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Após o Golpe de 1964, uma ampla perseguição político-ideológica foi instaurada no Brasil, pelo grupo que então tomou para si o controle do aparelho de Estado. Como observou Maria Helena Moreira Alves, os militares chamaram tal processo de “Operação Limpeza”. Baseada nos princípios da DSND, “tinha em mira áreas específicas e estrategicamente sensíveis de possível oposição: política, econômica, psicossocial e militar”.161 Tratava-se de realizar uma verdadeira devassa na sociedade, buscando, de maneiras diversas, a eliminação, imobilização ou controle de toda e qualquer possibilidade do que chamavam de ação “contra- revolucionária”, ou seja, de oposição ao regime que se estruturava, nos quatro segmentos apontados pelo referido estudo. No plano econômico, tal operação repressiva guiava-se pela busca de destruição de quaisquer barreiras à implantação das medidas econômicas que visavam ao desenvolvimento conforme proposto pela DSND.

Com essas justificativas, foram perseguidos grupos e indivíduos vinculados às esquerdas comunista, trabalhista, socialista e católica, bem como indivíduos e grupos que, a despeito de possuírem outros perfis político-ideológicos, eram percebidos como vinculados, de algum modo, com o governo deposto autoritariamente e com o que ele representava. Dentre os mais visados pelos repressores, estavam sindicalistas e estudantes (especialmente os líderes), “intelectuais” (referidos pela autora em sentido lato: escritores, jornalistas, etc.), “organizadores leigos dos movimentos católicos nas universidades e no campo”, e também os professores.162 A rapidez e a intensidade das medidas repressivas aplicadas logo após o Golpe foram decisivas para uma relativa imobilização temporária da oposição, dando ao novo bloco no poder condições de promover ações voltadas para a institucionalização do regime.

Assinado na tarde de 9 de abril de 1964, o Ato Institucional [nº 1] (AI-1) foi a primeira iniciativa do “Comando Supremo da Revolução” no sentido da consolidação da Ditadura Civil-Militar e da aplicação da Doutrina de Segurança Nacional.163 Uma rápida observação de seu texto permite que se entenda o surgimento das “comissões especiais de investigação sumária”.

161 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989. p. 56.

162 Id. ibid. p. 59.

163 BRASIL. Ato Institucional (Nº 1), de 9 de abril de 1964. Outorgado à Nação pelos comandantes-em-chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, representando o Comando Supremo da Revolução, que modifica a Constituição de 1946, na parte relativa aos poderes do Presidente da República. Disponível em <http://www.senado.gov.br>. Acesso em 18/11/2007.

Logo no início, é possível perceber que o próprio movimento se reconhecia como “civil e militar”. A despeito de seu caráter conservador da estrutura de classes da sociedade brasileira, pretendiam constituir “uma autêntica revolução”. Também se observa, na abertura do ato, a vontade do grupo golpista de se fazer ver como imbuído de legitimidade ‘popular’: “A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação”. “Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular”. Com tal discurso, buscavam mascarar o caráter inconstitucional, arbitrário e burguês do regime ditatorial.

Os ideais da DSND aparecem claramente na afirmação de que o AI-1 se destinaria “a assegurar, ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil”, a fim de que fossem enfrentados, “de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa Pátria”. Nessas duas últimas menções percebe-se também duas metas centrais do movimento golpista: “a restauração da ordem interna”, que deve ser entendida como garantias à classe dominante de que alterações significativas na estrutura social e econômica não seriam efetivadas, bem como a recuperação do “prestígio internacional” do Brasil, que pode ser identificado com a busca de maior abertura do país aos capitais estrangeiros, o que vinha sendo dificultado durante o governo Goulart, dentre outras questões, em função da Lei de Remessa de Lucros. O principal alvo da coalizão civil-militar que assumia o poder também transparece no texto que abre o ato, no trecho em que afirmava que o governo Jango “deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País”, bem como ao observar que a Constituição Federal de 1946 seria modificada ‘apenas’ para que o “Presidente da República” pudesse “cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira” e “tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas”. Aí estavam definidas as duas grandes diretrizes da “Operação Limpeza”: respectivamente, “desenvolvimento” e “segurança”.164

164 BRASIL. Ato Institucional (Nº 1), de 9 de abril de 1964. Outorgado à Nação pelos comandantes-em-chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, representando o Comando Supremo da Revolução, que modifica a Constituição de 1946, na parte relativa aos poderes do Presidente da República. Disponível em <http://www.senado.gov.br>. Acesso em 18/11/2007. Grifos ausentes do original.

