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2.2 – A C OMISSÃO E SPECIAL DE I NVESTIGAÇÃO S UMÁRIA DA UFRGS

A UFRGS teria sido, segundo a jornalista Angélica de Moraes, a única universidade do Brasil onde professores participaram do processo expurgatório em 1964. Em todas as outras universidades brasileiras, segundo ela, “o Governo revolucionário assumiu integralmente a intervenção e o expurgo. No Rio Grande do Sul, porém, as Forças Armadas conseguiram dividir responsabilidades nessa incômoda tarefa”.204 Outras fontes, no entanto, apontam em sentido contrário. Segundo O controle ideológico na universidade – publicação baseada em O livro negro da USP, de 1978,205 uma das obras pioneiras na denúncia de processos de expurgos em instituições universitárias brasileiras e que serviu de inspiração para a elaboração de Universidade e repressão: os expurgos na UFRGS 206 e de UFMG: Resistência e protesto 207 – em função da “Operação Limpeza”,

202 UFRGS. Reitoria. Circular nº 35. Do “Reitor em Exercício”, prof. Luiz Leseigneur de Faria, ao Diretor do Instituto de Filosofia, prof. Ernani Maria Fiori. s/d [Abr-Mai/1964]. p. 1. UFRGS/NPH/HIFCH.

203 Id. ibid. p. 2.

204 MORAES, Angélica de. Um tribunal de professores expurgou na UFRGS. Coojornal, Porto Alegre, p. 9, Mar/1979.

205

Conforme Apresentação da 2ª edição (p. 7), referida a seguir, sua “1ª edição” constituiu-se de relatório elaborado e apresentado no interior da ADUSP, tendo sido a 2ª edição a primeira a ser constituída na forma de livro. ADUSP. O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1979.

206 ADUFRGS. Universidade e Repressão: Os expurgos na UFRGS. Porto Alegre: L&PM, 1979. 207 PIMENTA, Aluísio et al. UFMG: Resistência e protesto. Belo Horizonte: Vega, 1979.

[...] o Reitor Gama e Silva nomeou uma comissão especial para investigar atividades ‘subversivas’ na USP [Universidade de São Paulo], formada pelos professores: Moacyr Amaral dos Santos, da Faculdade de Direito, Jerônimo Geraldo de Campos Freire, da Faculdade de Medicina e Theodureto I. de Arruda Souto, da Escola Politécnica. [...] sua existência foi mantida em segredo e dela não foi informado o Conselho Universitário.208

A constatação de que, efetivamente, em outras universidades, professores também atuaram na repressão a outros docentes, bem como a discentes e a servidores técnico- administrativos, não deve, porém, conduzir à suposição de que todos os processos expurgatórios de 1964 tenham sido idênticos em sua forma. Como se pode perceber através da análise das atas da CEIS/UFRGS, no caso da universidade sul-rio-grandense houve algumas singularidades, o que talvez tenha levado Moraes a postular a observação citada.209 De fato, até onde foi possível verificar, a constituição de um grupo composto por um representante de cada unidade de ensino foi uma característica particular da UFRGS. A ata da Reunião de Instalação da comissão é bastante clara nesse sentido: essa formação foi, ao menos oficialmente, uma opção do Reitor José Carlos Fonseca Milano, que, “pela Portaria nº 885, desta data [18/05/1964], designara os integrantes da Comissão Especial, integrantes esses que, na forma da sugestão apresentada pela Faculdade de Direito de Porto Alegre, foram indicados pelas Faculdades e Escolas da Universidade”.210 Na mesma ata, pouco depois, Ney Messias (professor representante da Faculdade de Direito de Porto Alegre) ressaltou que “a idéia da instituição de uma Comissão composta por representantes de todas as Faculdades e Escolas partiu da Faculdade de Direito de Porto Alegre”.211 As menções à “sugestão apresentada pela Faculdade de Direito” são indícios importante nesse sentido, pois, considerando-se essas informações e as observações feitas anteriormente em relação à USP (particularmente que a CEIS de lá fora composta por apenas três docentes), é possível inferir a predominância de opções locais na determinação da forma organizacional da CEIS/UFRGS.

208 ADUSP. O controle ideológico na USP (1964-1978). São Paulo: ADUSP, 2004. p. 17. Grifo ausente do original. À exceção do primeiro nome do representante da Escola Politécnica (originalmente indicado como “Theodoreto”), o restante da citação é idêntico à edição de 1979: ADUSP. O Livro Negro da USP: o controle ideológico na Universidade. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1979. p. 15.

209 Atas acessadas em: UCS/CEDOC/LTM.

210 UFRGS. CEIS. Ata da Reunião de Instalação da Comissão Especial de Investigação Sumária, 18/05/1964, p. 2. UCS/CEDOC/LTM. Grifos ausentes do original.

