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A reorganização burguesa e o fim dos governos petistas

No documento monicadiasmedeirospires (páginas 76-82)

2 A FORMAÇÃO SOCIAL E A NATUREZA DO CAPITALISMO NO BRASIL

2.2 A FORMAÇÃO DA CLASSE EMPRESARIAL BRASILEIRA E SEU O PROJETO DE EDUCAÇÃO

2.2.5 A reorganização burguesa e o fim dos governos petistas

Em que pese, vigorar no país a política neodesenvolvimentista por mais de uma década (2003-2006; 2007-2010; 2011-2014;2014-2016), a crise mundial deflagrada em 2008

24 Abordaremos as políticas curriculares no capítulo 4.

25 Países como Estados Unidos, Chile, Austrália, Colômbia, África do Sul e Coreia do Sul, apesar de

suas especificidades de formação social, possuem “bases nacionais” e suas experiências foram utilizadas como exemplo e inspiração para a construção da política curricular brasileira.

atingiu a nação brasileira em 2013 e impactou as políticas anticíclicas do governo Dilma Rousseff, fazendo ressurgir a essência que sedimentou a história da formação social brasileira, criando as bases para mais uma atuação autocrática da burguesia, via o golpe institucional materializado em 2016.

Segundo Alves (2017) a ruptura da institucionalidade democrática foi o resultado de um movimento reativo às políticas neodesenvolvimentistas da era petista. Tal movimento, iniciado nas denúncias do Mensalão, deflagrou na Operação Lava Jato e se configurou em uma performance de articulação entre o Poder Judiciário, a Grande mídia hegemônica e as forças neoliberais ortodoxa.

No plano econômico, a insatisfação com as medidas para conter a crise aglutinou os diversos setores da burguesia brasileira que exigiram do bloco no poder mudanças drásticas na política econômica.

No campo político partidário, o governo começou a ruir a partir de fragmentações na sua base de sustentação política, com o rompimento do PSB e o progressivo afastamento do MDB. Com efeito, houve uma recomposição do lugar ocupado pelas forças políticas envolvidas no bloco no poder para a construção da hegemonia dos grupos ligados ao espectro ultraliberal e ultraconservador.

No campo político mais amplo, a relação do governo com setores da classe média do país também não era favorável, além disso, o aumento de preços provocou tensões também nos setores mais populares das grandes cidades. Anderson (2019) analisa que durante o governo Lula a política de aumento salarial, barateamento de crédito e transferência de renda privilegiou o consumo em detrimento de investimentos reais nos serviços públicos, “que de modo geral continuaram péssimos” (ANDERSON, 2019, p. 217). Além disso, o autor destaca que neste período o governo ocupou-se em ampliar a capacidade de consumo da classe trabalhadora sem preocupar-se, efetivamente, em desenvolver a consciência de classe necessária à verdadeira transformação social.

Como expressão dos resultados dessa política, o aumento nas tarifas de transporte público deflagrou, em meados de 2013, protestos liderados por jovens ativistas da esquerda na cidade de São Paulo. Entretanto, as forças de esquerda não conseguiram assumir a liderança do movimento de modo que, sem uma direção clara, as massas ficaram suscetíveis a diferentes referências. Neste processo, o que se verificou foi uma crescente participação das forças da direita, que organizadas, iniciaram um processo de liderança do movimento, com apoio dos meios de comunicação mais poderosos do país, transformando uma reivindicação

legítima da classe trabalhadora (a melhoria da qualidade dos serviços públicos, especificamente o de transporte) em um discurso genérico contra a corrupção e, sobretudo, contra o PT.

A vitória de Dilma Rousseff na eleição de 2014 foi muita mais acirrada que na eleição anterior e, segundo Alves (2019, p. 133) “ocorreu sob a crise profunda de institucionalidade política e imensas dificuldades na economia brasileira, provocada pelo boicote de investidores e pela ofensiva midiática disseminando caos”. Para o autor “Havia uma perfeita orquestração do golpismo”.

