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Politicas de emprego no capitalismo avançado : trajetoria no seculo XX e o significado da ruptura neoliberal

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA SOCIAL E DO TRABALHO

POLÍTICAS DE EMPREGO NO CAPITALISMO

AVANÇADO

Trajetória no século XX e o significado da ruptura neoliberal

Dissertação orientada pelo Professor Doutor Márcio Pochmann e apresentada à banca examinadora como requisito parcial à obtenção do título de mestre

DENIS MARACCI GIMENEZ

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MEUS AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos que de alguma maneira colaboraram para a realização deste trabalho. Infelizmente não é possível lembrar de tantas pessoas que direta ou indiretamente participaram desta etapa de minha vida, portanto fica o registro para estes que de maneira mais direta estiveram ao meu lado.

Ao professor Márcio Pochmann, pela atenção e comprometimento com a realização deste trabalho.

Aos professores(as) do Instituto de Economia da UNICAMP e particularmente aos amigos e professores do CESIT, que tanto contribuíram para a minha formação humana e acadêmica, Anselmo Luís dos Santos (de casa), Carlos Alonso B. de Oliveira, Cláudio S. Dedecca, Eugenia Troncoso, Fernando Antonio Novais, Geraldo Di Giovanni, João Manuel Cardoso de Mello, Jorge Mattoso, Marcelo Proni, Marco Antônio de Oliveira, Paulo Baltar, Valdir Quadros, Wilnês Henrique e Wilson Cano.

Aos professores(as) da Universidade de São Paulo, Maria Cristina Cacciamali, Leonardo Mello e Jorge Grespan. Foi lá, onde tudo começou.

Aos amigos da UNICAMP, Alessandro Ortuso, André Martins, Amilton Moretto, Ana Paula Matusita, Andréa Galvão, Dari Krein, Elisiane Sartori, Josiane Falvo e Ricardo Cifuentes. Aos amigos de sempre: Alan, David, Éder (Zumba), José Evando, Leandro, Marilisa, Mário e Régis.

Aos meus familiares, de Birigüi e especialmente aos de Paulínia, Alice e Iorides, aos primos André, Lívia e Marcelo, que muito colaboraram nesses anos. Meus agradecimentos em particular à Arminda e Francisca.

A minha família de São Paulo, que tanto e tão bem me acolheu: Márcia, Laércio Longo, Laércio, Gabriel, Janaina e Fernanda.

Por fim, agradeço as minhas queridas e lutadoras, Cleuza e Isis, muito obrigado pelo amor e carinho de sempre.

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a Clóvis e José Carlos (IN MEMORIAN)

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

CAPÍTULO I

Políticas de emprego: expressão da luta social diante das contradições do capitalismo 1.1. O excedente de mão-de-obra em Marx e Keynes 06

1.2. O excedente de mão-de-obra como uma questão social 11 1.3. Políticas de emprego e recuperação econômica nos anos 30 19 1.4. A nova ordem política e social no pós-guerra 28 1.5. As políticas de pleno emprego no pós-guerra 37

CAPÍTULO II

Políticas de emprego e a contra revolução liberal

2.1. Mundo do trabalho e crise contemporânea 54

2.2. O significado das políticas de emprego no período recente 62 2.3. Os organismos multilaterais e as políticas liberais de emprego 68 2.4. Limites e possibilidades das políticas liberais de emprego 87

CONSIDERAÇÕES FINAIS 95

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"É seguro predizermos que em país algum entre os ocidentais, um novo período de desemprego generalizado será tolerado pelo povo"

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A existência de um enorme contingente de força de trabalho excedente é um dos fenômenos mais dramático e evidente das sociedades capitalistas neste final de século; uma realidade pouco factível para aqueles que observaram a trajetória destas sociedades durante o imediato pós-guerra, em especial no capitalismo avançado. Após décadas de intenso crescimento econômico, onde os países capitalistas avançados conviveram com níveis de pleno emprego e com um ambiente promissor quanto ao desenvolvimento econômico e a incorporação social, o problema do desemprego e da existência de uma enorme massa de trabalho excedente, voltou a ocupar espaço central no cenário político e econômico.

Os elementos explicativos do ressurgimento do desemprego novamente como um fenômeno de massa nos anos 80 e 90, apresentam inúmeras controvérsias. Na realidade, algo que deve ser considerado como relevante para a compreensão deste processo, é o rompimento dos compromissos políticos com o pleno emprego, com a incorporação social e com o crescimento econômico; a quebra da ordem estabelecida a partir do final da Segunda Guerra Mundial referente a uma atuação sistêmica e estrutural das sociedades e fundamentalmente dos governos, no sentido da promoção do bem-estar coletivo.

A crise deflagrada nos anos 70 e os encaminhamentos políticos e econômicos propostos e praticados para a sua superação, é o ponto de inflexão para a mudança de rota do capitalismo contemporâneo, no que se refere em última instância à constituição de um novo padrão de acumulação capitalista e aos seus efeitos devastadores sobre o mundo do trabalho. Com efeito, o abandono do compromisso com o pleno emprego, é antes de tudo, uma característica essencial dos encaminhamentos dados mediante à crise, não obstante, colocando as políticas sociais e o aparato de proteção social diante de uma situação de agravamento progressivo dos problemas oriundos do desemprego e de seus efeitos sobre sociedades estruturadas sob a égide do trabalho assalariado.

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O presente trabalho busca elementos que possibilitem uma melhor compreensão do processo de mudança nas estratégias políticas, econômicas e sociais entre os países capitalistas avançados nas duas últimas décadas, no que se refere ao enfrentamento das questões relacionadas ao excedente de mão-de-obra no capitalismo. Tal esforço converge para o entendimento de que o conceito empregado para definir políticas de emprego no pós-guerra, incorpora e se refere à mobilização de um conjunto de múltiplos instrumentos sobrepostos e interdependentes das políticas públicas - política macroeconômica, política social, gasto público, expansão do emprego público, entre outros - em prol da plena utilização da mão-de-obra, enquanto nos anos 80 e 90, a utilização do conceito de políticas de emprego, abrange um segmento limitado de programas públicos que atuam sobre o mercado de trabalho, sem compromisso com à plena ocupação.

Em outras palavras, este trabalho é uma tentativa de evidenciar a constituição de um padrão de tratamento das questões relacionadas à existência de um excedente de mão-de-obra e da organização do mercado de trabalho no decorrer dos anos 80 e 90, a partir da contraposição entre a ordem relativa à constituição das políticas de emprego e da consolidação de um padrão de regulação social ao longo do pós-guerra, e as questões que permeiam a experiência recente do capitalismo avançado em meio à onda neoliberal.

Na verdade, a experiência recente das políticas do trabalho, é profundamente marcada pelo isolamento no âmbito de determinado segmento das políticas públicas das iniciativas de combate ao desemprego, e ademais, por um procedimento político-social de circunscrever ao plano do mercado de trabalho, questões sociais e econômicas mais abrangentes e profundas que não se resumem a ele.

De fato, seus pressupostos significam um retorno ao passado, uma ruptura a partir de um retrocesso do ponto de vista do amplo enfrentamento das questões colocadas ainda nos anos 30, e de forma melhor acabada no pós-guerra, em torno do desenvolvimento econômico e da incorporação social.

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Dessa maneira, estamos voltados nesse trabalho, à análise das políticas de emprego como expressão das profundas transformações históricas experimentadas pelas sociedades capitalistas avançadas no século XX. Em última instância, tais transformações se traduzem pela constituição de novos referenciais na relação entre a economia e a sociedade, na construção de uma experiência histórica que nega o velho liberalismo oitocentista, instituindo formas de controle social que acabam por conformar um padrão de regulação social contrária a ele, e que o vê ressurgir como fênix, sob os novos contornos do “capitalismo global”.