O conteúdo do AI-1, além de ser de notório conhecimento, já foi amplamente analisado na bibliografia específica, pelo que se entende não haver necessidade de aqui discuti-lo.165 Por outro lado, supõe-se relevante retomar seus artigos 7º e 10º, já que foi essa a base legal da “Operação Limpeza”, posteriormente complementada pelo Decreto nº 53.897, de 27 de abril de 1964.166

O art. 10º determinava: “os Comandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de dez (10) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos”. Estendia tal poder ao “Presidente da República”, que, no entanto, necessitava de indicação do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e teria um prazo máximo de sessenta dias.167

O art. 7º ficou assim definido:

Art. 7º - Ficam suspensas, por seis (6) meses, as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade e estabilidade.

§ 1º - Mediante investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas garantias poderão ser demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, mediante atos do Comando Supremo da Revolução até a posse do Presidente da República e, depois da sua posse, por decreto presidencial ou, em se tratando de servidores estaduais, por decreto do governo do Estado, desde que tenham tentado contra a segurança do País, o regime democrático e a probidade da administração pública, sem prejuízo das sanções penais a que estejam sujeitos.

§ 2º - Ficam sujeitos às mesmas sanções os servidores municipais. Neste caso, a sanção prevista no § 1º lhes será aplicada por decreto do Governador do Estado, mediante proposta do Prefeito municipal.

§ 3º - Do ato que atingir servidor estadual ou municipal vitalício, caberá recurso para o Presidente da República.

§ 4º - O controle jurisdicional desses atos limitar-se-á ao exame de formalidades extrínsecas, vedada a apreciação dos fatos que o motivaram, bem como da sua conveniência ou oportunidade.168

Estavam assim lançadas as fundações do processo repressivo no país. Suspendidas por seis meses as garantias de vitaliciedade e estabilidade, todos tornavam-se alvos potenciais para a perseguição. No 1º parágrafo eram definidas as diferentes formas jurídicas do expurgo.

165 Cf., a título de exemplo: ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989. p. 53-56; ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. p. 61; FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 36.

166 BRASIL. Decreto nº 53.897, de 27 de abril de 1964. Regulamenta os artigos sétimo e décimo do Ato Institucional de 9 de abril de 1964. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em 14/10/2007. Seu caráter de base legal deve ser compreendido como recurso inconstitucional e arbitrário utilizado pelo bloco dominante para, através de certas formalidades apenas aparentemente “democráticas” (no sentido de democracia burguesa), buscar legitimidade para o regime ditatorial.

167 Id. Ato Institucional (Nº 1), de 9 de abril de 1964. Outorgado à Nação pelos comandantes-em-chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, representando o Comando Supremo da Revolução, que modifica a Constituição de 1946, na parte relativa aos poderes do Presidente da República. Disponível em <http://www. senado.gov.br>. Acesso em 18/11/2007.

No 2º e no 3º parágrafos, era caracterizada a atuação da investigação sumária nos âmbitos federal, estadual e municipal. Por fim, no 4º parágrafo, reafirmava-se o caráter sumário da perseguição.

No dia seguinte à promulgação do AI-1, foram cassados por dez anos os direitos políticos de cem civis e militares brasileiros, através do “Ato nº 1”, que baseava-se no AI-1.169 A medida autoritária atingiu alguns dos principais nomes das esquerdas comunista e trabalhista no país. Iniciada por Luís Carlos Prestes, o principal nome do PCB, seguia com João Goulart, que, além de presidente deposto, era uma das referências do trabalhismo brasileiro. A lista continha ainda os nomes de outros grandes militantes das esquerdas da época, como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Francisco Julião, bem como alguns de matizes políticos diversos, como Jânio Quadros.

