• Nenhum resultado encontrado

O jardim romântico

No documento monumentos #1 (páginas 55-57)

Foi este o panorama até à década de quarenta, altura em que o proprietário do morgado, Fer- nando José Pereira do Carvalhal, fidalgo da casa real, com largas posses, viajado e frequen- tador da Corte e da sociedade, num período de estabilização política e económica do país em- preende a construção e ampliação do sítio, apelidado de “jardim de Estoy”.

A sobrevalorização do espaço natural no pe- ríodo romântico, a importância da sua ima- gem, dentro dos valores do homem mo- derno, privilegiaram a dimensão e a concep- ção do jardim, num espaço em que os factores paisagísticos foram aproveitados num projecto de autor desconhecido, que idealizou talvez o mais completo jardim ro- mântico português.

A procura de imagens de períodos estilísti- cos anteriores, referências arquitectónicas de outros modelos, permitiram estabelecer uma relação casa-jardim-paisagem, fortemente inspirada nas villas da alta renascença ita- liana, na volumetria da casa e dos espaços envolventes e, sobretudo, no contorno alti- métrico que modela a encosta, sucedendo-se em vários níveis, até à planície coberta de pomares.

O cenário clássico da casa sobre o jardim completa-se no desenho da estrutura princi- pal deste, mais influenciado pelo planea- mento racional do jardim francês do que pe- las modelações paisagísticas e naturalizadas do picturesque inglês, que ditava os últimos cânones da composição nas grandes realiza- ções europeias. O eixo central organiza o es- paço exterior a partir da casa até ao grande portão, cenário triunfal da entrada principal da quinta. A arquitectura do jardim, e a sua relação com a casa, está mais próxima dos modelos do barroco nortenho que das quin- tas de recreio do Alentejo e arredores de Lisboa.

O eixo não tem uma organização espacial sim- ples. Atravessa vários espaços autónomos, em vários níveis, cada qual com o seu valor ou as platibandas transparentes fazem imaginar

um cenário de conto de fadas perdido nas hortas algarvias.

As referências mais antigas do sítio são dos fi- nais do século XVIII, quando a aldeia estaria dominada pelo extenso maciço de vegetação do jardim de uma casa de piso térreo.

Desconhece-se o tipo de jardim que envol- via a casa na altura. O “jardim de Estoy”, denominação que privilegiava a existência de um jardim relativamente à casa, seria na época uma quinta de recreio pertencente a uma família da aristocracia e proprietários rurais.

Para além da sua excelente localização, no terço médio inferior da encosta, orientada a sul-poente, voltada para o mar, dominando todo o barrocal até à linha de costa, a quinta tinha uma grande disponibilidade de água em quantidade e qualidade, possibilitando, num clima amenizado pela proximidade do oceano, o desenvolvimento de vegetação ornamental, nomeadamente exótica. Ao valor botânico es- tava associado o espírito coleccionista neste período e a quinta poderia ser um óptimo es- paço de aclimatação de uma grande variedade de espécies.

É possível que o sistema ajardinado fosse composto por um espaço de desenho mais formal junto à casa, um percurso de contem- plação, possivelmente com acesso a um po- mar e uma mata. Aqui algumas espécies exó- ticas atingem mais tarde porte secular, re- gisto actual num monumental cipreste,

Cupressus sempervirens, e em duas palmáceas, Archontophoenix cunninghamiana e Washingto- nia filifera.

A água teria forçosamente uma presença marcante no jardim como elemento decora- tivo e organizador do espaço, onde as grandes superfícies e águas correntes tinham um efeito tipicamente amenizador no micro- clima dos jardins do Sul. Seria num am- biente de um frondoso e fresco jardim de uma quinta de recreio que seria oferecida uma recepção ao governador e general francês Maurin, em 1808.

O Jardim de Estói

Fig. 1

(página anterior) Vista aérea.

ponte, istmo de ligação com o sector sul do jardim, separado por uma serventia pública, para se abrir no grande lago central e separar- -se no nível mais baixo, junto à cascata, em três direcções. Daqui partem alamedas que nos levam aos extremos do jardim, rematados por grandes mirantes semelhantes aos da Quinta das Laranjeiras em Lisboa e que têm um valor meramente cenográfico no local. Este convívio de um traçado clássico e monu- mental (apesar do reduzido comprimento do eixo), com espaços mais individualizados, de ambientes mais íntimos, conferindo de certo modo um secretismo próprio a cada momento do percurso, pôe à superfície a tradição do jar- dim português em Estói. A intimidade de cada local surge-nos como uma relação exclu- siva do homem com um ambiente ou um es- paço muito próprio. Estói é uma sucessão de acontecimentos ao longo de um eixo que nasce na casa e desaparece no laranjal.

A água da grande fonte da vila entrava na quinta e juntava-se nos tanques do jardim, a nascente da casa, com as águas da nora velha e do poço. Regavam os pomares e enchiam as fontes do jardim formal e do Carrascal. As so- brantes eram recolhidas no lago grande. A sua descarga produzia um rugido abafado debaixo da terra, quando as águas se libertavam do grande lago para a cascata, escorrendo nas em- penas embrechadas de calcário vermelho da região, para serem conduzidas nas caleiras de rega do grande pomar. É o fio de água do jar- dim árabe que não se perde, assumindo um papel vital e anímico, desenhando a própria arquitectura do jardim.

Os candelabros para as grandes soirées não se acenderam, a música não tocou para os bailes no jardim formal, os convidados não passea- ram nas alamedas gravilhadas dos pomares. Em 1866 morre o último morgado, José Ma- ria Pereira do Carvalhal, e as obras ainda não estão totalmente concluídas. A manutenção do local fica a cargo das suas irmãs até ao ano de 1875, altura em que a propriedade entra num processo de abandono com a morte da última herdeira.

ambiente próprio, personificados no grande lago, na cascata ou outro elemento do jardim e apontando para uma disposição simétrica como acontece na casa.

A linha central começa no jardim do Carras- cal, quadrado fechado como um claustro, es- paço de acesso à entrada principal do edifício, continua pelo jardim do terraço junto à fa- chada nobre da casa, estrangula-se, numa

O Jardim de Estói

Fig. 2 Escadarias e cascata.

Fig. 3 Lago e alameda central.

João Ceregeiro, 1992-1993 João Ceregeiro, 1992-1993

ticos da nossa história. Completando este uni- verso, pedestais com vasos, volutas, pináculos e coruchéus rematam muros rebocados de tons rosa do óxido de ferro nos paramentos lisos e ocre no reboco tirolês. Artistas e artesãos na- cionais participam nas obras de cantaria, alve- naria e serralharia, com saliência para as ofici- nas de António da Silva Meira, José Maria Pe- reira Junior ou Francisco Luís Alves.

Algumas superfícies de muros do jardim são cobertas por painéis de azulejos, imitação da antiga fábrica do Rato. Um jogo de mobiliá- rio composto de bancos de ferro e mármore, pedestais, floreiras e nichos forrados a azulejo complementam a decoração nas áreas mais formais.

Durante esta fase são recuperados os pavilhões de chá com pintura de frescos e lambril de azulejos, sendo o pavilhão dos homens nitida- mente mais decorado. Neste processo de trata- mento decorativo os pavimentos foram refei- tos e na zona da cascata o mosaico tipo ro- mano aparece não só ao nível do solo mas cobrindo as abóbadas com desenhos de figuras

No documento monumentos #1 (páginas 55-57)