Dividido em dois capítulos, o trabalho inicialmente relaciona elementos sobre a constituição histórica das políticas de emprego como expressão da atuação das sociedades diante de suas contradições. Busca-se abrigar sob uma categoria universal, políticas de emprego, um amplo espectro de elementos históricos e transformações sociais, econômicas e políticas, que definiram uma nova perspectiva coletiva de enfrentamento das questões relacionadas ao desenvolvimento econômico, às políticas de atenção aos excedentes de mão-de-obra e à própria organização do mundo do trabalho.

Face a uma caracterização geral das transformações no mundo do trabalho, das implicações políticas e sociais da crise e da desarticulação dos compromissos firmados no pós-guerra, no segundo capítulo procuramos compreender o desenvolvimento recente e o significado de um conjunto de políticas públicas, que apesar de contarem com objetivos e conteúdos distintos em relação às experiências do pós-guerra, ainda são chamadas por políticas de emprego. Nesse sentido, são abordados o significado do que chamamos por políticas liberais de emprego e um conjunto de problemas a elas relacionados nos anos 80 e 90.

Além dos aspectos gerais referentes a apresentação inicial deste trabalho, é importante registrar que a reflexão aqui desenvolvida é o resultado de um trabalho conjunto, fruto da integração do coletivo de professores e pesquisadores reunido no Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT/IE/UNICAMP). Não obstante, as limitações e os problemas que perpassam seu desenvolvimento, são de responsabilidade do autor.

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POLÍTICAS DE EMPREGO: EXPRESSÃO DA LUTA SOCIAL DIANTE DAS CONTRADIÇÕES DO CAPITALISMO

A gênese e o desenvolvimento das chamadas "políticas de emprego" são fenômenos historicamente determinados que devem ser compreendidos como

uma manifestação política das sociedades contemporâneas em fazer frente às mazelas promovidas pela dinâmica da acumulação capitalista, particularmente em face à tendência geral da existência de um "contingente excedente" de força de trabalho no capitalismo.

Com efeito, iniciamos esse capítulo demonstrando como a existência de um

quantum excedente de mão-de-obra no capitalismo pode ser explicada a partir da

dinâmica geral de funcionamento da economia capitalista. Na realidade, a partir das formulações de Marx e Keynes é possível delimitar no plano do funcionamento do sistema econômico, os grandes eixos estruturais para a existência deste contingente excedente de mão-de-obra.

Outrossim, são relacionados a seguir, elementos que integram a constituição histórica das políticas de emprego como expressão da atuação das sociedades capitalistas diante de suas contradições. Nesse sentido, nossa leitura considera que aquilo que se passou a denominar a partir de meados do século XX por políticas de emprego, diz respeito a um conjunto articulado de políticas de regulação econômica, de fomento ao crescimento econômico, de regulação do mercado de trabalho, de políticas de proteção social, de políticas salariais, entre outros, que em diferentes países do capitalismo avançado, passaram a atuar na mediação das relações entre capital e trabalho.

Por fim, observando as questões que envolvem a utilização da força de trabalho e a determinação do emprego no capitalismo como uma questão política, econômica e social, de responsabilidade pública, são tratados aspectos gerais das

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radical no enfrentamento dos problemas relacionados ao excedente de mão-de-obra no capitalismo e às relações entre capital e trabalho de forma mais ampla.

1.1. O excedente de mão-de-obra em Marx e Keynes

Paradoxalmente, diante da dependência do trabalhador em relação a acumulação capitalista, no que diz respeito à obtenção de uma renda que lhe permita reproduzir-se e ter acesso às benfeitorias materiais socialmente produzidas, um dos riscos característicos do processo de ampliação dos mecanismos de exploração do trabalho pelo capital, corresponde à possibilidade

do trabalhador deixar de ser explorado sob a lógica direta da acumulação capitalista.

De acordo com Marx, tal possibilidade refere-se à não determinação da demanda por trabalho pelo volume do capital global, mas por seu componente variável, que cai progressivamente com o crescimento do capital global. O crescimento do componente variável do capital, ou a força de trabalho nele incorporada, ocorre de acordo com o crescimento do capital global, mas em proporção continuamente decrescente [MARX, 1988].

Dessa maneira, requer-se uma acumulação acelerada do capital global em progressão crescente, para absorver um número adicional de trabalhadores, que por sua vez, tendem a ser menos aproveitados, já que a própria acumulação crescente e a centralização capitalista, convertem-se numa forte mudança da composição orgânica do capital, reiterando o decréscimo de seu componente variável em relação ao componente constante1.

Os efeitos dessa dinâmica destacada por Marx, do decréscimo do componente variável do capital acelerado pelo seu crescimento global, pode manifestar-se de diversas formas. Por vezes, pode aparecer como crescimento absoluto da população trabalhadora acima da capacidade de absorção do

1 Marx indica que o processo de acumulação de capital aparece originalmente só como uma questão de

ampliação quantitativa, mas que, de fato, esta se traduz numa alteração qualitativa contínua da composição orgânica do capital, com o acréscimo permanente de seu componente constante às custas de seu componente variável [MARX, 1988: Cap. XXIII].

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crescimento global como componente variável. Entretanto, destaca Marx, é a acumulação capitalista que produz constantemente uma população supérflua ou subsidiária, pelo menos no que se refere ao seu aproveitamento direto no processo de acumulação de capital [Marx, op.cit].

A população supérflua, ou nas palavras de Marx, a existência dessa “superpopulação relativa” é explicitada em matizes variadas. Na figura dos desocupados parciais, daqueles inteiramente desocupados, o chamado "sobretrabalho liquido", ambos próximos aos centros capitalistas modernos; pelo “sobretrabalho latente”, materializado na massa de trabalhadores que ainda não estão incorporados à lógica da exploração capitalista, mas estão prontos à servi-la e a serem incorporados; ou ainda no pauperismo, o mais profundo sedimento da superpopulação relativa, os "estagnados" (vagabundos, deliquentes...), alguns que podem estar aptos ao trabalho, porém longe da intenção de serem aproveitados, e ainda, outros, maltrapilhos e inaptos2.

Uma contribuição decisiva no que se refere à construção de uma nova visão acerca do emprego da força de trabalho e da presença constante de um excedente de mão-de-obra no capitalismo, foi dada por Keynes em sua Teoria

Geral do Emprego, do Juro e da Moeda [KEYNES, 1996; 1ª edição inglesa, 1936].

Contrapondo-se às formulações clássicas que afirmam a impossibilidade da ocorrência do desemprego involuntário3 num cenário de livre funcionamento do

mercado de trabalho, tendo em vista que esse tipo de desemprego decorreria da

2 Essa lógica de funcionamento peculiar do capitalismo moderno, segundo Marx, era impraticável na infância

do capitalismo. Nesse período, a alteração lenta da composição orgânica do capital estava dada pelo limite dos braços a serem explorados, o que inicialmente fora resolvido de forma violenta no processo de “acumulação primitiva de capital”. Marx aponta que a expansão da produção capitalista se torna possível a partir da disponibilização de farto material humano, que independe do crescimento absoluto da população. “...não basta à produção capitalista de modo algum, o quantum de força de trabalho disponível que o crescimento natural da população fornece, ela precisa, para ter liberdade de ação, de um exército industrial de reserva, independente dessa barreira natural”. [MARX, op.cit. pp.193]

3 Para os clássicos, onde diretamente Keynes se refere ao Prof. Pigou e a sua Theory of Unemployment, a

partir do livre funcionamento do mercado de trabalho, existe a possibilidade apenas da ocorrência de um desemprego friccional ou ainda de um desemprego voluntário diante da recusa dos trabalhadores em aceitarem menores salários. Segundo Keynes, "existem desempregados involuntários quando, no caso de uma ligeira elevação dos preços dos bens de consumo de assalariados relativamente aos salários nominais, tanto a oferta agregada de mão-de-obra disposta a trabalhar pelo salário nominal corrente quanto a procura agregada da mesma ao dito salário são maiores que o volume de emprego existente". [Idem: 53]

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resistência dos trabalhadores em aceitarem a diminuição de seus salários, Keynes afirma,

"O argumento de que o desemprego que caracteriza um período de depressão se deva à recusa da mão-de-obra em aceitar uma diminuição dos salários nominais, não está claramente respaldada pelos fatos. Não é muito plausível afirmar que o desemprego nos Estados Unidos em 1932 tenha resultado de uma obstinada resistência do trabalhador em aceitar uma diminuição dos salários nominais, ou de uma insistência obstinada de conseguir um salário real superior ao que permitia a produtividade do sistema econômico. Amplas são as variações porque passa o volume de emprego sem que ocorra mudança aparente nos salários reais mínimos exigidos pelo trabalhador ou em sua produtividade. O trabalhador não se mostra mais intransigente no período de depressão que no de expansão, antes pelo contrário. Também não é verdade que a sua produtividade física seja menor. Estes fatos, emanados da experiência, constituem, 'prima facie', o motivo para pôr em dúvida a adequação da análise clássica" [Idem:49].

