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O PAPEL DAS CLASSES SOCIAIS NO CAPITALISMO DEPENDENTE NO BRASIL

No documento monicadiasmedeirospires (páginas 40-45)

2 A FORMAÇÃO SOCIAL E A NATUREZA DO CAPITALISMO NO BRASIL

2.1 O PAPEL DAS CLASSES SOCIAIS NO CAPITALISMO DEPENDENTE NO BRASIL

A forma como o modo de produção capitalista se desenvolveu nas diferentes nações não ocorreu de maneira homogênea e sua evolução foi marcada pelas condições histórico- sociais de cada país, bem como sua inserção na divisão internacional do trabalho (DIT).

Partindo das obras de Florestan Fernandes, Chagas (2013) apresenta que a história da formação social brasileira foi marcada por três grandes momentos:

[...] a Era Colonial, que se inicia com a colonização e se estende até a vinda da corte para o Brasil, em 1808; a Era Neocolonial, que vai de 1808 até aproximadamente 1880; e a Era Capitalista dependente ou Era Burguesa, que se inaugura, então, em meados de 1880, tem como momento diferencial o ano de 1930 e se subdivide em Era burguesa competitiva e Era burguesa monopolista (CHAGAS, 2013, p. 35).

Ao analisar o processo de desenvolvimento capitalista brasileiro, Fernandes (2006) destaca que nas regiões periféricas as fases de evolução interna do capitalismo foram distintas em relação às nações centrais. Para explicar esse fenômeno, o autor aborda as questões gerais do capitalismo e as questões específicas que envolvem o conceito de capitalismo dependente em que se encontram os países periféricos na atual fase do capitalismo monopolista. Essa condição promove uma intrínseca relação entre a economia local e a economia mundial, caracterizada por “dupla articulação” e analisada pelo sociólogo:

A dupla articulação impõe a conciliação e a harmonização de interesses díspares (tanto em termos de acomodação de setores econômicos internos quanto em termos de acomodação da economia capitalista dependente às economias centrais); e pior que isso, acarreta um estado de conciliação permanente de tais interesses entre si. Forma-se, assim, um bloqueio que não pode ser superado e que, do ponto de vista da transformação capitalista, torna o agente econômico da economia dependente demasiado impotente para enfrentar as exigências da situação de dependência. Ele pode, sem dúvida, realizar as revoluções econômicas, que são intrínsecas às várias transformações capitalistas. O que ele não pode é levar qualquer revolução econômica ao ponto de ruptura com o próprio padrão de desenvolvimento capitalista dependente (FERNANDES, 2006, p. 293).

Os países periféricos absorvem de forma dependente os avanços técnico-científicos desenvolvidos nos países de capitalismo central, enquanto esses se apropriam da condição subdesenvolvida daqueles para gerar seu próprio desenvolvimento. A dupla articulação confere interação entre os mecanismos “de fora para dentro” (dos países centrais para as economias dependentes) e “de dentro para fora” (da periferia para os centros avançados).

Nesse sentido, Oliveira (2003, p. 126) afirma que os países dependentes atuam com a “função histórica de fornecer elementos para a acumulação de capital no centro”. A condição de dependência não se refere a uma questão de menor valorização diante do capitalismo central, mas sim uma diferenciação na forma de acumulação e de desenvolvimento, segundo sua posição na DIT.

Neste cenário, o papel das classes sociais é fundamental e assume significativa relevância por ser a categoria que dinamiza o desenvolvimento do sistema capitalista. Assim,

as particularidades históricas de cada formação social conferem diferentes caminhos no processo de conformação do capitalismo, materializado pelas conhecidas revoluções burguesas.

Segundo Fernandes (2006), a revolução burguesa se caracteriza como “um conjunto de transformações econômicas, tecnológicas, sociais, psicossociais e políticas que se realizam quando o desenvolvimento capitalista atinge o clímax de sua evolução industrial” (FERNANDES, 2006, p. 239). Para Gorender (1987) apud Mazza (2018, p. 65), essa revolução é um:

Processo histórico concentrado em alguns anos ou decênios, mediante o qual a burguesia se apossa do poder do Estado, torna-se classe dominante e transforma o regime político-jurídico em favor da expansão desembaraçada das relações de produção capitalistas.

