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POLÍTICAS DE EMPREGO E A CONTRA REVOLUÇÃO LIBERAL

2.3. Os organismos multilaterais e as políticas liberais de emprego

Sob a hegemonia do pensamento liberal, a mais profunda explicação para a onda de desemprego nos países desenvolvidos a partir de meados dos anos 70, remonta à rigidez do mercado de trabalho, manifestada na impossibilidade da redução dos salários dos trabalhadores.

Em seu Jobs Study publicado em 1994, a OCDE deixa clara suas teses sobre a questão. Nesse documento afirma que a substancial evidência acerca dos desequilíbrios do mercado de trabalho nos diversos países, estão colocadas sobre uma relação negativa entre demanda por trabalho e os custos do trabalho. A evidência deste fato demonstra-se, segundo a instituição, pela situação do mercado de trabalho norte-americano e europeu, onde no primeiro caso, uma relação de menor rigidez salarial tem por contrapartida um crescimento elevado do emprego, e no segundo caso, salários elevados convivem com um crescimento moderado do emprego [OCDE, 1994].

Diante das "evidências" apresentadas, o que parece ser para a instituição um elemento central para a retomada de um nível de crescimento do emprego, diz respeito à luta contra a resistência dos trabalhadores em permitirem a redução de seus salários. Afirma, que o auto-equilíbrio do mercado de trabalho requer um combate à relação negativa entre a demanda por trabalho e os custos do trabalho, uma política de moderação salarial que estimule a demanda por trabalho [OCDE, Idem:03].

O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) de forma complementar, tecem considerações acerca das políticas governamentais para o mercado de trabalho. Ghanem e Walton, economistas das instituições, afirmam que em sociedades que contam com um nível elevado de liberdade civil, os sindicatos inflacionam os salários, estimulam a agitação industrial e desencorajam os investimentos e a criação de empregos. A conclusão, nesse sentido, é que as democracias que contam com sindicatos livres, são incompatíveis com a eficiência do mercado de trabalho [GHANEM & WALTON, 1995].

O comportamento intransigente e monopolista dos sindicatos, pode dessa forma, ainda acentuar a dualidade do mercado de trabalho. A atuação dos sindicatos para melhorar as condições de seus membros, é feita às custas de outros trabalhadores, não sindicalizados. Salários mais altos para os membros dos sindicatos reduzem os lucros das empresas ou são repassados aos consumidores na forma de preços elevados. Isto levaria as empresas a contratarem menos trabalhadores, reduzindo a demanda por mão-de-obra no setor não sindicalizado e achatando os salários neste setor. Assim, criam-se diferenças salariais entre os trabalhadores atribuída a ação dos sindicatos, que varia entre 10 a 31% nos países em desenvolvimento; de 5 a 10% na Europa; e de cerca de 20% nos Estados Unidos [GHANEM & WALTON, op.cit].

As formulações destas instituições não excluem a atuação do Estado por meio de políticas dirigidas ao mercado de trabalho. Na realidade, vêem como necessária a atuação governamental, especialmente no que diz respeito a execução de políticas de moderação salarial, vistas como uma das mais recomendáveis no que se refere ao crescimento de empregos.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) avança sobre essas posições, dividindo os fatores causais deste cenário de desemprego elevado, em "fatores de rigidez do mercado de trabalho" e "fatores macroeconômicos".

No primeiro conjunto de fatores, levanta a hipótese de que a rigidez do mercado de trabalho coage diretamente a criação de empregos. Ademais, o próprio crescimento econômico ficaria num patamar modesto, em face das imperfeições do mercado de trabalho. Na realidade, afirma, toda recuperação

econômica engendra em seguida pressões salariais inflacionistas inaceitáveis para as autoridades monetárias, que imediatamente tomam medidas para frear a atividade econômica. Em ambos os casos, o restabelecimento do pleno emprego dependeria de um melhor funcionamento do mercado de trabalho [OIT,

1996:58]58.

58 A posição da instituição é mediada no próprio documento a partir do trabalho de Layard, Nickell e Jackman

Prosseguindo sobre esse conjunto de fatores, a OIT relaciona a tese referente à falta de convergência entre oferta e demanda de mão-de-obra. A principal evidência desse fenômeno seria a heterogeneidade do desemprego, que afeta os menos qualificados e proporciona ganhos salariais diferenciados. A própria instituição questiona tal tese, afirmando que num momento de desemprego generalizado, os trabalhadores mais qualificados solicitam inclusive os postos de trabalho que não exigem seu nível de qualificação, fomentando nas empresas a adoção de uma política de contratação substitutiva da mão-de-obra, que desencadeia uma elevação do desemprego entre os menos qualificados [OIT, Idem].

