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A ocupação dos edifícios pombalinos da Praça do Comércio

No documento monumentos #1 (páginas 33-35)

Quanto à ocupação dos edifícios pombalinos da Praça do Comércio, ela obedeceu, com na- turais pequenas variações ao longo do tempo, à função oficial estabelecida desde o início. Com efeito, foi essencialmente para receber o aparelho do Estado que o marquês de Pombal concebeu o conjunto arquitectónico da nova praça da reconstrução, que se assumia assim como o centro de poder do país na cidade sete- centista. Deslocada a residência régia daquele espaço, a nova Praça do Comércio tornava-se exclusivamente o ponto em torno do qual gi- ravam as decisões políticas e económicas de- terminantes para o futuro do reino, num pro- cesso do qual o rei era de certo modo distan- ciado pelo poder e atribuições do ministro. Assim, em 1758, como se referenciou já, os comerciantes recebem a necessária autorização para instalarem a sua bolsa no topo oriental da praça. Nos edifícios contíguos à bolsa rapida- mente se instala a alfândega, sendo os restan- tes edifícios ocupados por tribunais, já no final do século XVIII.

Excepção no contexto desta ocupação estrita- mente oficial da praça, que remonta ao século XVIII, era o café da arcada do Terreiro do Paço, ao qual surge pela primeira vez menção na Gazeta de Lisboa, no ano de 1782, sob a de- signação de Casa da Neve (gelado). Dois anos mais tarde era seu proprietário o italiano Do- menico Mignani, pelo que o café era então co- nhecido por Casa da Neve Italiana. Em 1795 era já o Café do Comércio, adequando-se as- sim à denominação da praça.

Data porém do final do século XIX a designa- ção com que chegou até nós, a qual se rela- ciona com o nome do seu proprietário de en- tão, Martinho Rodrigues, ficando o antigo café da arcada do Terreiro do Paço conhecido pelo Martinho da Arcada.

Durante a centúria de Oitocentos permanece- ram instalados nos edifícios da Praça do Co- mércio os diferentes ministérios, generica- mente com a seguinte distribuição: a oriente liano Giuseppe Gorani, residente em Portu-

gal entre 1765 e 17677.

Quando em 1775, vinte anos após a ocorrên- cia do sismo, se procede à inauguração da es- tátua equestre de D. José, os edifícios da praça encontram-se ainda apenas parcial- mente construídos8.

Alguns anos mais tarde, em 1793, gravuras efectuadas a partir de obras do pintor francês Nöel, então em Portugal a convite do comer- ciante inglês Gerard Devisme, evidenciam a inexistência do torreão ocidental da praça ainda nesta data. A mesma ideia que se en- contra expressa na obra que J.B.F. Carrère faz publicar em Paris, sob o título de Voyage en

Portugal et Particulièrement à Lisbonne en 1796,

na qual se refere ainda o facto de então os edifícios da Praça do Comércio se encontra- rem pintados de amarelo, “(…) cor que, de- gradada pelas chuvas, apresenta matizes vá- rios de muito mau efeito”9, segundo o autor

que, apesar destas observações, manifesta o seu agrado pelas “arcadas espaçosas e muito bem lançadas”.

Já nos primeiros anos do século XIX, Fran- cisco Coelho de Figueiredo escreve, repor- tando-se ao lado ocidental da praça: “(…) o lugar que se conserva imperfeito na Real Praça do Comércio, por terem dado de si para baixo as estacas agudas com pontas de ferro (…)”10, o que mais uma vez atesta o

estado incompleto da praça, em particular da sua ala poente. Ainda em 1819, gravu- ras efectuadas com base em desenhos de l’Evêque, mostram o Terreiro do Paço sem o torreão ocidental. Com efeito, data de 1842 a conclusão deste torreão, ficando en- tão o conjunto arquitectónico da praça completo, à excepção do arco triunfal, rea- lizado apenas em 1875, segundo projecto de Anatole Celestin Calmels, como se refe- renciou. Assim, é apenas no início do úl- timo quartel do século XIX que se pode falar de conclusão da edificação da Praça do Comércio na sequência do sismo ocor- rido em Novembro de 1755, cerca de 120 anos antes.

