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A organização e ação da burguesia no período de 1964 a

No documento monicadiasmedeirospires (páginas 54-61)

2 A FORMAÇÃO SOCIAL E A NATUREZA DO CAPITALISMO NO BRASIL

2.2 A FORMAÇÃO DA CLASSE EMPRESARIAL BRASILEIRA E SEU O PROJETO DE EDUCAÇÃO

2.2.2 A organização e ação da burguesia no período de 1964 a

O Golpe de 1964 foi a medida encontrada pela burguesia brasileira e seus aliados locais para conter as manifestações populares que vinham crescendo no país, pressionando o governo João Goulart para que adotasse políticas consideradas inadequadas aos interesses hegemônicos. Com o apoio dos Estados Unidos, e formando uma aliança com a burguesia local e setores conservadores da sociedade, os militares de alta patente assumiram a ponta do processo golpista, assegurando as condições políticas e econômicas para a realização dos interesses capitalistas e as bases para a associação entre burguesia brasileira com frações da burguesia monopolista internacional.

Segundo Oliveira (2011), o empenho para desenvolver a rápida acumulação foi decisivo para ordenar as políticas econômicas estabelecendo vantagens e investimentos ao setor de bens de consumo duráveis, bem como a contenção do crescimento dos salários e no

inchaço do sistema financeiro, beneficiando setores da burguesia internacional e da burguesia brasileira associada.

O período ditatorial foi marcado por intensas medidas repressivas que buscaram eliminar qualquer crítica ao capitalismo e ao regime golpista. A criminalização da resistência à nova ordem e as medidas de silenciamento pela tortura e pelo exílio a partir do Ato Institucional nº 5 de 1968 foram importantes mecanismos para desarticular a oposição. Além das ações de força, o bloco no poder atuou também na legitimação da nova ordem por meio da afirmação do civismo como base da educação política e da ideologia do desenvolvimento como referência para os temas econômicos, expressos, respectivamente pelos slogans “Brasil, ame-o ou deixe-o” e “Brasil grande”. É possível afirmar que essas formulações traduziram em certa medida o entendimento de “ordem e progresso”.

A adesão do sentimento de amor à pátria ao lado das taxas de crescimento que marcaram o período denominado de “milagre econômico”12, puxado pelo desenvolvimento

industrial e grandes obras públicas, foram extremante funcionais para que parcela significativa da sociedade não conseguisse identificar a contradição entre a alta concentração da riqueza e aumento significativo da desigualdade. A percepção de que o País estava livre da chamada “ameaça comunista”, a afirmação do modo de vida estadunidense como referência da sociabilidade e a promessa de que um dia o Brasil deixaria de ser um país de “terceiro mundo” para se integrar ao bloco de nações ricas criaram um clima favorável aos projetos do bloco no poder.

No campo educacional, a ditadura foi importante para o estabelecimento de termos de cooperação técnica que possibilitaram a influência sistemática dos Estados Unidos sobre a educação brasileira na linha de afirmação da posição subordinada do país na divisão internacional do trabalho do bloco capitalista. Essa articulação foi consolidada por meio de diversos acordos entre o MEC e Agency for International Development (AID), conhecidos

12 O período de 1967 a 1973 foi marcado por um rápido e expansivo crescimento econômico no país

com elevação média do PIB nacional de 10% ao ano em virtude das reformas econômicas empreendidas no período. Segundo Hammoud (2008, p. 7) as estratégias para este crescimento seguiam três linhas de ação: “(i) concentrar riqueza a fim de favorecer a formação de capital fixo e de promover a ampliação do mercado de bens duráveis, (ii) reduzir o salário real básico (que foi reduzido durante toda a década de 1960) e (iii) fomento, mediante subsídios, à exportação de alguns produto de indústrias, além da diminuição de tarifa em 1967.” Para manter essa orientação a dívida externa aumentou vigorosamente e quando a conjuntura interna e externa se modificou a crise atingiu o País desvelando as consequências nefastas dessa orientação econômica: maior concentração da riqueza, aumento das desigualdades sociais, redução dos salários mínimos, aumento da dívida externa e disparada da inflação econômica.

como “Acordos MEC USAID”, com o objetivo de promover assistência técnica para a reformulação do nosso sistema de ensino.