O avanço mais significativo da OIT e o que sem dúvida a diferencia das outras instituições multilaterais, se coloca sobre a relevância por ela conferida aos "fatores macroeconômicos", como elementos explicativos da elevação do desemprego e da desorganização do mercado de trabalho. A instituição considera que o nível macroeconômico é o principal fator que pode responder por uma diminuição do desemprego. A mediação feita diante dessa afirmação, para a OIT, corresponde à dificuldade de se precisar a importância do comportamento macroeconômico para o aumento ou a diminuição do desemprego.

De toda maneira, ao relacionar os elementos que compõem a discussão sobre políticas que possibilitem o restabelecimento do pleno emprego, a OIT sintetiza sua posição relativa aos fatores causais da onda de desemprego que passa a atingir os países desenvolvidos desde meados dos anos 70 e sobre as respectivas medidas para o enfrentamento dessa questão. Inicialmente afirma,

O restabelecimento do pleno emprego é certamente um objetivo ambicioso e julgado por muitos hoje em dia como utópico. Ao não haver um acordo geral sobre as causas e soluções de um forte desemprego, é difícil pensar com tal fim um programa comum que possa conseguir o indispensável apoio político duradouro e um consenso social em plano nacional [OIT, op.cit:88]

Diante das dificuldades enfrentadas para a promoção do pleno emprego, prossegue sistematizando as causas e soluções para o cenário de alto e persistente desemprego entre os países avançados.

Quadro 1

Diagnóstico do desemprego e políticas para o restabelecimento do pleno emprego (OIT)

Diagnóstico do desemprego contemporâneo Medidas para o pleno emprego

Lenta absorção da oferta global de mão-de-obra devido ao baixo crescimento econômico

Elevação do crescimento econômico, a partir de uma política econômica voltada à manutenção da demanda.

Adaptação insuficiente das reivindicações salariais a uma elevação mais lenta da produtividade e a aparição de uma inflação nos salários quando a oferta de mão-de-obra diminui

Políticas de moderação salarial. É necessário uma revisão dos sistemas de negociação salarial, além de explorar formas alternativas de moderação dos salários

Expulsão progressiva do mundo do trabalho daqueles que passam muito tempo sem emprego

Políticas de caráter laboral. É necessário uma política laboral ativa, que incite o trabalhador a buscar e aceitar um novo trabalho, atualizar as qualificações profissionais e oferecer incentivos às empresas para contratarem trabalhadores mais vulneráveis ao desemprego

Fonte: OIT, 1996:88

Em síntese, seguindo os diagnósticos e as recomendações dos organismos multilaterais, em especial da OIT, da OCDE, Banco Mundial e FMI sobre as políticas de emprego, temos três políticas fundamentais: retomada do crescimento econômico (em especial a OIT); políticas de moderação salarial; e políticas de caráter laboral ou voltadas ao mercado de trabalho.

Em relação ao crescimento econômico, ao contrário do FMI, do Banco Mundial e da OCDE, que se não negam, negligenciam e relativizam a importância sua importância como elemento central para a diminuição do desemprego, as considerações da OIT o destaca como um fator fundamental para a explicação da

nova onda de desemprego nos países desenvolvidos, baseadas em dados concretos da realidade desses países.

Figura 3

Fontes: OECD (1991) Historical Statistics-1960-1989 e OECD (1997) Employment Outlook *Desemprego como porcentagem da força de trabalho

Os dados acima demonstram para o conjunto dos países que compõem a OCDE, uma relação inversa entre desemprego e crescimento econômico dimensionado pela variação do Produto Interno Bruto (PIB). O crescimento do produto, que ao longo do pós-guerra se manteve próximo aos 5% ao ano em média na OCDE, conviveu com taxas de desemprego em torno de 3% a 4% em média. Na realidade, a diminuição abrupta do crescimento econômico, a partir de meados dos anos 70, foi acompanhada de uma elevação vertiginosa dos níveis de desemprego nesses países.

Diante dos argumentos apresentados pela OCDE, FMI e Banco Mundial referentes à comparação entre o desemprego norte-americano e europeu, aparecem os argumentos referentes ao respectivo nível de rigidez do mercado de trabalho e a inflação salarial. Nesse sentido, os dados sobre o crescimento econômico e a evolução do desemprego são também importantes para conferir a

Taxa de desemprego* e variação do PIB em países da OCDE (média dos períodos selecionados, 1960-1996)

0 2 4 6 8 1960-1967 1968-1973 1974-1979 1980-1989 1990-1996 Desemprego PIB

devida relevância aos elementos responsáveis pela onda de desemprego nos países centrais, particularmente a importância do crescimento econômico em face à rigidez do mercado de trabalho e dos salários.