as Finanças (mantendo-se a bolsa e a alfân- dega), a norte a Justiça e a ocidente a Guerra. Tal distribuição mantém-se até à actualidade com naturais e inevitáveis ajustamentos, tendo-se assistido nos anos mais recentes à des- locação de alguns ministérios para outras zonas da cidade. Assim, permanecem instalados na Praça do Comércio, no final do século XX, al- guns dos serviços dos seguintes ministérios: Fi- nanças, Obras Públicas (oriente), Justiça, Ad- ministração Interna, Planeamento e Adminis- tração do Território (norte), Defesa e Agricul- tura (ocidente). Têm ainda lugar nos edifícios da praça parte dos serviços da Bolsa de Valores de Lisboa (topo oriental, onde desde 1758 se localizava a bolsa dos comerciantes), e, corres- pondendo como que a uma diversificação dos serviços passíveis de serem encontrados na- quele local, ainda que intimamente ligados ao Estado: um balcão da Caixa Geral de Depósi- tos, a farmácia da Associação de Socorros Mú- tuos dos Empregados do Estado, a Cruz Ver- melha Portuguesa, a biblioteca do Ministério das Obras Públicas (norte) e finalmente os Cor- reios (ocidente). Nos últimos anos os edifícios da Praça do Comércio ganharam ainda uma função cultural e lúdica, ao ser utilizado para exposições parte do piso térreo do Ministério das Finanças e do Ministério do Planeamento e Administração do Território. Ainda estranho ao conjunto, do ponto de vista do seu estatuto e função mas de certa forma complementar para uma certa fruição da praça por parte da ci- dade, permanece o Café Martinho da Arcada. " * Lic. História/História da Arte, Museologia e Patri- mónio Artístico. Mestre em História da Arte Do Terreiro do Paço à Praça do Comércio

Fig. 4 O “Café da Arcada do Terreiro do Paço”, ou “Casa da Neve Italiana”, ou “Café do Comércio”, ou, finalmente, ‘“Martinho da Arcada”, como ficou conbecido o estabelecimento do qual era proprietário, no fim do século passado, Martinho Rodrigues – um espaço lúdico dominantemente oficial da praça.

Notas

1 – J.B.F. Carrère, Panorama de Lisboa

em 1796, Lisboa, 1989, p. 29 (1.aedi-

ção 1978).

2 – Fr. Nicolau de Oliveira, Livro das

Grandezas de Lisboa, Lisboa, 1620, trat.

V, cap. IV.

3 – Cf. Nelson Correia Borges, A Arte

nas Festas do Casamento de D. Pedro II,

Porto, s.d., p. 157.

4 – Cf. José-Augusto França, Lisboa

Pombalina e o Iluminismo, Lisboa, 1965.

5 – Cf. ms. publ. por Camilo Castelo Branco, Noites de Insónia, 1874, cit. por José-Augusto França; A Reconstrução de

Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Lisboa,

1978, pp. 33 e 99; cf. também Júlio de Castilho, A Ribeira de Lisboa, vol. III, Lisboa, 1983, p. 136.

6 – Cf. José-Augusto França, ob. cit., p. 83.

7 – Giuseppe Gorani, A Corte e o País

nos Anos de 1765 a 1767, Lisboa, 1992

(1.aedição portuguesa 1945).

8 – Joaquim Machado de Castro,

Descrição Analítica da Execução da Real Estátua Equestre do Senhor Rei Felicíssimo D. José I, Lisboa, 1975 (1.aedição

1810).

9 – J.B.F. Carrère, ob. cit., p. 29. 10 – Francisco Coelho de Figueiredo,

Theatro de Manuel de Figueiredo, vol.

XIII, p. 555, cit. por Castelo Branco Chaves, notas a J.B.F. Carrère, ob. cit., p. 150.

DGEMN.

João

Cabral,

D O S S I E R

No documento monumentos #1 (páginas 33-35)