A crítica realizada por Keynes, questiona a tendência de equilíbrio natural entre oferta e demanda por mão-de-obra considerada pelo pensamento clássico. Conforme sua descrição, as formulações do Prof. Pigou consideram que numa situação de elevação dos salários, os empresários estariam menos propensos a manterem os níveis de produção em virtude do aumento dos custos, e por outro lado, mais trabalhadores estariam dispostos a ocuparem um posto de trabalho em virtude dos altos salários. Adiante, pela abundância da oferta de mão-de-obra, e a diminuição nos níveis de produção, ocorreria um rebaixamento no nível geral dos salários. Com salários e custos menores, os empresários novamente estariam dispostos a aumentarem a produção, exigindo mais mão-de-obra, e o equilíbrio estaria assim continuamente estabelecido4.

Keynes afirma não ser a simples abundância da oferta de mão-de-obra e os salários reais baixos, fatores suficientes para impulsionar o empresário a expandir o emprego e a produção. Assim, segundo ele, faltam elementos nas formulações

4 O desemprego involuntário nestes termos, se manifestaria apenas se o livre funcionamento do mercado de

trabalho fosse impedido, por exemplo pela ação dos sindicatos contra a redução dos salários, mantendo dessa forma os salários num patamar que não estimulasse a retomada da produção por parte dos empresários. [Ver Keynes, op.cit em seu capítulo 2, Os postulados da economia clássica]

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clássicas para compreendermos a determinação do emprego e da produção nas economias capitalistas. Dessa forma prossegue,

"(...) para justificar qualquer volume de emprego, deve existir um volume de investimento suficiente para absorver o excesso da produção total sobre o que a comunidade deseja consumir quando o emprego se acha em determinado nível. A não ser que haja este volume de investimentos, as receitas dos empresários serão menores que as necessárias para induzi-los a oferecer tal volume de emprego. Daqui se segue, portanto, que dado o que chamaremos de propensão a consumir da comunidade, o nível de equilíbrio do emprego, isto é, o nível em que nada incita os empresários em conjunto a aumentar ou reduzir o emprego, dependerá do montante do investimento corrente" [Idem, pp. 62]

As formulações de Keynes prosseguem no sentido de que o montante de investimento corrente dependerá, por sua vez, do que chama incentivo para

investir, o qual depende da relação entre a "escala da eficiência marginal do

capital" e o complexo das taxas de juros que incidem sobre os empréstimos de prazos e riscos diversos.

Criticando o Prof. Pigou, Keynes afirma ser realmente estranho que este tenha imaginado poder apresentar uma teoria do desemprego que não faz nenhuma alusão às variações no montante de investimentos, que não provém de mudanças na oferta de mão-de-obra, mas de modificações mais gerais, por exemplo, na taxa de juros ou no "estado de confiança" [Idem].

Desta feita, Keynes insiste que a produção e o emprego, não somente da força de trabalho mas dos fatores de produção em geral, dependem da iniciativa do investimento, portanto, haverá desemprego se houver pouca aquisição e utilização de equipamentos. Dessa maneira, fica evidente na abordagem keynesiana, que a questão fundamental para um tratamento mais adequado acerca do emprego ou da existência de um excedente de mão-de-obra no capitalismo, está colocada no plano da insuficiência ou não dos investimentos5.

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Mesmo diante das proposições de Keynes que permitem vislumbrar alternativas de obtenção de níveis elevados de emprego a partir da manutenção de elevados patamares de investimentos, que desde já, podem não depender necessariamente e exclusivamente da disposição capitalista em investir, devemos reafirmar as formulações de Marx, que indicam uma produção constante de excedente de mão-de-obra pela alteração da composição orgânica do capital, que se acentua com o aumento da produção da riqueza material na esfera capitalista.

Em outras palavras, se Marx constata a tendência estrutural do capitalismo em produzir um excedente de mão-de-obra e Keynes indica de forma clara, que o livre funcionamento do sistema econômico tende a produzir um excedente de mão-de-obra em função da instabilidade da decisão capitalista em realizar os investimentos, na realidade, ambos demonstram ser da dinâmica estrutural de funcionamento da economia capitalista, a tendência de produzir contingentes

excedentes de mão-de-obra.

Influenciado por ambos, Michal Kalecki vislumbra a possibilidade de enfrentamento dessa tendência estrutural do capitalismo em produzir excedentes de mão-de-obra e portanto da obtenção do pleno emprego, apontando seus aspectos políticos e sua dimensão social. Para Kalecki, isso seria possível em condições históricas particulares, a partir da conformação de uma ordem política e social que por um lado permitisse a intervenção, o planejamento e a administração pública dos investimentos, reduzindo a instabilidade provocada pelas incertezas da decisão capitalista em investir, e por outro lado, possibilitasse a superação das resistências sociais dos empresários, rentistas e do "mundo dos negócios" em geral, diante do controle governamental e dos efeitos políticos contrários aos seus interesses de classe, oriundos da manutenção prolongada do pleno emprego6.

6 Tal discussão, apresentada em 1944 por Kalecki em Aspectos políticos do pleno emprego, será melhor

sistematizada ainda neste capítulo, quando nos voltamos à conformação das políticas de pleno emprego no pós-guerra. Essa referência inicial à reflexão de Kalecki, antecipa de forma breve a discussão adiante acerca das possibilidades de obtenção do pleno emprego em sociedades capitalistas.

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As reflexões de Kalecki, remetem à perspectiva de que o enfrentamento da tendência estrutural do capitalismo em produzir um contingente excedente de mão-de-obra, antes de tudo, passa pela transposição do problema ao status de uma questão eminentemente política e social e não simplesmente relacionada à esfera econômica. Portanto, cabe identificarmos como historicamente foi-se conformando um padrão de tratamento social e político em torno do excedente de mão-de-obra produzido pela dinâmica de funcionamento do sistema econômico.

1.2. O excedente de mão-de-obra como uma questão social

As considerações de Marx e Keynes no que se refere às normas gerais do desenvolvimento capitalista e da geração de um excedente de força de trabalho sob a sua lógica de acumulação, permitem que tenhamos a compreensão de que a questão do destino da força de trabalho no capitalismo, passa não apenas pelo emprego tipicamente capitalista ou pelo desemprego. Deles, estamos tratando apenas de formas, segundo as quais se manifestam a utilização do trabalho ou o excedente produzido pela dinâmica de acumulação capitalista, portanto, tratando parcialmente dos problemas oriundos das dificuldades de acesso às condições de reprodução da classe trabalhadora e da deterioração de suas condições de vida.

De fato, estar fora do circuito de exploração capitalista, não dispondo de outros meios de obtenção de renda e subsistência, passa a ser um dos mais característicos riscos existentes nas sociedades capitalistas modernas, e que ao longo do século XX, refletiu-se não de maneira isolada, como uma grande preocupação no campo da proteção social e da garantia de direitos fundamentais.

Diversas iniciativas procuravam desde o século XIX, responder à necessidade de proteger aqueles não integrados aos circuitos de exploração capitalista, os despossuídos, e aqueles trabalhadores desempregados involutariamente colocados próximos aos núcleos capitalistas mais dinâmicos. Com efeito, no processo de constituição do aparato de proteção social, em geral podemos identificar em diversos países, a ocorrência de uma defasagem histórica quanto à proteção aos desempregados; o desemprego e a existência de uma

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superpopulação relativa, vista como um problema social, foi historicamente menos

contemplada7.