Conjuntamente, o “Comando Supremo da Revolução” impôs o “Ato nº 2”, cassando mandatos legislativos de quarenta membros do Congresso Nacional.170 Como era de se esperar, o PTB foi o partido mais atingido, com dezenove membros cassados na ocasião. Também tiveram baixas: PSP (Partido Social Progressista), PSB (Partido Socialista Brasileiro), PSD, PST (Partido Social Trabalhista), PDC (Partido Democrata Cristão) e UDN, todos sofrendo entre duas e quatro cassações. Sem exceção, os políticos afetados pelo Ato nº 2 também foram atingidos pelo Ato nº 1. O prof. Armando Temperani Pereira, que, além de deputado federal pelo PTB, era catedrático da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS desde 1946, estava entre os atingidos pelos dois atos mencionados. Com a cassação de seus direitos políticos, foi proibido de atuar em qualquer instituição pública, o que, portanto, incluía a UFRGS.

Em 27 de abril de 1964, foi imposto por Castello Branco o Decreto nº 53.897 que, como mencionado, regulamentava os artigos 7º e 10º do AI-1. Criava a Comissão Geral de Investigações (CGI), “com a incumbência de promover a investigação sumária a que se refere o artigo sétimo, parágrafo primeiro, do Ato Institucional de 9 de abril de 1964”.171 O Art. 2º determinava a composição da CGI: três membros nomeados pelo “Presidente da República”, “entre servidores civis e militares ou profissionais liberais de reconhecida idoneidade”. O Art. 3º definia a responsabilidade pela abertura das investigações, que caberia à CGI, ao “Presidente da República”, a seus Ministros de Estado, aos chefes dos Gabinetes Civil e

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BRASIL. Ato Nº 1, de 10 de abril de 1964. Suspende direitos políticos. Disponível em <http://www.senado. gov.br>. Acesso em 14/10/2007.

170 Id. Ato Nº 2, de 10 de abril de 1964. Cassa mandatos legislativos. Disponível em <http://www. senado.gov.br>. Acesso em 14/10/2007.

171 Id. Decreto nº 53.897, de 27 de abril de 1964. Regulamenta os artigos sétimo e décimo do Ato Institucional de 9 de abril de 1964. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em 14/10/2007.

Militar da “Presidência da República”, “ou ainda em virtude de representação dos dirigentes de autarquias, sociedades de economia mista, fundações e empresas públicas”, dando assim incrível amplitude à ação repressiva. O 1º parágrafo desse artigo determinava que, “em cada Ministério, o respectivo Ministro poderá promover as investigações que julgar convenientes e encaminhá-las diretamente ao Presidente da República”. Efetivamente, as investigações promovidas no âmbito da “Operação Limpeza” nas universidades públicas brasileiras foram determinadas por ordem do então Ministro da Educação e Cultura, Flávio Suplicy de Lacerda.

Os parágrafos 2º e 3º do mesmo artigo definiam ampla margem de ação para a CGI, inclusive em âmbito estadual e municipal. O Art. 4º abria a possibilidade de que a CGI delegasse certas atribuições. Já o Art. 5º determinava que deveria ser dada “oportunidade de defesa, oral ou escrita, ao indiciado, que para isso será ouvido em prazo razoável, não excedente de oito dias, se não tiver antes apresentado seus motivos em depoimentos ou por outra forma”. Entretanto, a julgar pelo caso da UFRGS e presumivelmente em função do caráter político-ideológico da “Operação Limpeza”, tais defesas eram meras formalidades, utilizadas no sentido de mascarar a arbitrariedade do regime, tendo em vista a busca de legitimidade para o mesmo.

