquadramento por parte do governo dos Estados Unidos do movimento policêntrico que vinha tomando corpo e debilitando a posição hegemônica norte- americana na ordem mundial ao longo dos anos 70, a partir da transnacionalização dos capitais de origem deste país. Trata-se, segundo Conceição, de uma questão de retomada de hegemonia, capacidade de enquadramento econômico financeiro e político-ideológico de sócios ou rivais, compelidos não apenas a submeter-se, mas a racionalizar a visão dominante como sendo a única possível.

"Esta diplomacia do dólar forte custou aos EUA mergulhar a si mesmos e a economia mundial numa recessão contínua por três anos [...] Além disso levaram a beira da bancarrota os países devedores, e forçaram os demais países capitalistas a um ajuste recessivo, sincronizado com a política norte-americana. [TAVARES, op.cit: 29]"47

Diante de um conjunto de questões, que envolvem a problemática da economia mundial nestas últimas duas décadas, as condições delimitadas nos anos 80 e 90, são marcadas por determinadas características. Limitando-se às mais evidentes, verificam-se segundo François Chesnais, taxas de crescimento muito baixas do Produto Interno Bruto (PIB) em vários países; crescimento elevado dos indicadores relativos ao valor nominal dos ativos financeiros; o desenvolvimento entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de um quadro de desemprego elevado; avanço de modalidades de emprego que implicam alteração nos níveis de remuneração e do padrão de ocupação; desenvolvimento paralelo de rendimentos importantes de origem financeira e a constituição de grupos sociais definidos como rentistas [CHESNAIS, 1994].

47 A autora lembra da saída incisiva de Paul Volker, Presidente do Federal Reserve, da reunião mundial do

FMI em 1979 e suas declarações contrárias às propostas encaminhadas na reunião para manter o dólar desvalorizado e implementar um novo padrão monetário internacional. Volker afirmou que o FMI poderia propor o que desejasse, mas os EUA não permitiriam que o dólar continuasse desvalorizado como ocorreu por toda década de setenta. O FED sobe violentamente a taxa de juros interna e Volker declara que o dólar manteria sua situação de padrão internacional e que a hegemonia da moeda norte americana seria restaurada. [Idem:32].

Uma conjuntura mundial muito instável, um aguardo prolongado de retomada de um crescimento significativo, desinflação em preços de produtos primários com forte repercussão entre os países periféricos, exacerbação da concorrência inter-potências, ao mesmo tempo em que ocorre a marginalização de regiões inteiras dos sistemas e fluxos das trocas internacionais. Um quadro de fatores como este, deve ser observado como um conjunto de elementos sobrepostos, intimamente ligados, formando uma realidade que trata de constituir- se como um novo regime de acumulação capitalista, o que genericamente tratou- se por mundialização do capital48.

De maneira geral, são estes os termos nos quais estão delineadas as condições econômicas nas duas últimas décadas e as condições gerais onde as políticas nacionais – econômica, industrial, de emprego – estão inseridas. Dessa forma, tais condições de inserção das políticas nacionais, são em si, objetos de reflexão, por estarem no plano das intervenções que se sobrepõe e interagem com a lógica geral de funcionamento do capitalismo contemporâneo, em sua dimensão financeira e produtiva49.

Considerando este estado de coisas, para a análise da atuação dos Estados Nacionais por meio das políticas que visam o fomento dos níveis de emprego e o enfrentamento das questões que envolvem uma enorme massa excedente de mão-de-obra, faz-se necessário a reflexão sobre alguns fenômenos oriundos desse espectro amplo de fatores que caracterizam os tempos atuais, e que, sobre as diversas realidades dos países avançados, manifestam-se por uma crise do mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo.

48 “O termo mundial permite introduzir com muito mais força que o termo global a idéia de que se a economia

se mundializou, seria importante construir depressa instituições políticas mundiais capazes de dominar seu movimento [...] a mundialização não diz respeito apenas às atividades dos grupos empresariais e ao fluxos comerciais que elas provocam. Inclui também a globalização financeira, que não pode ser abstraída da lista das forças às quais deve ser impostas a adaptação dos mais fracos e desguarnecidos”. CHESNAIS, (1994: 24-29).