Várias dimensões compõem o cenário de tensão e luta das sociedades capitalistas diante de suas contradições. Tais dimensões podem ser genericamente agrupadas em um conjunto de fenômenos característicos deste século, que entre outros se expressam pelo avanço dos mecanismos de regulação social que condicionam a concorrência intercapitalista, pela ampliação das estruturas e das funções do Estado em suas várias frentes, e na correlação de forças políticas estabelecidas no interior das sociedades, que em última instância, determina as formas de enfrentamento das questões sociais.

A interiorização por parte das sociedades, de sua responsabilidade diante dos problemas gerados pelo funcionamento do sistema econômico, é algo fundamental para apreendermos as formas pelas quais, tal responsabilidade passou a se expressar através de conjunto de ações e instituições que foram sendo construídas ao longo do último século. A interiorização do conceito de direito e proteção social segue nas sociedades contemporâneas determinado sentido; no reconhecimento da pobreza, miséria e da exclusão, como uma questão social e relevante, na consolidação da idéia de risco e proteção social e na constituição de instituições que passaram a abrigar e promover os direitos sociais em suas dimensões fundamentais (educação, previdência, saúde e emprego).

De maneira geral, T. H. Marshall afirma que a consolidação dos direitos sociais e dos direitos de cidadania ao longo do século XX, possui raízes profundas na consolidação dos direitos civis ao longo do século XVIII, dos direitos políticos ao longo do século XIX e na participação das comunidades locais e associações funcionais, que se constituíram como a fonte original dos direitos sociais. Se por

7 No século XX, vários países institucionalizaram a preocupação com o desemprego involuntário através de

programas de seguro-desemprego, a França (1905), Reino Unido (1911) e os Estados Unidos (1935) já sob o impacto da Grande Depressão [CHAHAD, 1984]. Ainda sob uma perspectiva que tinha o desemprego como um fenômeno individual e não como fruto do funcionamento do sistema econômico, já no século XIX, são diversas as iniciativas voltadas aos desempregados e àqueles sem condições de obtenção de renda. É o caso das Work Houses, que buscavam "reabilitar" estes "sem trabalho", vistos como pessoas grosseiras, sem educação, vítimas de sua miséria pessoal. Sobre o assunto ver Castel (1998), em particular sua 2ª parte e Flora & Heidenheimer, (1981) que apresentam farta literatura sobre o período.

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um lado, os direitos civis deram poderes legais, cujo uso fora prejudicado pelo preconceito de classe e pela falta de oportunidade econômica, e os direitos políticos deram poder potencial, cujo exercício exigia experiência, organização e uma mudança de idéias quanto as funções do governo, foi necessário bastante tempo para que os direitos sociais passassem a estar integrados ao conceito de cidadania em seu sentido amplo de promoção do igualitarismo e da inclusão social8.

“Iniciou-se um novo período no final do século XIX [...] um primeiro grande avanço no campo dos direitos sociais, e isto acarretou mudanças significativas no princípio igualitário como expresso na cidadania. Mas havia outras forças operando. Um aumento nas rendas nominais desigualmente distribuído pelas classes sociais modificou a distância econômica que separava trabalhadores especializados e não especializados, manuais e não-manuais [...] um sistema de impostos diretos, cada vez mais progressivo, comprimiu a escala de rendas líquidas [...] finalmente, a produção em massa para o mercado interno e o crescente interesse pelas necessidades e gostos da massa capacitaram os menos favorecidos a gozar de uma civilização material que diferia de modo menos acentuado em qualidade daquela dos abastados do que em qualquer outra época. Assim, a diminuição da desigualdade fortaleceu a luta por sua abolição, pelo menos com relação aos elementos essenciais do bem-estar social”. [MARSHALL, 1967:88].

Sobre as condições políticas e sociais gestadas em meio à crescente mobilização dos trabalhadores que viam no cotidiano, a deterioração de suas condições de vida pelo avanço dos instrumentos de exploração capitalista - materializados pela grande indústria nascente - foi se delineando desde o final do século XIX, a criação e a expansão de mecanismos de proteção e promoção do

8 As experiências de promoção dos direitos sociais no final do século XIX são variadas, merecendo destaque

a experiência alemã desde Bismarck, onde aparecem os primeiros elementos das políticas sociais praticadas pelo Estado providência moderno. Já em 1871 surge a primeira lei que responsabiliza ainda parcialmente os industriais por acidentes de trabalho; em julho de 1883, a lei sobre seguro-saúde; em 1884 a consolidação das leis contra acidentes de trabalho; em 1889 a lei que institui de forma obrigatória o seguro velhice e invalidez. Em 1911, três leis criam o Código de Seguros Sociais, o primeiro modelo histórico do gênero. Em face a tradição mutualista inglesa anterior ao período em questão, a Alemanha institui de forma pioneira, sistemas de proteção obrigatórios, que fundamentalmente estavam voltados aos trabalhadores assalariados. A França, igualmente a Alemanha, têm a primeira lei de proteção social em 1898 dirigida aos acidentes de trabalho. Apesar de não estar na linha pioneira de constituição dos sistemas de proteção social, a França avança na discussão sobre o financiamento de seu sistema. Um slogan importante no período e que de alguma forma traduz o desenvolvimento posterior das estruturas promotoras do bem-estar dizia: Contre la

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bem-estar social, no vazio criado entre as necessidades dos despossuídos e os seus mecanismos desarticulados de auto-proteção.

Marshall indica que o final do século XIX é marcado pela incorporação dos direitos sociais ao status de cidadania e pela conseqüente criação de um direito universal a uma renda real não proporcional ao valor de mercado do reivindicador. Nesse sentido, o objetivo dos direitos sociais constituem ainda a redução das diferenças de classe, mas com um novo sentido, qual seja, não mais a mera tentativa de eliminar o ônus evidente que representa a pobreza e a exclusão em suas diversas formas de manifestação, mas assume o aspecto de ação, modificando o padrão total da desigualdade social, não bastando elevar o nível do

piso do porão do edifício social, mas remodelar o edifício inteiro, que se reflete na tendência para uma maior igualdade social e econômica [MARSHALL, op.cit: 89].

Em sociedades que passam a estruturar os canais de acesso ao consumo e aos direitos sociais sob a égide do trabalho, particularmente o assalariado, a tendência ao crescente excedente de mão-de-obra descrita por Marx, torna-se um

risco social dos mais característicos e dramáticos deste século. A dimensão

crescente da redundância do trabalho em sociedades capitalistas, o excedente de mão-de-obra e o desemprego como riscos sociais, respondem, em certa medida, à transformação da própria condição do trabalho e do avanço da relação assalariada ao longo da história do capitalismo, em particular àquelas mudanças ocorridas nos últimos cem anos.

Conforme afirma Robert Castel, a condição de assalariado consolidou-se no século XX como um elemento estruturante das sociedades industriais a partir da grande empresa capitalista e do desenvolvimento das funções do Estado. A trajetória histórica destas sociedades, mostra que na transposição daqueles considerados inúteis para o mundo, os vagabundos do século XV, anteriores à Revolução Industrial, aos inempregáveis contemporâneos, a condição de assalariado sai do descrédito, de sinônimo de dependência e sujeição, passando a ocupar o status de principal parâmetro de obtenção de renda e proteção social [CASTEL, 1998].

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A extensão histórica do regime de assalariamento, envolve um duplo processo: o proletariado industrial que se desenvolve com a indústria capitalista progressivamente dissolve sua natureza proletária pretérita na generalização da forma salário para todos os componentes da força de trabalho. Esta dissolução por outro lado, não representa um desaparecimento da condição de existência da classe trabalhadora; a condição proletária permanece e a pauperização também, ou seja, a possibilidade para qualquer assalariado de ser levado a não conseguir - ou não conseguir mais - se reproduzir de forma autônoma se mantêm continuamente [NADEL, 1998:268].