O Art. 6º centralizava o processo repressivo na pessoa do general-presidente, a quem a decisão final sobre a aplicação das sanções deveria ser submetida, valendo o mesmo para os governadores no caso de servidores estaduais ou municipais. Já o Art. 7º abria a possibilidade de interação com outros setores, quando o processo analisado fosse considerado “crime”. O Art. 8º vinculava a CGI à “Presidência da República”, através do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. O Art. 9º definia que as propostas de sanções deveriam ser feitas ao “Presidente da República” pelo CSN, pelos Chefes dos Poderes dos Estados ou pelo secretário do CSN. Por fim, o Art. 10º estabelecia sua validade de acordo com o que já havia sido determinado pelo AI-1 (seis meses em relação ao Art. 7º do AI-1 e 60 dias após a posse do general-presidente para o que dizia respeito ao Art. 10º do mesmo ato institucional).172

Como apontou Alves:

o Ato [nº 1] continha uma primeira tentativa de institucionalizar o mecanismo de transferência do Poder Executivo. O primeiro Colégio Eleitoral encarregado de escolher indiretamente o Presidente do Brasil era composto dos 326 deputados e 62 senadores de um Congresso cuidadosamente depurado. O General Humberto de Alencar Castelo Branco recebeu um total de 361 votos e foi empossado como presidente no dia 15 de abril de 1964, substituindo a Junta Militar que governara na

172 BRASIL. Decreto nº 53.897, de 27 de abril de 1964. Regulamenta os artigos sétimo e décimo do Ato Institucional de 9 de abril de 1964. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em 14/10/2007.

condição de Alto Comando Revolucionário durante o primeiro mês do Estado de Segurança Nacional. 173

A “Operação Limpeza” não se restringiu a expurgos e cassações de representantes políticos e funcionários do aparelho de Estado. Imediatamente após o Golpe, foi crescendo a pressão no meio militar, promovida por setores alinhados ideologicamente com a “linha dura”, por uma repressão intensa e direta sobre a sociedade civil, visando especialmente os líderes (efetivos ou assim percebidos pelos agentes repressivos). Dessa maneira, nos primeiros meses posteriores ao Golpe de 1964, cerca de cinqüenta mil pessoas teriam sido presas.174

[...] uma vasta campanha de busca e detenção foi desencadeada em todo o país. O Exército, a Marinha e a Aeronáutica foram mobilizados, segundo técnicas predeterminadas de contra-ofensiva, para levar a efeito operações em larga escala de ‘varredura com pente-fino’. Ruas inteiras eram bloqueadas e cada casa era submetida a busca para detenção de pessoas cujos nomes constavam de listas previamente preparadas.175

Em 21 de junho de 1964, no Caderno Especial do Jornal do Brasil, foram publicadas as seguintes afirmações do cel. Ferdinando de Carvalho, dentre várias outras de teor semelhante:

A escassez de autoridade e a instabilidade do governo Goulart proporcionaram ao processo da Guerra Revolucionária brasileira características originais e desconcertantes.

Em primeiro plano observamos sua forma altamente ostensiva. A ação aliciadora e infiltrante que sempre se revestiu, em todos os países, de uma severa clandestinidade, passou a ser executada abertamente, à luz do sol, sob as vistas das autoridades displicentes ou acanhadas, utilizando recursos públicos e oficiais, com a desenvoltura e o destemor das práticas legítimas. [...]

A ausência de clandestinidade do processo comunizante proporcionou-lhe extraordinária eficiência. Dentro de pouco tempo, além dos órgãos tradicionalmente vinculados à linha vermelha, com[o] a maioria dos sindicatos de classe, passaram os comunistas a exercer o controle de todos os setores fundamentais da vida nacional, onde elementos ativistas ou simpatizantes exerciam os postos principais. [...] Através das organizações estudantis e de elementos influentes no Ministério da Educação e nas universidades controlavam todo o ensino no País.176

A “Guerra Revolucionária”, a que o militar se referia, era, em suas próprias palavras, a “Guerra Revolucionária comunista”, “preparação subversiva que os comunistas montavam em nossa pátria, protegidos e amparados pela ambição de maus brasileiros”. Como é possível observar no trecho acima citado, a Universidade brasileira seria um dos espaços ocupados pelos “elementos ativistas ou simpatizantes” da “Guerra Revolucionária comunista” no Brasil. Afirmações como estas, amplamente divulgadas em órgãos da grande imprensa, como o

173 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 5. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989. p. 55.