Figura 4

Fonte: OCDE, (1999) Statistical Compendium

Figura 4.1

Fonte: OCDE, (1999) Statistical Compendium 5 4,5 4,6 3,2 6,7 2,4 7,2 2,8 5,6 2,3 0 2 4 6 8 1960-67 1968-73 1974-79 1980-89 1990-99

EUA - Desemprego em % da força de trabalho e Crescimento do PIB Desemprego PIB 2,2 4,7 2,7 4,8 4,8 2,1 9,7 1,8 10 2,3 0 2 4 6 8 10 1960-67 1968-73 1974-79 1980-89 1990-99

UE - Desemprego em % da força de trabalho e Crescimento do PIB

A relação inversa entre desemprego e crescimento do PIB confirma-se para a experiência dos Estados Unidos e da União Européia a partir dos dados apresentados. Mais importante, que a questão da rigidez do mercado de trabalho, o crescimento econômico aparece como elemento explicativo fundamental na diferenciação das experiências norte-americana e européia. O baixo desemprego da força de trabalho na União Européia (2,3%) registrado durante a primeira metade dos anos 70 fora obtido mediante a um crescimento econômico superior aos 5% ao ano, enquanto sua experiência nos anos 80 e 90, apresenta um baixo crescimento do produto em concomitância com níveis de desemprego próximos ou superiores aos 10% da força de trabalho.

A experiência dos Estados Unidos apresenta comportamento semelhante quanto à relação crescimento-desemprego. Observando os anos 70, seu crescimento inferior ao europeu conviveu com níveis de desemprego sempre superiores, mesmo contando com um mercado de trabalho historicamente "menos rígido". Na realidade, sua experiência na segunda metade dos anos 80 e por parte dos anos 90, conferiu uma condição confortável do ponto de vista do desemprego, com a obtenção de níveis inclusive próximos daqueles obtidos durante o pós-guerra, de baixo desemprego e aceleração do crescimento econômico.

A experiência recente norte-americana, e de alguma forma também a inglesa - em contraposição à européia - de fato reserva muito interesse entre aqueles que conferem à rigidez do mercado de trabalho, a principal motivação para a elevação do desemprego. Todavia, tal leitura negligencia os processos econômicos e sociais mais gerais em curso na sociedade norte-americana, assim como os resultados de um crescimento econômico que beneficia de forma crescente e assimétrica o conjunto dos trabalhadores.

Vários estudos realizados pela OCDE e os dados apresentados pelo Bureau

Labor of Statistics demonstram que em meio a manutenção das taxas de

desemprego em níveis inferiores a média dos países industrializados, ocorre um processo de aumento da dispersão salarial concomitante à elevação da

rotatividade da mão-de-obra nos anos 80 e 90 [ver OCDE, Employment Outlook, vários anos e BLS, 1995].

É fato que, o aumento da dispersão salarial, assim como a elevação da rotatividade de mão-de-obra são fenômenos oriundos da flexibilidade do mercado de trabalho norte-americano, promovendo a alteração de sua estrutura ocupacional nos termos de um acentuado desenvolvimento de funções ligadas ao setor de serviços cuja precariedade contratual delimita o tom das relações laborais.

Conforme indica Mclaughlin, trata-se de um mercado de trabalho flexibilizado e polarizado, que corresponde a própria polarização da sociedade norte-

americana; trabalhadores muito qualificados e bem remunerados, convivendo com

aqueles trabalhadores que recebem os salários na base da estrutura salarial. Uma distinção importante a ser feita para analisar as questões norte-americanas que envolvem o mercado de trabalho e que se constitui como o foco das preocupações de Mclaughlin é estabelecer parâmetros sobre o conceito de flexibilização e desregulação social. Segundo a autora, são processos distintos que no caso dos EUA, possuem significados próprios. Outrossim, o problema colocado refere-se à relação entre flexibilidade do mercado de trabalho e polarização sócioeconômica, onde a questão central localiza-se sobre o caráter dos mecanismos de regulação social, que nos EUA apresenta um perfil mais privado do que público em relação a maior parte dos países europeus desenvolvidos, reduzindo a possibilidade de construção de uma sociedade mais igualitária [MCLAUGHLIN, 1996].

A configuração do chamado modelo anglo-americano cumpre uma trajetória que nos anos 80 ganha força, principalmente como forma de combater o desemprego. A flexibilidade do mercado de trabalho norte-americano é vista aos olhos conservadores, como um dos principais elementos explicativos dos baixos níveis de desemprego enfrentados nos Estados Unidos - especialmente o desemprego de longa duração - comparando-os com as taxas dos demais países da OCDE.