Nos países centrais, o esgotamento dos modos de organização absolutista impulsionou a revolução burguesa em sua forma clássica, com a participação das classes socialmente constituídas (burguesia e proletariado) rompendo com o poder monárquico e culminando na hegemonia burguesa. Segundo Mazzeo (2015):

Nessas formações sociais (Inglaterra e França), como definiram Marx e Engels, cada momento da evolução efetivada pela burguesia era acompanhado de um processo político correspondente. Mas tanto na Inglaterra como na França a conquista do poder político é resultante de um

confronto direto com a nobreza feudal [...] (MAZZEO, 2015, p. 95).

Assim, podemos notar que no bojo de ascensão revolucionária da burguesia surge o espaço histórico para a participação e a organização das massas populares [...] Evidencia-se também a total destruição do que restava da ordem feudal, porque a luta de classes, nessas formações sociais, assume um nítido caráter de desenvolvimento capitalista, em seu conjunto estrutural (MAZZEO, 2015, p. 96).

De acordo com Fernandes (1972), nestas nações, as burguesias exerceram funções sociais construtivas de uma nova ordem, pois encontraram uma classe trabalhadora mais organizada que “conquistaram o direito de serem ouvidas, de usar meios institucionais de protesto ou de conflito e de manipular controles sociais reativos, mais ou menos eficazes, regulando assim a sua participação social nos fluxos da renda e nas estruturas de poder” (FERNANDES, 1972 apud CARDOSO, 1995, p. 6).

Entretanto esta não foi a única via de desenvolvimento capitalista deflagrada nos atuais países de capitalismo avançado. Recorrendo as análises leninianas, Mazzeo (2015) apresenta a via prussiana de desenvolvimento burguês, assumida pela Alemanha. Diferente das formações sociais de via clássica, a inserção tardia no processo de industrialização culminou em condições desfavoráveis para a formação social alemã, de modo que sua burguesia não optou pelo rompimento radical com a ordem vigente e “a fazenda feudal do proprietário de terras se transforma lentamente em uma fazenda burguesa, junker, condenando os camponeses a decênios inteiros da mais dolorosa expropriação” (MAZZEO, 2015, p. 97). Assim, a revolução burguesa alemã materializa-se em uma “reforma modernizadora” marcada pela conciliação entre o velho e o novo. Ou seja, por meio de transformações “pelo alto” o processo revolucionário torna-se conservador e a antiga nobreza torna-se a “burguesia titulada” que conforma um aparelho estatal autocrático destinado a coordenar o processo industrial e o crescimento econômico da nação. Trata-se de uma política conciliatória, entre as diferentes frações da classe burguesa, com apoio de seus aliados – a pequena burguesia – que exclui inteiramente a participação popular do processo de formação de uma nova ordem econômico-social, que apesar disso, chega ao final do século XIX como uma nação imperialista (MAZZEO, 2015).

Analisando o processo pelo qual se desenvolveu o capitalismo no Brasil, Mazzeo (2015) destaca que intelectuais importantes como Carlos Nelson Coutinho, Luiz Werneck Vianna e José Chasin, partem da construção leniniana de via prussiana adaptando este conceito à situação da formação social brasileira. Sobretudo os estudos de Chasin, aprofundam na análise ao considerar nossa particularidade histórica de formação colonial, formulando a noção interpretativa de via colonial. As análises sobre a entificação do capitalismo no Brasil sofrem um salto qualitativo com as interpretações de Caio Prado Junior, “que identificará na formação social brasileira elementos de particularidade histórica que permitem um enfoque mais próximo da concretude para a explicação do caráter não clássico da forma capitalista brasileira [...]” (MAZZEO, 2015, p. 125).

Segundo as análises caiopradianas, a transição da economia mercantilista para a fase da industrialização não contou com uma ruptura radical com a estrutura colonial, de modo que a classe dominante manteve, no campo produtivo, um desenvolvimento subordinado aos centros econômicos, e na relação trabalho-capital, a organização agrária de base latifundiária- escravista (MAZZEO, 2015).