Sob a influência dos Estados Unidos, o bloco no poder promoveu mudanças conservadoras na educação para subordinar a formação humana ao projeto de desenvolvimento capitalista, atendendo, consequentemente, às necessidades da classe empresarial relativa à composição da força de trabalho. As ações na educação superior e na educação básica foram, respectivamente, reguladas pelas leis nº 5.540, de 1968, e nº 5.692, de 1971, oferecendo bases para subordinar a educação brasileira aos interesses da classe empresarial. Sobre esse problema, Neves (1994, p. 75, acréscimo nosso) aponta que:

[A] concepção de mundo e formação técnica, antes aparentemente dissociadas, integram-se de fato em um projeto único de Estado militar- tecnocrático para fazer do sistema educacional instrumento de desenvolvimento econômico do capitalismo monopolista associado e dependente.

Em relação à educação básica, o bloco no poder reorganizou a estrutura e o funcionamento da escola pública na medida em que estabeleceu que o ensino fundamental, denominado de 1º grau, deveria despertar as aptidões profissionais, enquanto o ensino médio, denominado de 2º grau, asseguraria a formação profissionalizante. Considerando que o SENAI já realizava a formação profissional prevista na lei nº 5.692/71, é possível afirmar que o bloco no poder pretendeu disciplinar os estudantes brasileiros para ampliar a composição da força de trabalho na condição de exército de reserva. É importante destacar que, além dos estímulos para a privatização da educação, as escolas privadas foram isentas da implementação da profissionalização compulsória em decorrência da atuação política de seus representantes no bloco no poder. Tal iniciativa teve como objetivo, viabilizar a dualidade escolar nos seguintes termos: para os filhos da burguesia e dos estratos médios da sociedade (renda elevada), uma educação diferenciada em escolas privadas com a função de promover a formação de cultura geral para formar a elite dirigente do país; para os filhos da classe trabalhadora, uma educação em escolas públicas com a função de restringir o desenvolvimento intelectual e moral dos estudantes para transformá-los em força de trabalho produtiva e passiva.

Rodrigues (1998) indica que, além de assegurar a subordinação do ensino fundamental e médio (antigos 1º e 2º graus) aos seus interesses, em 1969, a fração industrial

da classe burguesa criou o Instituto Evaldo Lodi (IEL), no âmbito da CNI, para influenciar a formação de pessoal de nível superior em áreas de interesse da indústria.

Intelectuais orgânicos da classe empresarial, reafirmando as noções de esforço próprio e de mérito, passaram a divulgar que a riqueza ou pobreza das nações e dos indivíduos poderia ser explicada pelo fator educacional. Segundo Frigotto (2003), tais intelectuais identificaram que haveria, no plano macroeconômico, uma relação direta entre desenvolvimento/subdesenvolvimento com os índices de escolarização da população e, no plano microeconômico, também haveria uma relação direta entre riqueza/pobreza dos indivíduos com os anos de estudo. Com efeito, a elevação dos níveis de escolarização dos integrantes de uma sociedade passou a ser apontada como o fator determinante para o desenvolvimento econômico das nações e das pessoas. Essa interpretação, denominada de teoria do capital humano, foi formulada na Universidade de Chicago – um dos mais proeminentes centros de formulação econômica neoliberal − pelo economista Theodore Schultz e sua equipe.

A particularidade do desenvolvimento capitalista brasileiro de raízes conservadoras e autocráticas, de neutralização das forças sociais e significativo controle das instâncias do aparelho de Estado pelas forças políticas capitalistas, “acabou por jogar o país, após um curto ciclo expansivo (1967- 1973), em uma grave crise inflacionária e recessiva que se arrastou por toda a década de 1980” (NOGUEIRA, 1998 apud OLIVEIRA, 2011, p. 137).

A partir da década de 1980, intensificou-se a compreensão de que a educação seria a solução para o desenvolvimento econômico e para resolver os problemas sociais vinculados à violência, ao subemprego, à pobreza. Assim, uma nova concepção de “qualidade” da educação escolar, subordinada ao pensamento econômico capitalista, foi desenvolvida em meio às medidas para a elevação dos níveis de escolarização das massas na perspectiva da teoria do capital humano, fato que resultou no Brasil na afirmação da pedagogia tecnicista (FRIGOTTO, 2003).

A crise demarcada pelo esgotamento do “milagre econômico” desencadeou uma crise política e de legitimidade do regime ditatorial nos anos de 1980, dentro e fora do bloco no poder. Por um lado, algumas forças políticas da classe empresarial assumiram uma posição crítica à política econômica da ditadura (MARTINS, 2009a); por outro, a insatisfação popular cresceu frente à degradação das condições de vida e houve um avanço das forças democráticas que passaram a se reconectar com setores populares, possibilitando a elevação da consciência política das massas trabalhadoras do campo e da cidade.