174 Id. ibid. pp. 58-59. 175 Id. ibid. p. 59. 176

CARVALHO, Ferdinando de. A Guerra Revolucionária Comunista no Brasil apud CASTELLO BRANCO, Humberto de Alencar et al. A Revolução de 31 de março – 2.º aniversário: colaboração do Exército. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1966. pp. 91-92. Grifos ausentes do original.

Jornal do Brasil, contribuíram significativamente para a justificação da “Operação Limpeza” e, inclusive, dos expurgos de professores universitários.177

A “Operação Limpeza” também não se limitou ao meio urbano. Como é possível observar na paradigmática publicação Brasil: Nunca Mais, as Ligas Camponesas atingiam em 1964 um total de 2181 grupos em vinte estados do país, aumentando significativamente a mobilização dos trabalhadores do campo.178 Em face disso, no Rio Grande do Sul, inúmeros trabalhadores rurais foram presos e interrogados por agentes repressivos de diversas instituições da estrutura policial-militar então vigente. Como exemplo, vale observar que, somente entre 3 de abril e 31 de maio de 1964, pelo menos 156 pessoas, em sua grande maioria camponeses da região da serra gaúcha, foram presos e interrogados na Delegacia Regional de Polícia [Civil] de Erechim. A maioria dessas prisões durou poucos dias, mas alguns permaneceram detidos por mais de um mês, e a mais longa foi de 47 dias.179

No sul do estado não foi diferente. O Diário Popular, principal periódico da cidade de Pelotas e localidades lindeiras, noticiou, em 1º de maio de 1964, que, até às 22 horas do dia anterior, “19 elementos encontravam-se detidos, sendo 14 no 9º RI e 5 na Delegacia de Polícia”. Três outros teriam sido “detidos, ouvidos e liberados”.180 Dentre os presos, constavam funcionários da administração pública, bem como políticos do PTB e do PR (Partido Republicano).181 Também constavam médicos, militares, sindicalistas, estudantes universitários de Direito e Odontologia, além de professores. Dentre eles, estava Manoel Alves de Oliveira, que lecionava na Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, de onde seria expurgado em 1969. A referida reportagem noticiava ainda uma prática repressiva comum a outras regiões do país – o uso de navios como prisão política:

Convém ressaltar que o ex-vereador Edgar José Curvello inicialmente esteve no 9º Regimento de Infantaria. Depois foi transladado para o navio ‘Canopus’, que se acha fundeado na entrada da barra de Rio Grande. Há alguns dias, voltou para nossa cidade, continuando entregue às autoridades militares, detido no regimento local.182

177 O cel. Ferdinando se tornaria bastante conhecido dois anos depois, por coordenar o famoso Inquérito Policial-Militar 709 (IPM 709), sobre o PCB. Cf.: INQUÉRITO POLICIAL MILITAR 709. O comunismo no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Ed., 1966-1967. 4 v. APJVM.

178 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985. p. 58.

179 “Rol de elementos que responderam inqueritos, foram alvos de sindicancias, componentes de grupos dos ‘onze’ e, estiveram detidos no periodo da revolução iniciada em 31 de março de 1964”. MRS/ALCD/ADOPSRS.

180

ATIVIDADE subversiva: Relação oficial dos presos em Pelotas. Diário Popular, Pelotas, 01/05/1964. Contracapa, p. 14. BPP.

181 Um fato curioso, já que o diminuto PR fazia parte da direita gaúcha. Cf.: CAON ALVES, Daniel. O golpe de 1964 no Rio Grande do Sul. In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos; WASSERMAN, Claudia (Org.). Ditaduras militares na América Latina. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2004. p. 144.

Ainda na contracapa, ao lado da referida matéria, observava-se uma foto de papéis espalhados pelo chão ao lado de uma cadeira. O título da imagem era emblemático do