Assim, pelas relações de poder, a classe dominante bloqueou a participação da ampla parcela da população nos processos políticos e sociais e não rompeu com as estruturas arcaicas e conservadoras para construir um novo projeto de sociedade. Adotando a conciliação entre as classes, proporcionou a articulação entre o “velho” e o “novo”, permitindo a oligarquia manter sua base de poder, modernizando-se e irradiando-se, ao passo que a própria burguesia se beneficiou das estruturas econômicas, sociais e políticas mais obsoletas, promovendo um reformismo “pelo alto”, excluindo qualquer possibilidade de participação popular no surgimento da nova ordem social. Para Fernandes (2006, p. 240-241), a burguesia brasileira:

[...] não assume o papel de paladino da civilização ou instrumento da

modernidade [...]. Ela se compromete, por igual, com tudo que lhe fosse

vantajoso: e para ela era vantajoso tirar proveito dos tempos desiguais e da heterogeneidade da sociedade brasileira, mobilizando as vantagens que decorriam tanto do atraso quanto do adiantamento das populações. Por isso, não é apenas a hegemonia oligárquica que diluía o impacto inovador da dominação burguesa. A própria burguesia como um todo (incluindo-se nela as oligarquias) se ajustara à situação segundo uma linha de múltiplos interesses e adaptações ambíguas preferindo a mudança gradual e a composição a uma modernização impetuosa, intransigente e avassaladora [...] sua ansiedade política ia mais na direção de amortecer a mudança social espontânea que no rumo oposto, de aprofundá-la e de estendê-la às zonas rurais e urbanas mais ou menos “retrógradas” e estáveis.

Isto posto, Mazzeo (2015) aponta que a melhor forma de conceituar a entificação do capitalismo no Brasil é por meio da noção de via prussiano-colonial, pois esta “respeita a legalidade histórica de sua condição colonial e, ao mesmo tempo, considera a configuração tardia (ou hipertardia, como pontua Chasnin) e agrária do processo de acumulação e posterior industrialização do Brasil” (MAZZEO, 2015, p. 105), tal como ocorrera no caso alemão.

Assim, a revolução burguesa no Brasil pode ser compreendida como uma “revolução passiva”, segundo a acepção gramsciana8, pois a particularidade histórica do país reflete na

8 Em análise sobre o processo de formação social italiano (Risorgimento), Gramsci utiliza este

conceito para designar o processo pelo qual os Estados europeus modernos passaram ao se inserirem na ordem capitalista sem contar com uma revolução burguesa do tipo clássica. Trata-se de uma transformação no aparelho estatal ocorrida sem uma revolução ativa, sem a presença popular. A reação das classes dominantes à necessidade de instituir uma nova ordem se dá por meio de articulações reformistas, gradual e “pelo alto” em que a socialização da produção entre as classes dominantes poderia ser efetivada sem a perda, individual ou coletiva, da propriedade do lucro (BIANCHI, 2018). Assim, a “revolução passiva” é um conceito que pode ser utilizado como chave interpretativa para expressar o fato de que as transformações nestes países ocorreram sem a participação popular de modo que os progressos empreendidos “se verificam como reação das classes dominantes ao subversivismo esporádico e inorgânico das massas populares, com

própria configuração e manutenção de um aparelho de Estado em que vigora de forma institucionalizada a autocracia burguesa. Ao comparar a autocracia burguesa institucionalizada do Brasil com aquela desenvolvida na França e na Alemanha, Mazzeo (2015) afirma que, apesar do caráter reacionário também presente nestas nações, a classe hegemônica no poder tratou de garantir o pleno desenvolvimento burguês e das forças produtivas, enquanto:

No caso do Brasil, essas formas burguesas têm, ao longo de sua história, garantindo a inserção do Brasil na ordem capitalista, por meio de um processo de modernização subordinada, traço indelével de uma burguesia que não somente deixa de romper com seu passado colonial, mas que, exatamente por isso, o repõe lógica e historicamente, cedendo seus dedos para não perder seus anéis (MAZZEO, 2015, p. 134).

A partir do movimento de constituição das classes sociais na configuração da particularidade histórica brasileira compreendemos a natureza subdesenvolvida e dependente do capitalismo brasileiro, em que a atuação da burguesia brasileira pela via prussiana-colonial não permite um desenvolvimento autônomo e nacional. Ao contrário, as bases de hegemonia da classe dominante tem se fundado, historicamente, no “alijamento das massas trabalhadoras das instâncias de decisões, seja pela coerção explícita [...], seja pela manipulação política, nos momentos de institucionalização e/ou ‘legalidade’ da autocracia burguesa, comumente chamados de períodos de ‘vigência democrática” (MAZZEO, 2015, p. 134).

A seguir buscamos evidenciar este processo, demarcando a funcionalidade da nossa burguesia, que no processo de industrialização do país foi representada pelos fazendeiros de café, convertidos em novos homens de negócio representados em diversos aparelhos de hegemonia.

2.2 A FORMAÇÃO DA CLASSE EMPRESARIAL BRASILEIRA E SEU O PROJETO DE

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