Imersos na crise orgânica, os governos ditatoriais dirigiram a transição para a reabertura democrática de forma lenta e com aberturas graduais para manter o firme controle governamental sobre esse processo (MATHIAS, 1995). Impedir a eleição direta para marcar o processo de redemocratização foi uma das estratégias utilizadas pelo bloco no poder. Isso significa que as forças sociais comprometidas com a dominação não admitiram a experimentação da democracia liberal no país, reafirmando a autocracia como modo de fazer política.

Em que pese o controle da transição realizado pelo bloco no poder, as forças do campo progressista13 tiveram um papel importante para reinstalar o dinamismo da sociedade civil brasileira, disputando posições com setores do campo conservador, especialmente os vinculados aos grupos empresariais. O movimento “Diretas Já”, a criação de novas organizações da classe trabalhadora, a organização política dos trabalhadores do campo, a atuação de setores progressistas da Igreja católica na defesa dos interesses dos explorados foram expressões importantes da transição.

No governo José Sarney (1985-1989), apesar da força política dos grupos dominantes na Assembleia Nacional Constituinte, as forças do campo progressista e seus parlamentares foram decisivos para que a Constituição de 1988 expressasse avanços importantes para a classe trabalhadora.

De acordo com Rodrigues (1998), foi neste cenário de disputa política que a CNI sofreu sua maior mutação estrutural. O autor revela que após um longo período de controle sobre a formação profissional industrial por meio do SENAI, “a CNI precisou lutar para manter-se enquanto único órgão dirigente desse megasistema de formação profissional” (RODRIGUES, 1998, p. 33). Assim, como expressão desta luta, a materialização de sua força política se deu com a criação do Sistema CNI, formado pela tríade pedagógica – SENAI, SESI e IEL – considerado por seus formuladores um organismo preparado para responder as novas demandas do País e dirigir a classe empresarial para a promessa de criação de um novo ciclo de crescimento econômico com estabilidade política.

Neves (1994) afirma que a CNI, atenta às mudanças sociais marcadas pelo avanço das forças democráticas e a necessidade de uma nova fase do industrialismo brasileiro, já se preparava para intervir no direcionamento político-econômico dos anos de 1990, bem como para aprimorar suas metas referentes à formação profissional. A autora destaca que neste momento a CNI desenvolvia amplas estratégias com o objetivo de “tornar hegemônica tanto

13 Referimo-nos aos diferentes grupos políticos, entre elas: os comunistas, os socialistas, os

no aparato estatal quanto na sociedade civil a sua concepção de mundo na definição das políticas públicas” (NEVES, 1994, p. 83).

Tomando como base o documento Competitividade industrial: uma visão estratégica para o Brasil da CNI, formulado em 1988, Rodrigues (1998) comprovou o caráter pragmático das estratégias defendidas pela entidade. Além de propor o atrelamento da transferência de recursos à comprovação de eficiência, seguindo a lógica privatista, a CNI propôs a inserção de uma ‘atitude empresarial’ nos espaços científicos, cujo um dos objetivos é a ‘absorção’ de tecnologias. Segundo o autor:

[...] o documento da CNI não propõe uma política de desenvolvimento cientifico voltado para a ‘geração’ de conhecimento, mas, sim, para a mera aquisição no mercado internacional do direito de utilização dos conhecimentos privadamente condensados na forma de patente.

Em síntese, a CNI propõe a valorização da educação, mas uma valorização interessada, como diria Gramsci. Isto é, a Confederação pretende valorizar a educação e a ciência que atendam aos interesses do parque industrial, em particular, e aos interesses do capital, em geral; enfim, a educação que lhe convém (RODRIGUES, 1998, p. 105).

Até os anos finais da década de1980, o projeto pedagógico da CNI abarcou dois níveis de escolarização, segundo Neves (1994). Em relação a formação técnica de nível médio a organização defendeu níveis superiores de escolarização, pois compreendiam que o sistema educacional deveria garantir a formação de técnicos-especialistas que fossem capazes de oferecer respostas mais eficientes aos requisitos científico-tecnológicos estabelecidos pelas mudanças baseadas na informatização e na microeletrônica. No que se refere à educação básica, a principal preocupação foi com a elevação do patamar mínimo de racionalidade dos trabalhadores para aumento da produtividade frente às novas determinações tecnológicas e gerencias. É possível identificar, portanto, que mais uma vez a educação foi chamada a responder às necessidades para o desenvolvimento do capitalismo.

A [...] política econômica competitiva, traduzindo o aprofundamento de um capitalismo monopolista dependente e associado, impunha à produção do conhecimento, bem como à sua sistematização por intermédio da escola, o papel de instrumento auxiliar da modernização conservadora, de linha complementar de sustentação do seu modelo de crescimento industrial (NEVES, 1994, p. 85).