De fato, desde as primeiras décadas do século XX, o salário deixa de ser a retribuição única ou a garantia única de subsistência para determinadas parcelas da classe trabalhadora. A condição operária perpassa certa ampliação da participação na vida social por parte dos assalariados - consumo, habitação, lazer, instrução - intermediada por subvenções e pelo resguardo de direitos fundamentais a partir de diversas iniciativas. Ao mesmo tempo em que vários países instituem nesse período programas de seguridade social, as pressões sobre os governos e as empresas se intensificam por parte das organizações dos trabalhadores e de seus sindicatos, no sentido da melhoria das condições de trabalho, das condições salariais ou mesmo do rompimento com uma posição desfavorável em relação ao capital, dentro de uma perspectiva revolucionária9.

A nova fisionomia do capitalismo na virada do século, no que se refere particularmente ao advento da grande empresa moderna, foi o espaço de crescimento e de maior poder de representação do trabalho por meio de seus sindicatos. Ao mesmo tempo em que se encontra a dinamicidade desse novo capitalismo na grande empresa, é nesse mesmo espaço onde as contradições entre trabalho e capital afloram-se e o poder do trabalho se fortalece, servindo de

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Vale lembrar, conforme demonstra Marx, do que se trata o trabalho assalariado. Diz, "O mais-trabalho ou o trabalho não pago - aparece como trabalho pago. Se na escravidão, a propriedade oculta o trabalho para si mesmo, o dinheiro oculta o trabalho gratuito do assalariado. Compreende-se assim, a importância decisiva da transformação do valor e do preço da força de trabalho na forma de salário ou em valor e preço do próprio trabalho. Sobre essa forma de manifestação, que torna invisível a verdadeira relação e mostra justamente o contrário dela, repousam todas as concepções jurídicas tanto do trabalhador como as do capitalista, todas as mistificações do modo de produção capitalista, todas as suas ilusões de liberdade, todas as pequenas mentiras apologéticas da economia vulgar." [MARX, op.cit. pp. 54.]

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base inclusive para o fortalecimento desse poder na pequena e média empresa [ver ABENDROTH, 1977].

O fortalecimento do poder do trabalho, da consolidação das idéias acerca dos direitos sociais e a constituição da sociedade salarial10, trouxe a possibilidade do contrato individual de trabalho, a troca privada individual da força de trabalho por um salário direto, transformar-se apenas em um dos componentes da renda assalariada. Determinadas instituições passaram a se encarregar dos elementos que compõe o consumo coletivo de bens e serviços dos trabalhadores. Assim, o salário indireto, caracteriza-se como uma renda quase vitalícia, reconhecida pela sociedade aos indivíduos como um direito [NADEL, op.cit]. Mas quem seria responsável pela garantia desse direito?

O processo de desenvolvimento das sociedades capitalistas neste século, explicita um movimento de luta contra os efeitos da dinâmica de funcionamento do capitalismo, de crescente e constante desqualificação do trabalho. Tal processo indica que a demanda pela criação de novos mecanismos de proteção social e de promoção do bem-estar, foi capitaneada em grande medida e de forma diversa, pelos vários Estados. Nesse sentido, os direitos associados ao bem-estar social, materializaram-se nessa sociedade salarial na figura do Estado de bem-estar-social, encarregado de fazer respeitar entre outras coisas, o direito à renda e ao emprego, através da mobilização e regulação das formas institucionais endógenas ao modelo de desenvolvimento.

Colin Crouch afirma que as mudanças ocorridas no século XX, da política dos interesses organizados, transformaram não só o Estado e suas estruturas, mas a maneira pela qual as sociedades passaram a se relacionar com seus problemas; essas mudanças referem-se sobretudo a alteração no equilíbrio de poder e de articulação entre as diferentes forças sociais. Elas envolvem em última instância, as formas e as instituições que passaram a se encarregar da

10 Conforme Aglietta & Brender, (1986); a sociedade salarial abriga o conjunto das formas funcionais da

divisão do trabalho no modo de desenvolvimento do capital que são passíveis de adotar a forma salarial; a sociedade salarial integra as diferenciações reais e formais e a proletarização é progressivamente mantida e diluída, onde o conflito entre proletários e burgueses - e sua violência potencial - podem assim ser regulados dentro do regime de assalariamento. "Chamamos de sociedade salarial aquela na qual as diferenciações principais encontram-se no interior do regime de assalariamento".

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organização do trabalho nas sociedades capitalistas, e nesse sentido, diz que a

organização do trabalho, tornou-se ao mesmo tempo, uma questão que todos os Estados precisaram assumir seriamente [CROUCH, 1992]11.

Com efeito, dificilmente poderíamos imaginar os Estados liberais típicos do século XIX, atuando de forma condizente com as novas condições impostas pelas mudanças sociais e pela própria reconfiguração das estruturas do capitalismo naquele momento.

No estágio do capitalismo concorrencial e mesmo nos momentos iniciais do capitalismo monopolista, as ações do Estado eram subordinadas particularmente às suas funções repressivas e ideológicas, mesmo que consideremos sua importância econômica ainda sob a fase mercantil da acumulação capitalista. Uma transformação fundamental pode ser descrita como uma modificação global do papel do Estado, antes voltado a organizar materialmente o espaço político-social da acumulação de capital, que passa a articular suas funções econômicas com seus instrumentos tradicionais de exercício de poder, num processo crescente de politização das relações econômicas e sociais [POULANTZAS, 1978]12.

Suas funções econômicas mantêm certa especificidade, a tal ponto que determinadas contradições internas do Estado, passam a situar-se entre o seu papel econômico e seu papel na preservação da ordem e da organização do sistema.

Dessa maneira, do ponto de vista econômico, a imagem do Estado passa a estar associada à garantia do bem-estar e do interesse geral, denunciando por um lado sua subordinação em relação ao capital quando desempenha um papel ativo no circuito da acumulação e por outro, reconhecendo a necessidade de buscar instrumentos que tenham peso crescente para garantir a manutenção das

11 Várias transformações ocorridas no final do século XIX são relacionadas por Crouch, dentre as quais o

acirramento da competição entre os Estados-Nacionais, um período de intensa inovação institucional, a conformação de um capitalismo monopolista em detrimento a sua forma concorrencial pretérita, entre outros. Não obstante, lembra que se trata de um processo truncado, de difícil penetração e legitimação no conjunto das sociedades, o compromisso do Estado em assumir a organização do trabalho. [Idem, pp. 264].

12 A reflexão acerca do processo de politização das relações econômicas, pode ser observada também em

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relações de classe, fortalecendo a hegemonia dominante e viabilizando a reprodução da força de trabalho13.

Algumas dimensões das transformações dos Estados das nações capitalistas avançadas no século XX, devem ser retomadas para uma compreensão mais adequada do papel e das funções do Estado nas sociedades contemporâneas.

Conforme afirma Jonh Hall, na maioria das definições, as mudanças sofridas pelos Estados referem-se a dois diferentes níveis de análise, o institucional e o

funcional. Assim, o Estado pode ser definido em termos do que se parece

institucionalmente ou do que faz [HALL, 1992]14.