Nas citações diretas feitas nesta dissertação, optou-se por omitir ou corrigir os eventuais erros ortográficos encontrados nas fontes primárias. Fez-se uma avaliação da relevância de observar tais equívocos textuais para atingir os objetivos deste estudo e melhor compreender seu objeto de análise. Com base no entendimento de que não representariam nenhum acréscimo nesse sentido, julgou-se oportuno omiti-los, de modo a facilitar a leitura do presente trabalho.

Tal entendimento é ainda mais provável se observadas as instruções passadas pelo Ministro da Educação e Cultura Flávio Suplicy de Lacerda às reitorias do país, para a execução da investigação sumária em cada instituição pública de ensino superior. Em 20 de abril de 1964, o MEC entrara em contato com a Reitoria da UFRGS por telegrama, informando sobre o teor da Portaria nº 259, daquela data, que determinava a instauração de inquéritos nas universidades brasileiras. A comunicação foi reproduzida integralmente na ata da Reunião de Instalação da CEIS/UFRGS, nos seguintes termos:

EDREITOR PALEGRE RS. EXCELENTÍSSIMO SR MINISTRO VG POR PORTARIA 259 DE 20 CORRENTE VG DETERMINOU COMUNICAÇÃO URGENTE VG POR TELEGRAMA VG VOSSÊNCIA VG SEGUINTE TEOR REFERIDA PORTARIA O MINISTÉRIO EDUCAÇÃO ET CULTURA VG USANDO SUAS ATRIBUIÇÕES ET CONSIDERANDO TERMOS ATO INSTITUCIONAL VG RESOLVE PT PRIMEIRO PARA DAR CUMPRIMENTO ATO INSTITUCIONAL SERÃO OBSERVADAS SEGUINTES NORMAS GERAIS PT NAS UNIVERSIDADES INQUÉRITOS SERÃO MANDADOS INSTAURAR NAS INSTITUIÇÕES ENSINO ISOLADAS VG PELOS SEUS DIRETORES PT SEGUNDO RELATÓRIOS SERÃO REMETIDOS COM PARECERES CONCLUSIVOS AO MINISTRO ESTADO VG DENTRO PRAZO TRINTA DIAS A CONTAR VINTE ABRIL CORRENTE VG SEM PRORROGAÇÃO PT EDPESSOAL.212

Dessa correspondência é possível perceber no mínimo três aspectos importantes para a questão em exame. Primeiramente, explicita inequivocamente o embasamento legal no AI-1, sendo indicativa dos poderes extraordinários concedidos por tal recurso legislativo autoritário aos ministros, como, no caso, o de determinar a instauração de inquéritos nas instituições públicas de responsabilidade de cada ministério.

Outro aspecto é perceptível a partir do segundo item da portaria, que determinava que os relatórios deveriam ser remetidos ao Ministro. Constata-se aí – desde as primeiras semanas após o Golpe, portanto – a busca de centralização, em torno do general-presidente e de seus ministros civis e militares, na condução do processo de institucionalização do Estado de Segurança Nacional, o que provavelmente era reflexo de pretensão da coalizão civil-militar no poder no sentido de obter máxima eficácia na busca das metas apontadas pela DSND.213

O terceiro ponto observável a partir do telegrama citado trata da constituição da CEIS/UFRGS. O primeiro item da portaria, como observado, definia que os inquéritos deveriam ser instaurados nas “instituições de ensino isoladas” (entende-se que fosse referência às unidades de ensino, escolas e faculdades) por seus diretores. Porém, como

212 UFRGS. CEIS. Ata da Reunião de Instalação da Comissão Especial de Investigação Sumária, 18/05/1964, p. 2. UCS/CEDOC/LTM. Grifos ausentes do original.

213 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989. pp. 52-79.

mencionado, a CEIS só foi instalada na UFRGS em 18 de maio de 1964, no mesmo dia em que Fonseca Milano foi confirmado como Reitor da universidade pelo Ministro da Educação e Cultura. Bem antes da instalação da CEIS/UFRGS, outro telegrama do MEC foi recebido pela Reitoria da UFRGS, mudando em parte o rumo do processo. Integralmente transcrito na citada ata de reunião, apresentava as seguintes orientações:

MAGNÍFICO REITOR UNIVERSIDADE FEDERAL RIO GRANDE SUL PALEGRE RS

EM ADITAMENTO AVISO 705 DE 22 CORRENTE VG RECOMENDO VOSSA MAGNIFICÊNCIA ENTRE ENTENDIMENTO COMANDO III EXÉRCITO VG SOLICITANDO LHE INDICAÇÃO UM SERVIDOR MILITAR FIM

ACOMPANHAR PROCESSOS SUMÁRIOS ARTIGO 7º ATO