Por meio de estratégias bem definidas por membros dos partidos do PSDB e MDB foram articuladas formas de lançar um processo de impeachment contra Dilma Rousseff no Congresso: apoiando-se em questões técnicas, denunciaram que Dilma cometeu crime de responsabilidade fiscal ao adiar o pagamento de contas públicas, para se beneficiar, nas eleições, do entendimento de que as contas estavam em dia. Mas, como salienta o Anderson (2019, p. 219) “que isso fosse prática antiga, comum a governos anteriores, pouco importava”.

Concomitantemente, as investigações da Lava Jato expunham o envolvimento de políticos em esquemas de corrupção e sucessivas operações foram deflagradas, ganhando enorme destaque da mídia brasileira. A este cenário somou-se o crescimento do apoio ao juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato, e manifestações conclamando punições ao PT e o afastamento da presidenta.

Instalou-se no país um clima de ódio contra o PT e suas candidaturas, e sustentado pelo poder da mídia e total adesão das instituições da República tinha como principal objetivo enfraquecer e, se possível eliminar, o partido do pleito eleitoral de 2018.

A ascensão de um governo progressista ao poder criou, inicialmente, a ilusão de que o neoliberalismo havia chegado ao fim. Contudo, a literatura demonstrou que se tratava de uma representação aparente, conforme buscamos demonstrar. Mas Freitas (2018) chama a atenção para outro efeito que este processo causou: os estudos às estratégias neoliberais focaram nas contrarreformas econômicas e seus impactos e não se concentrou no lado obscuro do neoliberalismo – “sua ligação política com os conservadores, seu significado ideológico e os métodos pelos quais se propaga e resiste” (FREITAS, 2018, p. 14) – que fez ressurgir não só no Brasil, mas por todo o mundo, a força ultraliberal da direita.

De acordo com Freitas (2018, p. 13) o neoliberalismo surge do nascimento de uma “nova direita” que articula “o liberalismo clássico (neoliberal, no sentido de ser uma

retomada do liberalismo clássico do século XIX) com autoritarismo social” e salienta para o fato de que o liberalismo é um movimento mundial que se opõe ao progressismo e “não tem compromisso com a democracia, mas apenas com a instauração do livre mercado – o que surpreendeu o ‘socialismo democrático’ e a ‘social democracia’, que tinha na democracia liberal seu parâmetro constitutivo” (FREITAS, 2018, p. 14).

A destituição de Dilma Rousseff, da presidência da República em 31 de agosto de 2016, foi apoiada por esta “nova direita”, ou direita ultraliberal, e configurou-se por um golpe parlamentar-jurídico-midiático, pois não foi cumprida a exigência constitucional da existência de crime de responsabilidade fiscal (SAVIANI, 2018). Tratou-se de um golpe por dentro da “democracia liberal” que contou com a participação do Supremo Tribunal Federal presidindo a sessão do Senado e consumando o impeachment de uma presidenta eleita democraticamente por 54 milhões de brasileiros.

Alves (2017) aponta que esta é uma estratégia imperial, cuja articulação entre frações da burguesia local e internacional, visam controlar o processo político nas nações democráticas. De acordo com o autor, considerando as novas condições históricas do capitalismo, a subversão à democracia não prescinde apenas das forças armadas para se consolidar, a consumação do Golpe, nos dias de hoje, depende do Poder Judiciário, que se legitima como força política direta.

O fenômeno da judicialização das relações sociais e da própria política encontra como complemento manipulatório, a politização da Justiça. Mas não é uma politização qualquer, mas sim a politização encoberta pela excepcionalidade hermenêutica da Moralidade togada. Tal como a Mídia manipula a Notícia, o Ministro do Supremo manipula a Lei de acordo com a conveniência do status quo. Por isso não interessa democratizar o Poder Judiciário. Nem os Meios de Comunicação. Eles precisam ser permeáveis às forças da oligarquia dominante (ALVES, 2017, p.135).