O desenvolvimento das estruturas do Estado ocorre portanto nesses dois planos e diz respeito por um lado ao crescimento de seu poder infra-estrutural, dado na logística do controle político e por outro, na multiplicação de suas atividades e funções, que Hall distingui genericamente em quatro tipos: a

manutenção da ordem interna, defesa/agressão militar dirigidas contra inimigos

estrangeiros; a manutenção das infra-estruturas de comunicação; e a

redistribuição econômica. Sobre esta última função, Hall afirma que se refere,

"[...] à distribuição autoritária de recursos materiais escassos entre diferentes nichos ecológicos, grupos de idade, sexos, regiões, classes, etc. Há um elemento fortemente coletivo nesta função, ao menos mais que nos outros casos. Não obstante, várias das redistribuições envolvem mais os grupos particulares, especialmente os economicamente inativos, cuja subsistência é assim assegurada pelo Estado..." [HALL, op.cit: 168]

13 “[...] o papel do Estado diante das massas populares, tanto não pode ser reduzido a uma ilusão, quanto não

pode ser reduzido ao de um Estado-Providência com funções meramente sociais. O Estado organiza e reproduz a hegemonia de classe ao fixar um campo variável de compromissos entre as classes dominantes e as classes dominadas, ao impor muitas vezes até às classes dominantes, certos sacrifícios materiais a curto prazo, com o fim de permitir a reprodução de sua dominação a longo termo [...] é preciso ter em mente: toda uma série de medidas econômicas do Estado, lhe foram impostas pela luta das classes dominadas em torno do que se pode designar sob a noção social e historicamente determinada, de ´necessidades` populares: da segurança social à política relativa ao desemprego e ao conjunto de domínios assinalados do consumo coletivo”. [POULANTZAS, 1978:213]

14 Tal visão é amplamente apoiada em Weber, e nesta o Estado contém quatro elementos principais, quais

sejam: um conjunto diferenciado de instituições e funcionários, expressando; centralidade, no sentido de que as relações políticas se irradiam de um centro para cobrir uma; área demarcada territorialmente, sobre a qual ele exerce; um monopólio no estabelecimento de leis autoritariamente obrigatórias, sustentado pelo monopólio dos meios de violência física [HALL, 1992. op.cit. ; p. 166].

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Os Estados Nacionais, ao longo do século XX, passam a estar diante de uma substancial modificação, tanto no plano infraestrutural quanto em sua dimensão funcional. As experiências durante os anos 30, sob o efeito da Grande Depressão, e a catástrofe representada pela Guerra nos anos 40, implicaram em grande medida, no advento e avanço em vários países de novas estruturas estatais, intensificando o processo de transformação das estratégias de enfrentamento das questões sociais e econômicas em curso desde o final do século XIX.

1.3. Políticas de emprego e de recuperação econômica nos anos 30

As décadas do entre guerras, marcam um momento muito significativo na consolidação de concepções avessas às teses do laissez faire. Se nos conturbados anos 20, ainda sem romper com a hegemonia do pensamento liberal precedente, vários países capitalistas avançados gestam experiências diferenciadas do ponto de vista do enfrentamento das questões econômicas e sociais, como a experiência alemã da República de Weimar, a década de 1930 definitivamente traz a ruptura com a ordem liberal, constituindo-se num período extremamente interessante para acompanharmos a constituição de um novo padrão de tratamento das questões sociais e do mundo do trabalho.

As experiências do New Deal nos Estados Unidos, a partir de 1933, do Nacional Socialismo alemão e das iniciativas da Frente Popular na França a partir de 1936, entre outras experiências nacionais de recuperação econômica, são profundas expressões desse processo de transformação do Estado e da consolidação de um novo posicionamento dos governos diante das questões econômicas e sociais colocadas em torno do desenvolvimento econômico e do emprego da força de trabalho15.

15 Aqui estão selecionadas três experiências das mais representativas e diversas do capitalismo avançado no

período. Não obstante, faz-se importante destacar a relevância das experiências dos países escandinavos para apreendermos os acontecimentos políticos econômicos e sociais na virada dos anos 20 para os anos 30. A experiência da social-democracia sueca é representativa do período não só pelos feitos e realizações voltados à recuperação econômica conforme descritas por Myrdal, mas por se apresentar historicamente como precursora de uma nova postura de rompimento com a ordem liberal dos governos das nações capitalistas avançadas diante da catástrofe produzida a partir do colapso de 1929. Sobre a experiência sueca no período ver MYRDAL, [1962].

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Observada as experiências nacionais, o caso dos Estados Unidos é um dos mais relevantes. Mesmo o governo norte-americano sendo responsabilizado pelos liberais em ter transformado o que seria uma breve recessão em uma enorme catástrofe, em resposta à crise iniciada em 1929, o governo Roosevelt toma diversas iniciativas no campo político-econômico e institucional, no sentido de reaquecer os investimentos e reduzir o desemprego, que naquela altura atingia mais de 13 milhões de trabalhadores [ver FRASER & GERSTLE, 1989]16.

Conforme afirma Luciano Coutinho, a experiência do governo Roosevelt nos primeiros cem dias foi extremamente dramática. Em meio à crise, decreta uma série de feriados bancários e estende os créditos da Reconstrucion Finance

Corporation (RFC) agência criada para dar apoio ao fragilizado sistema bancário

norte-americano [COUTINHO, Sd ].

Por outro lado, em 1933, cria a National Recovery Administration (NRA), uma agência nacional investida de poderes para obrigar a indústria, através de sua sub-agência, a National Industrial Recovery Administration (NIRA), a reorganizar-se. Seus amplos poderes contemplavam a fixação de preços, a distribuição de quotas de produção, entre outras medidas.

Além da indústria, outra área importante afetada pela Depressão foi a agricultura. Para ela, novas diretrizes governamentais foram delimitadas e novos métodos utilizados a partir da criação da Agricultural Adjustament Administration (AAA) uma sub-agência da NRA. A atividade da AAA, envolvia controles completos sobre a produção de cada agricultor e sobre os preços dos vários produtos. O Estado passou a intervir como sócio ativo, comprando estoques para manter os preços em níveis desejados e passou a dirigir o sistema agrícola em todos os segmentos. Shonfield descreve tal política agrícola como um monumento permanente à escola intervencionista do New Deal, que acreditava no desaparecimento da era do mercado competitivo [SHONFIELD, 1964]

16 As críticas dos liberais podem ser sistematizadas pela análise de Milton Friedman nos anos 60. Diz, "[...] os

males da grande depressão e de forma semelhante a outros períodos de desemprego, são causados pela incompetência do governo e não pela instabilidade da economia privada [...] foram as trapalhadas do Federal Reserv na condução da política monetária, que converteram uma contração moderada numa grande catástrofe" [FRIEDMAN, 1982: 44; 1ª edição, 1962].

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Ademais, o autor observa a própria NRA como um potente instrumento de planejamento econômico centralizado do tipo moderno; também um símbolo da rejeição do capitalismo do velho estilo liberal [Idem: 452]17.

O ímpeto inicial do New Deal, de 1933 a 1935, produziu uma enorme multiplicação de instrumentos governamentais e institucionais para o enfrentamento da crise. Além da política industrial, agrícola e aquela voltada ao sistema bancário, que passou a controlar grande parte da produção nacional, o gravíssimo problema do desemprego suscitou nas autoridades, a disposição de formular políticas especificamente dirigidas a ele.

Mediante às fortes pressões políticas da massa de desempregados nas grandes cidades norte-americanas, já em abril de 1933, o governo institui o

Unemployment Relief act, que o equipava de poderes para aliviar o desemprego

por meio da criação de empregos públicos e da dotação de subsídios. Concomitantemente, o apoio aos desempregados foi ampliado através do

Emergency Relief Act, que aumentou significativamente a área de atuação do

governo em relação aos desempregados [COUTINHO, op.cit. ]18.

A lei Wagner, de 1935, também foi outra iniciativa fundamental na consolidação de um leque de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da crise. Nela estabeleceu-se o Estatuto do Trabalhador, o sistema previdenciário de aposentadoria, pensão e fundo de desemprego, através de uma base de financiamento apoiada num imposto de 2% sobre a massa salarial [Idem:11].

17 Citando Schlesinger, Shonfield enumera os dogmas deste primeiro ímpeto do New Deal: "que a revolução

tecnológica tornara inevitável o gigantismo; que não era possível continuar confiando na competição para proteger os interesses sociais; que as grandes unidades eram uma oportunidade e não um perigo a ser combatido; e que a fórmula para a estabilidade da nova sociedade deve ser a combinação e cooperação sob uma autoridade federal ampla". [SHONFIELD, 1964: 453]. Em relação a NRA, Shonfield lembra as considerações do General Hugh Johnson, seu diretor-geral, que afirmara a NRA como um instrumento para a conjugação, sob um controle coordenado, do trabalho de todos os departamentos e orgãos de caráter econômico do governo federal. A autoridade pública falaria através de uma só voz e responder-lhe-ia, por seu turno, a voz única de cada corporação industrial. [Idem:451].