Em que pese a importância da CNI no processo de organização da classe burguesa na sociedade civil, a entidade não foi a única a representar os interesses da referida classe.

Apesar de possuir menor peso nas relações de poder entre as frações da classe empresarial, o Instituto Liberal (IL), criado em 1982, ainda no período da ditadura, em associação com a burguesia internacional, cumpriu a função de articular integrantes de frações da classe empresarial em torno do projeto neoliberal com o objetivo de sintonizar a burguesia local com a burguesia internacional para o avanço de tal projeto no mundo.

De acordo com Martins (2009a), essa entidade foi fundamental na organização e difusão dos fundamentos ideológicos da nova sociabilidade, desempenhando um papel educativo que influenciou as propostas políticas da classe empresarial e do bloco no poder.

A classe empresarial compreendeu que para consolidar o seu projeto de sociedade era fundamental estabelecer a sua visão sobre as desigualdades sociais como referência para o conjunto da sociedade, o que significava tratar esse fenômeno social inerente à vida humana, destacando ainda que o sucesso de cada pessoa decorreria do próprio esforço, independentemente das condições objetivas. Com essa formulação, frações da classe burguesa buscavam tornar a degradação da vida dos explorados como algo naturalmente constituído para frear as reivindicações dos trabalhadores por direitos sociais e mesmo para desqualificar as ideias de emancipação humana referenciadas no socialismo.

No plano geral, a classe burguesa se organizou em torno de naturalização das desigualdades para preservar seus interesses, enquanto no plano da vida cotidiana, isoladamente, empresários praticavam ações de caridade por meio de doações a pessoas pobres e/ou entidades privadas de assistência social, conseguindo manter certo prestígio social junto aos subalternos com essa prática e manter sua hegemonia. O número de ações filantrópicas individuais dos empresários produziu um fenômeno qualificado como “filantropia empresarial”.

As ações filantrópicas da classe empresarial podem ser observadas ao longo de décadas. Nem mesmo as ações orgânicas do SESI e do SESC destinadas à promover à sociabilidade burguesa cessaram a ação voluntarista de cunho filantrópico dos empresários. Individualmente, os empresários seguiram atuando de forma isolada e contribuindo, desse modo, para naturalizar as desigualdades e impedir que a classe trabalhadora urbana desenvolvesse uma compreensão crítica sobre a “questão social” e, consequentemente, sobre os direitos sociais.

Assim, ao designarem a pobreza como algo naturalmente constituído e passível de ser tratado com ações tópicas, os empresários deslocaram o verdadeiro debate sobre a

exploração, ocultando a extração da mais-valia como determinante das precárias condições de vida dos trabalhadores.

É importante reafirmar que Marx (2008), ainda no século XIX, identificou que a exploração capitalista do homem sobre outro homem, tendo como base a propriedade privada, é o que efetivamente caracteriza a degradação da vida humana. Ao analisar a relação entre proprietários e trabalhadores mediada pelo salário, o autor conclui que, independente da condição econômica em que se encontra uma determinada formação social no capitalismo a riqueza socialmente produzida sempre será acumulada de forma privada.

Isso não significa que a classe trabalhadora tenha ficado resignada, sem oferecer nenhuma resistência ao projeto burguês. Em que pese a presença do velho sindicalismo, os setores politicamente mais engajados construíram um sindicalismo autônomo14 e um importante partido de massas – o Partido dos Trabalhadores. Apesar de significativa capacidade organizativa, as frações da classe trabalhadora comprometidas com o novo sindicalismo e com a organização partidária de base não conseguiram construir uma proposta unitária em relação às políticas sociais e especificamente às educacionais, como revela Neves (1994). A autora afirma ainda que, apesar de existir a compreensão sobre as necessidades do conjunto da população (educação, saúde, moradia, lazer etc.) as entidades dos trabalhadores não foram capazes de ultrapassar a luta econômico-cooperativa. Com efeito, mesmo tendo construído uma candidatura do campo democrático-popular15 essa classe rompeu a década de

1980 sem um projeto de sociedade para disputar a hegemonia no Brasil (NEVES, 1994). O resultado da eleição presidencial de 1989, além de marcar o fim da transição lenta, gradual e segura projetada pelas forças políticas comprometidas com a ditadura, significou o fechamento de um ciclo de ações políticas conduzidos pela burguesia e aliados na educação da classe trabalhadora.

No documento monicadiasmedeirospires (páginas 54-61)