O golpe jurídico-parlamentar e midiático traduziu mais um episódio autocrático da burguesia brasileira e revelou as bases frágeis sobre as quais se estrutura a democracia no Brasil. Nesse momento histórico, o avanço das forças ultraliberais e ultraconservadoras, contou com o importante apoio do PSDB - derrotado nas últimas quatro eleições e ressentido pela ausência na liderança de um projeto de sociedade que radicalize a relação trabalho- capital - e também dos tradicionais MDB e DEM. No campo da sociedade civil, a classe média sucumbiu ao projeto golpista, capitaneada, sobretudo, pelo Movimento Brasil Livre (MBL), o Movimento Escola sem Partido e ações da Federação Indústrias do Estado de São

Paulo (FIESP). Além disso, como pontuamos, o apoio das instituições representativas do Estado brasileiro, foi decisivo para a legitimação do golpe.

Assim, o que vivenciamos com a mudança do bloco no poder foram significativos retrocessos nas parcas políticas sociais e educacionais do nosso país. Medidas centralizadoras e sem a ampla participação da sociedade marcaram a perspectiva de educação e o projeto de nação no governo Michel Temer.

As ações políticas desenvolvidas neste período buscaram, de forma contumaz, assegurar os interesses e privilégios da classe burguesa na sociedade brasileira. Associadas a reformas estruturais que estagnam o investimento em setores sociais (EC nº 95/2016), reformulam leis trabalhistas (Lei nº 13.467/2017) e disputam o processo de aposentadoria dos trabalhadores (PEC nº 287/2016), estão outras medidas privatistas e conservadoras de contrarreformas educacionais como a destinada ao Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017), o projeto de lei Escola sem Partido (PL nº 867/2015) e a Base Nacional Comum Curricular (Resolução CNE/CP nº 2/2017; Resolução nº 3/2018). Esta última configurando-se como análise para nosso objeto de investigação.

Como buscamos demonstrar ao longo do capítulo, nossa particularidade histórica de formação social é marcada por estratégias da classe dominante que visam negar à grande parcela da população a participação na vida política, construindo golpes sempre que sentem seu poder ameaçado, e contando com a intensa participação, incentivo e direção da burguesia internacional, por meio de um processo que Fernandes (2006) denominou de “dupla articulação”.

Nossa democracia é historicamente frágil e se alterna entre a forma restrita − quando a democracia é formalmente respeitada − e a forma excludente − quando formas ditatoriais utilizam-na apenas como um eufemismo para perpetuar seu poder (SAVIANI, 2018). Por isso, o golpe de 2016 inaugurou um momento delicado e perigoso para a democracia no Brasil. Além de ter institucionalizado violações jurídicas que regem nossa vida em sociedade, fortaleceu frações da classe empresarial, sobretudo as mais conservadoras e reacionárias, e deu “vazão ao seu ódio de classe mobilizando uma direita raivosa que se manifesta nos meios de comunicação convencionais, nas redes sociais e nas ruas” (SAVIANI, 2018, p. 42).

A vitória de Jair Messias Bolsonaro em 2018, derrotando a candidatura petista em segundo turno, significou a ascensão das forças de ultradireita ao poder e expectativa de tempos ainda mais difíceis para a classe trabalhadora brasileira. O candidato eleito é um ex- militar, defensor da ditadura empresarial-militar, integrante do Partido Social Liberal (PSL) –

partido de matriz econômica liberal, mas de costumes conservadores − e parlamentar por mais de três décadas, integrando o chamado “baixo clero” do Legislativo brasileiro na eleição de 2018.

Ao analisar a candidatura Bolsonaro durante o processo eleitoral, Bortone (2020) identificou o amplo apoio da burguesia comercial, cujos nomes expressivos podemos citar Luciano Hang, das Lojas Havan e Mário Gazin, do Grupo Gazin. Segundo a autora:

Tal como seu candidato, é uma burguesia extremamente conservadora, preconceituosa, homofóbica, machista, racista (odeia nordestinos e negros) e rancorosa com a classe trabalhadora. Gosta de explorá-la com baixos salários e exibe práticas de repressão das classes trabalhadoras. Emprega um grande contingente de mão de obra e aposta na terceirização e no corte de direitos trabalhistas, como Bolsonaro anunciou que faria (BORTONE, 2020, p. 2).