18 A administração de Roosevelt ainda cria em outubro de 1933, uma agência específica destinada a fomentar

à construção civil, a Civil Works Administration. Esta nova agência empreitava grandes obras com o objetivo de ampliar a oferta de empregos na construção civil. [COUTINHO, Idem:4]

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Em relação à experiência alemã de enfrentamento da crise no início dos anos 30, o marco é a ascensão dos nazistas ao poder em 1933. Apoiados na ideologia da "grande nação alemã" e no fracasso da conservadora política econômica da social-democracia, o nacional socialismo alemão leva à frente um programa de recuperação econômica mais ousado do que o New Deal de Roosevelt.

Não somente a ousadia do governo nazista sob o comando de Hitler a partir de março de 1933 fora maior, como os resultados de sua política de recuperação mostraram-se mais expressivos dentre os países capitalistas avançados.

De forma mais rápida e ampla do que fora realizado nos Estados Unidos, inicialmente montou-se um enorme programa de obras públicas, o Programa

Reinhardt , afim de absorver rapidamente um desemprego que proporcionalmente

era superior ao norte-americano. Basicamente voltado à construção civil, residencial e de auto-estradas, o programa criado em junho de 1933 pelo Ministro das Finanças e Secretário de Estado Fritz Reinhardt, em suas duas fases (1933 e 1935), contou com aportes anuais de recursos da ordem de 4% do PIB, atingindo mais de 2,5 milhões de trabalhadores, num universo de aproximadamente 5 milhões de desempregados. O programa é uma combinação de gasto público direto, incentivos especiais e gastos indiretos, baseado num engenhoso esquema de financiamento, que serviu não só a ele, mas ao financiamento de toda economia alemã [BRAUM, 1990]19.

A partir de uma engenhosa política do Reichsbank, sob o comando de Schacht, em conjunto com o grande capital privado alemão, de lançamento de bônus e títulos privados lastreados pela dívida pública, foram financiadas as grandes obras que propiciaram a recuperação inicial da renda e do emprego, o que em seguida viabilizou o financiamento dos investimentos, tendo em vista que os pagamentos dos gastos iniciais eram realizados posteriormente. Os papéis emitidos poderiam ser descontados após certo prazo na rede bancária, que por sua vez retinha-os por certo tempo criando um mercado secundário de títulos.

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Justamente, o tempo entre a emissão inicial dos títulos, seu trânsito no mercado e nos Bancos, era o necessário para que em meio a uma retomada da renda e do emprego, o governo tivesse espaço para lançar novos títulos e com isso progressivamente ampliar a sua capacidade de gasto [BETTELHEIM, 1979]20.

Em suas memórias, Schacht explicita tal mecanismo, afirmando que sua concepção fora desenhada considerando simultaneamente o descrédito do poder público em lançar títulos para captar recursos e a ineficácia naquele momento de novas emissões de notas. Nesse sentido, segundo ele, tornou-se necessário encontrar um caminho que suplantasse tais dificuldades e gerasse recursos suficientes para a recuperação da economia. Diz,

"Pensei comigo que, se existiam fábricas improdutivas e estoques não utilizados, como realmente era o caso, então tinha de haver também capital não utilizado nos caixas. Teria sido uma operação vã captar esse capital através da emissão de empréstimos públicos. A confiança do povo na solvência do Estado estava abalada pelos governos anteriores, portanto tinha de achar uma maneira de tirar o dinheiro parado dos caixas e dos bolsos, sem pretender que fosse por muito tempo nem que sofresse desvalorização" [SCHACHT, 1999:385].

Segundo Schacht, desse raciocínio surgiu o que posteriormente ficou conhecido como "Saques MEFO" (denominação derivada de Metall-Forschungs

A.G. - Pesquisas de Metais). Era uma sociedade anônima, fundada com um

capital de 1 milhão de marcos das quatro grandes companhias alemãs - Siemens, Gutehoffnungshutte, Krupp e Rheinstahl - a pedido do governo alemão. O Reich assumiu a garantia solidária para todas as dívidas dessa empresa, responsabilizando-se por resgatar a qualquer momento os saques em seus guichês. A partir de então, todos os fornecedores de encomendas do Estado passaram, com base em seus créditos, a sacar contra a MEFO [Idem]21.

20 Bettelheim, especialmente em seu capítulo V, onde trata do financiamento da política econômica nazista.

Na realidade, tendo o Banco Central como avalista destes títulos, as empresas e os bancos dificilmente chegavam a descontá-los. A própria política de valorização dos títulos por parte do Reichsbank era incentivadora desta posição de não desconto por parte de seus possuidores. Além do financiamento realizado com a emissão de títulos públicos, a ampliação dos gastos do governo alemão se apoiou numa expressiva elevação da carga tributária, que atingiu 38% do PIB no segundo terço dos anos 30 [Idem: pp.136].

21 Conforme esperava Schacht, atraídos por juros de 4% e pela garantia do Reichsbank, os fornecedores do

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O sentimento internamente produzido na Alemanha diante do sistema MEFO, pode ser traduzido, segundo Schacht, pela sentença do Tribunal Administrativo Superior de Hamburgo:

"A diretoria do Reichsbank agiu segundo objetivos sensatos de política monetária, quando levou em conta, no tipo de pré-financiamento, que o aumento do volume de dinheiro provocava o aumento da produção. O sistema MEFO foi adequado, devido a sua coordenação com medidas governamentais de geração de empregos. Formou uma base útil para a superação da depressão econômica. O Reichsbank mostrou bom senso quando deixou dali em diante de ater-se ao princípio de cobertura, que fora motivo de crítica à direção anterior do Banco, e tentou cumprir a função de um banco econômico moderno, através do financiamento de investimentos estatais"

[apud, SCHACHT, op.cit: 387]22.

Na realidade, o programa inicial de obras públicas e a criação de novos mecanismos de financiamento da economia alemã, viabilizaram uma rápida redução do desemprego entre 1933 e 1934, de 5 milhões de desempregados, para cerca de 2,5 milhões, o que do ponto de vista político, conferiu ao nacional socialismo, expressivo apoio. Todavia, não somente no campo geral da condução da recuperação econômica concentraram-se os esforços governamentais na Alemanha. Entre 1933 e 1936, sob as diretrizes do 1º Plano Quadrienal, o governo do Reich propôs três conjuntos de medidas.

Em primeiro lugar, uma política de apoio ao grande capital industrial alemão, visando a concentração e o fortalecimento de seu já concentrado sistema industrial. Tal política foi praticada pelo direcionamento (forçado) do crédito bancário aos grandes grupos empresariais. De forma contrária, um segundo conjunto de medidas, visava a proteção da pequena propriedade agrícola, onde mesmo considerando-a "inviável" economicamente, propõe uma política de proteção aos pequenos proprietários e agricultores, criando um sistema de apoio creditício e de comercialização cooperativa, numa tentativa de manter a mão-de-obra ocupada no campo e evitar o agravamento do desemprego urbano.

22 Kalecki via nessa forma de financiamento da economia alemã, a antecipação prática daquilo que

teoricamente se denominou multiplicador keynesiano. O próprio Keynes admitiu ter se inspirado em Bretton Woods na engenhosidade da política monetária comandada por Schacht.

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Por fim, o terceiro conjunto de medidas voltava-se à destruição da organização sindical e ao controle das instituições representativas do patronato, substituindo a negociação entre as partes, pelo controle governamental centralizado das relações de trabalho [ver COUTINHO e BETTELHEIM, op.cit].