Outra importante característica acerca do mercado de trabalho nos Estados Unidos é o crescimento da inatividade masculina. Entre homens que correspondem a faixa etária dos 55 aos 64 anos por exemplo, a taxa de atividade caiu de 81,5% em 1977 para 61% em 199159, isso sem que ocorresse esforço por parte do governo para um processo de antecipação de aposentadoria.

Obviamente o crescimento da inatividade deprime os números das taxas de desemprego, principalmente no que se refere àquelas de longa duração. O considerável movimento de inatividade no mercado de trabalho norte-americano também está associado à natureza dos empregos gerados no interior da economia. A substituição da demanda por trabalhadores dos setores primário e secundário pouco especializados, pelo incremento de postos de trabalho no setor de serviços é um dos componentes característicos da capacidade de geração de emprego na economia dos Estados Unidos, fomentando assim, sérias dificuldades de uma adequada inserção ocupacional para aqueles desprovidos de condições compatíveis às novas funções. Na realidade, o aumento da inatividade expressa mais do que o aumento da flexibilidade nas relações de trabalho, expressa o vigoroso processo de polarização no qual o mercado de trabalho norte-americano está envolvido.

Por ser o setor de serviços o maior responsável pela geração de emprego nos Estados Unidos, nele encontram-se os elementos explicativos para essa polarização. Trata-se de uma polarização do ponto de vista do mercado de trabalho de duas ordens; uma referida a estrutura salarial, outra a malha ocupacional. Ao mesmo tempo em que no setor de serviços desenvolvem-se várias funções que requerem grande especialização e fornecem altos rendimentos como é o caso do setor financeiro, ganha espaço no total da força de trabalho empregada o auto emprego, o trabalho em tempo parcial, especialmente entre as mulheres, funções ligadas à prestação de serviços pessoais de forma individual ou em pequenas firmas, com níveis salariais reduzidos60.

59 OCDE, Perspective de L’Emploi 1992.

60 É certo que nos serviços, as funções de nível médio ou ainda aquelas ligadas à prestação de serviços

pessoais de alto padrão compõe o quadro descrito conforme indica os dados do Bureau of Labor Statistics e da própria OCDE.

Segundo André Gorz, a multiplicação desse tipo de emprego nos Estados Unidos corresponde a uma socialização dos empregos de servidor ou doméstica. De fato, um trabalho remunerado que não valoriza nenhum capital, cujos usuários sejam indivíduos particulares em sua vida privada e cuja a profissionalização não aumente a produtividade é por definição, um trabalho de servidor. Este tem por função liberar uma camada privilegiada do fardo de um certo número de tarefas necessárias ou desejáveis, transferindo esse fardo para terceiros. É absurdo ver na multiplicação desse gênero de emprego nos Estados Unidos um sinal de dinamismo econômico. Significa somente que há cidadãos bastante ricos para pagarem os serviços de terceiros e uma grande massa de pessoas bastante pobre para vender-lhes, a preço baixo, sua força de trabalho [GORZ, 1995: 222].

De toda maneira, em termos do crescimento econômico e do volume de emprego nos 80 e 90, é certo que os Estados Unidos, encontram-se em posição distinta do restante dos países industrializados, ou seja, desfrutando de um desempenho econômico em média superior ao da maioria dos países da OCDE e desfrutando de baixos níveis de desemprego, com um considerável aumento das desigualdades. Uma posição que em poucas palavras, reflete por um lado a sua condição proeminente na ordem internacional, de maior economia do mundo e emissor da moeda internacional de reserva e por outro, uma estrutura social que tende a polarizar-se.

Já discorremos sobre dois fatores que compõe, segundo os organismos multilaterais, o diagnóstico e as estratégias de enfrentamento das questões que envolvem a existência de um grande contingente de força de trabalho excedente nos países desenvolvidos, a saber, a importância do crescimento econômico e a questão da rigidez do mercado de trabalho, passamos agora às medidas de caráter laboral.

Inicialmente, questões teóricas e metodológicas devem ser apreciadas, por estarem nesses campos, grande parte dos argumentos que compõe a discussão acerca das políticas liberais de emprego. Um ponto relevante no debate

internacional são as definições de categorias e sub-categorias as quais são executadas tais políticas.

A definição utilizada de forma mais recorrente, separa as denominadas políticas de mercado de trabalho em duas categorias: medidas ativas de mercado

de trabalho e medidas passivas de garantia de renda [OECD, 1992]. No caso das

políticas de mercado de trabalho cujo objetivo é a garantia de renda, definidas como medidas passivas, temos fundamentalmente segundo a OCDE, dois eixos de atuação, quais sejam:

Quadro 2

Políticas passivas ou compensatórias para o mercado de trabalho (OCDE)

I. indenização aos desempregados: é considerado como tal, toda a forma de