49 Com diferenças nacionais importantes, algo sobreposto às características assinaladas, é o predomínio no

plano das políticas macroeconômicas desde o final dos anos 70, de posições austeras e de priorização quanto ao equilíbrio das contas públicas, o controle inflacionário e a liberalização dos mercados financeiros nacionais. Para maiores detalhes sobre os vetores das políticas econômicas nas duas últimas décadas ver BRAGA, (1998) e HIRST &THOMPSON, (1998). Para os dados que demonstram os resultados de tal ordem de prioridades, principalmente o controle inflacionário, ver OECD, Economic Outlook (1998).

Analisando a crise contemporânea do mundo do trabalho, Giovanni Arrighi se reporta às evidências históricas-estruturais, que se mostram relacionadas com a atual reestruturação capitalista em curso desde a crise dos anos 70. Segundo Arrighi, o aspecto original desta reestruturação é uma mudança dos processos de acumulação de capital em escala mundial, da expansão material para a financeira. Diz,

“Dos seus primórdios, seiscentos anos atrás, até o presente, a economia mundial capitalista sempre tem se expandido por duas fases que se alternam: uma fase de expansão material - no curso da qual uma massa crescente de capital monetário é canalizada para o comércio e para a produção - e uma fase de expansão financeira, no curso da qual uma massa crescente de capital é revertida para sua forma monetária e ruma para os empréstimos e para a especulação”50.

Nos anos 70, a expansão das atividades financeiras esteve associada e contribuiu de várias maneiras, a uma expansão dos fluxos de capital dos países de alta renda para os países de baixa renda. Nos anos 80, os empréstimos internacionais continuaram a crescer, mas a derradeira e privilegiada destinação da retirada de capital do comércio e da indústria nos centros, não foram os países de renda baixa, mas os "esconderijos" da especulação financeira, que conectaram entre si os países de alta renda. Foi essa reconversão, ao invés do simples deslocamento dos capitais, que nos anos 80, precipitou a crise do mundo do trabalho [ARRIGHI, 1996b: 30-31].

Diante dessa dinâmica geral de funcionamento da economia mundial nas últimas décadas, Cacciamali chama a atenção para alguns elementos que devem ser mencionados devido ao seu entrelaçamento e aos seus efeitos sobre o nível de atividade econômica, o mercado de trabalho ou as relações que ali se estabelecem. Um primeiro elemento refere-se ao mercado financeiro, sua internacionalização e o maior volume de recursos disponibilizados em circulação

50 Arrighi se apoia neste ponto, no trabalho de Fernand Braudel, The Perspective of the World. Harper & Row,

New YorK, 1984, onde o autor aponta a recorrência deste padrão de desenvolvimento capitalista nos séculos XVI, XVIII e XIX; cada desenvolvimento capitalista desta ordem parece, ao atingir o estágio da expansão financeira, num certo sentido, ter anunciado sua maturidade, um sinal de outono. Nesse sentido prossegue afirmando que a grande expansão da produção e do comércio mundiais das décadas de cinqüenta e sessenta - a assim chamada de "era de ouro do capitalismo" - anunciou sua própria maturidade ao se converter na expansão financeira das décadas posteriores. Para maiores detalhes, ver Arrighi (1996a).

pelo mundo. Um dos impactos sobre as economias nacionais, é a redução do grau de liberdade no manejo das políticas monetárias e cambial pelos países, temerosos frente ao risco de aumento das taxas de inflação. O resultado disso é a adoção por parte das autoridades monetárias, de políticas austeras que restringem as taxas de crescimento da economia mundial e do nível de emprego [CACCIAMALLI, 1998].

O segundo elemento diz respeito ao comércio, onde a partir de uma maior convergência das estruturas de demanda, diante de um processo de universalização do padrão de consumo e da estrutura de oferta das bases produtivas, ocorrem modificações de fundo nas estruturas produtivas dos países. Assim, a contrapartida sobre os mercados de trabalho, é que a reorganização das grandes empresas, vem acompanhada da redução relativa e até mesmo absoluta dos níveis de emprego na maior parte dos países51.