É sabido que, tal processo baseou-se numa violência extrema contra os movimentos sociais, líderes sindicais, comunistas, socialistas, e sociais-democratas. Tal violência pode ser representada já no início do governo nacional socialista, pelo expurgo e o massacre de parte significativa dos integrantes do próprio partido nazista

Mesmo a política agrícola de defesa dos pequenos proprietários foi progressivamente sendo substituída por medidas que visavam elevar rapidamente a produtividade dos campos, tendo em vista as perspectivas da construção de uma economia de guerra. Nesse mesmo sentido, conforme descreve Bettelheim, a política industrial, que já no início do governo nacional socialista indicava um sentido claro de fomento à concentração e à cartelização empresarial, radicalizou-se na radicalizou-segunda metade nos anos 30, dilacerando as pequenas empresas.

Com referência a ocupação da mão-de-obra, tal procedimento não significou o aumento do desemprego, que foi mantido por todo o período em patamares muito baixos. Se num primeiro momento isso ocorreu por meio das políticas públicas de recuperação dos investimentos e depois viabilizou-se pela expansão dos gastos governamentais voltados à construção da máquina de guerra, o certo é que a Alemanha ao longo dos anos 30, deixou de contar com excedentes de mão-de-obra23.

A ampliação dos mecanismos estatais de controle econômico e social, também é uma marca da experiência francesa nos anos 30. O impacto da Grande Depressão na França, proporcionalmente menor que na Alemanha e nos Estados

23 Não só a concentração produtiva e financeira e o baixo desemprego foram marcantes, também enormes

ganhos de produtividade conviveram com uma rígida política de controle salarial baseada na absoluta repressão aos sindicatos. Para Kalecki, um pacto político de repressão ao poder do trabalho pelo Estado, possibilitou criar nos empresários alemães a confiança necessária para apoiarem o pleno emprego, abrindo mão do desemprego como instrumento de controle e da disciplina nas fábricas. [KALECKI, 1980].

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Unidos do ponto de vista do desemprego, foi suportado sem grandes rupturas até meados da década quando em 1936 atingiu com 4,5% da população ativa,.

A insatisfação social, mediante ao aprofundamento da crise, materializou-se no pleito de 1936, pela eleição da Frente Popular liderada pelos socialistas na figura de León Blum. A política de recuperação da Frente Popular entre 1936 e 1939, como nos Estados Unidos e na Alemanha, incorporou um diversificado leque de medidas, que passou pelo estabelecimento de um substantivo programa de obras públicas como medida inicial de enfrentamento do desemprego, pela aprovação da lei de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais e ainda medidas públicas de incentivo à concentração comercial, industrial e financeira24.

Todavia, com as características da sociedade francesa - 1/3 da população trabalhando no campo - qualquer política que visasse minimizar os efeitos sociais da crise econômica, deveria contemplar o campo25. O gabinete da Frente Popular

leva o deputado socialista George Monnet ao Ministério da Agricultura, incumbido de levar adiante as proposições dos socialistas para o campo. Uma das primeiras iniciativas de Monnet à frente do Ministério, trata da centralização por parte do governo de todo o comércio exterior e o controle de todas as transações internas, por intermédio de cooperativas de estocagem e venda. Este controle era flexível sobre o que se chamava échange en nature ou a produção destinada ao consumo familiar e à integração de pequenos negociantes autorizados pelo governo.

Mesmo sob forte resistência na Assembléia Nacional e inicialmente de segmentos dos agricultores, o governo adota uma rigorosa política de controle de preços através de um Conselho Nacional. Tal resistência é suplantada por um lado pela política de manutenção de preços mínimos adotada e por outro, pela

24 O sentido desse incentivo era o mesmo dos alemães e dos norte-americanos, qual seja, fortalecer a

fragilizada estrutura produtiva, comercial e financeira da França, conforme apresenta COUTINHO, (op.cit.).

25 A divisão setorial do emprego na França no início dos anos 30, indica ainda 1/3 dos trabalhadores na

indústria e outro 1/3 nos serviços. Essa disposição, sem dúvida, se constituiu num enorme "colchão social", já que boa parte do impacto da crise foi absorvido pelas formas tradicionais de organização social no campo, evitando assim a explosão do desemprego entre os citadinos. Os dados sobre a sociedade francesa, estrutura setorial do emprego, desemprego, entre outros, podem ser vistos em MARCHAND & THÉLOT, 1997.

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multiplicação do crédito agrícola direcionado a fomentar o surgimento de cooperativas de pequenos produtores. [BRAUDEL e LABROUSSE, 1980]

A esse conjunto de medidas, que já demonstravam o sentido político de defesa da pequena propriedade e da agricultura tradicional francesa, somaram-se outras, que tinham por objetivo estruturar a organização e a proteção social no campo. Dentre várias medidas, estende-se o seguro obrigatório à velhice com normas similares aos meios urbanos, cria-se a modalidade de auxílio as famílias camponesas somados à remuneração salarial, pratica-se uma política de elevação salarial no campo superior à praticada com os salários industriais e estimula-se a criação de sindicatos camponeses como forma de ampliar o poder representativo do campo.

Definitivamente, a política agrária da Frente Popular buscava na melhoria das condições de vida no campo, o eixo para a manutenção de um enorme contingente populacional em suas atividades agrícolas tradicionais. Uma política consciente de proteção e salvaguarda da estrutura social de pequenos produtores do campo, foi um traço marcante da política estatal francesa sob o governo de Blum [Idem].

As políticas de recuperação na França, em sua especificidade, trouxeram também às economias desenvolvidas nos anos 30, a experiência de ações governamentais simultâneas voltadas ao campo e a cidade, à estrutura econômica de forma mais ampla, ao emprego e a renda, em meio a enormes dificuldades da Frente Popular diante das forças conservadoras e do pensamento liberal francês, contrárias ao governo.

Em seus distintos momentos e de acordo com seus contornos particulares, o que na realidade se viu através das políticas de recuperação implementadas durante os anos 30, foi uma imensa "estatização" das relações econômicas, um processo sem precedente histórico, apoiado num sentimento "anti-liberal" que atingiu os Estados Unidos e com mais força varreu a Europa, em especial a Alemanha. O avanço de tal processo nos anos 30, em grande medida se mostrou precursor das perspectivas posteriores de condução da vida econômica e social.

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1.4. A nova ordem política e social no pós-guerra

A Guerra deflagrada entre as principais potências mundiais, em 1939, amplia o grau de intervenção estatal nas relações econômicas, fornecendo as bases para no futuro, consolidar-se um novo cenário para o enfrentamento das questões sociais.

Ao final do conflito, num cenário geopolítico mundial bipolar - por um lado com a hegemonia norte-americana sob o bloco de nações capitalistas e por outro, com a forte influência nos movimentos sociais do mundo inteiro das experiências do socialismo real - os Estados têm um novo desenho, com a expansão de suas estruturas e funções, representada em linhas gerais pelo substancial aumento do gasto público, com a ampliação de seus mecanismos e base de arrecadação tributária, pela multiplicação de suas estruturas envolvidas com a produção, com o desenvolvimento dos mecanismos de regulação econômica e proteção social, entre outros.

O debate ao final da chamada era da catástrofe26, coloca em pauta o espaço

obtido pelos Estados em virtude do enfrentamento dos efeitos da grande depressão nos anos 30 e do esforço de guerra nos anos 40. O pano de fundo do debate, diz respeito à construção de uma nova ordem econômica, política e social, baseada numa ativa atuação estatal e na criação de um padrão de regulação social, ou por outro lado, a retomada da tradição dos velhos preceitos liberais anteriormente hegemônicos, que se mostravam incongruentes com o novo alinhamento de forças que se estabeleciam nesse mundo saído da guerra.

A experiência das décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, demonstra que desse debate saem fortalecidas as posições cujos sentimentos mostravam-se profundamente anti-liberais, catalisados em grande medida pela expressão desse novo Estado que vai progressivamente se conformando e, de uma ordem política-social que impõe à economia um novo padrão de regulação.

26 O historiador inglês Eric Hobsbawm, periodiza como sendo a era da catástrofe o período que vai do início

da Primeira Guerra Mundial em 1914, até o término da Segunda Guerra Mundial em 1945. [HOBSBAWM, 1995].

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