Ainda que o projeto desta fração de classe não seja um projeto homogêneo, que engloba as variadas frações da classe dominante, cumpre dizer que durante a campanha eleitoral os discursos e naturalizações de práticas de viés autoritário e discriminatório de Bolsonaro não foram efetivamente repreendidos por aquelas que não lhe ofereceram apoio aberto e direto, demonstrando que os empresários não identificam a violência e o autoritarismo como um problema se o resultado for convertido em aumento da lucratividade por meio da exploração (FONTES et al., 2018).

Além disso, Fontes et al. (2018) destacam que a eleição de Bolsonaro derivou de tensões no interior da própria burguesia, em que se verificou uma disputa entre a burguesia produtiva e a burguesia financeira brasileira, além do aprofundamento da subordinação à burguesia financeira internacionalizada, “especialmente com a parcela mais conservadora e fascistizante dos Estados Unidos” (FONTES et al., 2018, p. 40).

Deste cenário, deriva a difícil realidade que enfrentamos desde 1º de janeiro de 2019, quando Jair Bolsonaro tomou posse da Presidência da República, abrindo o caminho para a investida da direita ultraliberal e ultraconservadora que busca destruir os vínculos de solidariedade no País. Em seu primeiro compromisso oficial nos EUA, Bolsonaro já deixou claro o principal objetivo de seu governo e, apoiado no discurso de combate ao comunismo, anunciou a necessidade de desconstruir o que existe hoje no País:

Eu sempre sonhei em libertar o Brasil da ideologia nefasta de esquerda (...). O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita

coisa. Para depois nós começarmos a fazer (BOLSONARO apud MENDONÇA, 2019, recurso online).

A ideia de desconstrução faz parte de um projeto coerente e articulado pela extrema- direita que compôs o bloco no poder, desde o impeachment de 2016, cujo horizonte é a destruição da economia nacional, dos direitos trabalhistas, da CLT, das políticas de proteção ambiental, para “construir coisas novas”, ou seja, para construir a completa subserviência ao imperialismo estadunidense, via um “entreguismo” que mina todas as possibilidades de soberania nacional.

No campo educacional, o “entreguismo” tem se concretizado na relação entre o setor público e o privado, cujos interesses do segundo têm sido amplamente assegurados na linha de propostas privatistas que anunciam a destruição do sistema público de ensino. Além dos cortes de verbas na área, anunciados nos primeiros meses de seu mandato – o que gerou gigantescas manifestações populares que reascendem as esperanças em torno da construção de um projeto de base popular -, a construção de uma agenda para educação com a participação dos Secretários de Educação e de aparelhos de hegemonia da classe empresarial26, a defesa e incentivo do Ministro da Educação à expansão das faculdades particulares27 e a construção do Projeto “Future-se” são exemplos contumaz que demonstram a adesão do governo à via da privatização.

Associadamente, o projeto para a educação básica que abarca o Projeto de Lei “homeschooling”, o Compromisso Nacional pela Educação básica28, a Política Nacional de

Alfabetização (PNA)29 e o apoio a implementação da BNCC (ProBNCC), este último iniciado

no governo anterior, sinaliza o compromisso com o desenvolvimento de uma educação pragmática às classes trabalhadoras, cujo mínimo necessário será oferecido para uma atuação possível no mercado de trabalho. Essas são as “novas” estratégias da burguesia brasileira que

26 MEC reúne secretários de educação e entidades do terceiro setor para trabalhar agenda conjunta.

Publicado em 29 de abril de 2019. Disponível: http://www.consed.org.br/portal/noticia/mec-reune- secretarios-de-educacao-e-entidades-do-terceiro-setor-para-trabalhar-agenda-conjunta. Acesso em: 23 ago. 2019.

27 Ministro da Educação defende fortalecimento de ensino superior particular. Publicado em 6 de

junho de 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/06/ministro-da- educacao-defende-fortalecimento-de-ensino-superior-particular.shtml. Acesso em: 23 ago. 2019.

28 MEC lança lista de compromissos para a educação básica; veja pontos. Publicado em 11 de julho de

2019. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/07/11/mec-lanca-lista-de- compromissos-para-a-educacao-basica-veja-pontos.ghtml. Acesso em: 23 ago. 2019.

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