Os resultados da conjugação desses elementos, sobre os mercados nacionais de trabalho - guardadas as distinções e peculiaridades cabidas - mostram que não só o desemprego aumentou entre os vários países, mas também as taxas de inatividade, o desemprego de longa duração, os trabalhadores em tempo parcial, aqueles contratados precariamente, sem vínculos com a seguridade social. De fato, "estamos nos deparando com um processo intenso de concentração de renda funcional e pessoal" [CACCIAMALI, op. cit: 98].

Nas condições de desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, no marco de uma crise do mundo do trabalho, cujos fenômenos se expressam sobre diversas formas - pelo desemprego, pela precarização das relações e condições de trabalho - temos o surgimento de novas ocupações e o avanço de novos parâmetros de relacionamento entre trabalho e capital. Na verdade, a crise atual

51 A autora destaca além desses dois elementos, outros três que compõe um quadro amplo de variáveis que

delimitam as condições contemporâneas no mundo do trabalho: refere-se aos aspectos ideológicos, o fortalecimento do pensamento liberal e das teses em prol de um Estado minimalista; refere-se às instituições e à necessidade de se estabelecer regulamentações supranacionais, capazes de responder aos movimentos financeiros internacionais e da criação de normas comuns relacionadas à mobilidade da mão-de-obra, seu uso e acessos à seguridade social; destaca ainda o avanço do movimento de padronização de valores culturais, de procedimentos e comportamentos - a partir dos Estados Unidos - em contraposição a manutenção de espaços nacionais cujas tradições e valores, de alguma maneira, se constituem como elementos de resistência às transformações em curso.

novamente explicita que os problemas relativos ao uso (ou não) da força de trabalho no capitalismo, extrapolam os problemas relativos ao desemprego simplesmente, sendo esse apenas a ponta do iceberg de um processo de transformação mais profundo.

Todavia, grande parte do debate em torno de tal crise, refere-se particularmente às causas do desemprego, tanto no plano de fatores intrínsecos e no âmbito das externalidades do mercado de trabalho, além da interação de elementos que transitam entre uma área e outra. O encaminhamento da discussão em torno de algumas das principais interpretações para a nova onda de desemprego nos países da OCDE a partir dos anos 70, diz respeito a um “determinado consenso” de que esse desemprego seria do tipo clássico, vale dizer, associado ao fato dos salários reais estarem demasiadamente altos, ou terem crescido muito em relação a produtividade52.

Nas formulações de Chesnais, Arrighi e Cacciamali, entre outros, fica explícito o contraponto acerca das razões fundamentais da nova onda de desemprego nos países centrais a partir dos anos 70. Não se trata de um simples reflexo de problemas internos ao mercado de trabalho, como a "exagerada" elevação de salários, mas uma conjunção de elementos que compõe o quadro de transformação das estratégias de valorização do capital.

Tal mudança expressa-se, por um lado, pelo baixo crescimento econômico, mas de maneira ampla, numa desorganização das instituições e dos compromissos firmados e construídos no pós-guerra. Portanto, se falamos em crise do mundo do trabalho, estamos nos referindo às transformações mais gerais do próprio capitalismo contemporâneo, que acarretam mudanças sobre as condições de sua organização e uma enorme insegurança no seio da classe trabalhadora [ver MATTOSO, op.cit]53.

52 De acordo com Amadeo, [1994] na realidade, pode-se desdobrar dessa questão geral sobre as causas do

desemprego, outros aspectos de sua elevação e resistência. Teses sobre Union Monopoly, Efficiency Wages e da relação entre trabalhadores insiders e outsiders, associam a relação salários reais e taxas de desemprego, entre outros, a fatores institucionais ligados a organização do mercado de trabalho. Sobre a relação entre emprego e crescimento dos salários reais ver DROBNY, [1988] e sobre as teorias acerca dos trabalhadores insiders e outsiders, ver LINDBECK & SNOWER, [1988].