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A atuação da classe empresarial nos anos

No documento monicadiasmedeirospires (páginas 70-76)

2 A FORMAÇÃO SOCIAL E A NATUREZA DO CAPITALISMO NO BRASIL

2.2 A FORMAÇÃO DA CLASSE EMPRESARIAL BRASILEIRA E SEU O PROJETO DE EDUCAÇÃO

2.2.4 A atuação da classe empresarial nos anos

A disputa eleitoral de 2002 apresentou, no campo da aparência, uma tensão entre forças políticas antagônicas. A ascensão da candidatura Luiz Inácio Lula da Silva, um ex- metalúrgico, líder sindical e dirigente do maior partido progressista e de massas da América Latina – o Partido dos Trabalhadores − ao bloco no poder inflamou a esperança na construção de um projeto de nação e de educação que oferecesse resistências ao avanço das forças neoliberais que se afirmava desde os anos de 1990. Entretanto, já no processo eleitoral era possível identificar a essência deste fenômeno de modo que, o plano de governo bem como as alianças realizadas indicava a coalizão com os interesses da classe empresarial e o afinamento na construção e consolidação do padrão de sociabilidade burguês.

Os incentivos e criação de subsídios para a valorização internacional; a defesa de que há apenas uma alternativa de política macroeconômica, a de matriz neoliberal; e a criação de políticas sociais compensatórias de alivio à pobreza, foram ações que sustentaram a política econômica e social do aparelho de Estado e permitiram afirmar a perspectiva neoliberal assumida pelo governo Lula da Silva (PAULANI, 2006 apud MARTINS, 2009a).

Neste sentido, por meio de uma configuração sustentada pela aliança entre setores liberais e progressistas, materializada na chamada frente neodesenvolvimenteista20, os governos Lula da Silva apostaram em políticas econômicas para o fortalecimento dos fundos

19 Neste momento, utilizaremos a reflexão desenvolvida pelo pesquisador para compreender a

conformação burguesa na era Lula da Silva. Contudo, cabe destacar que não abordaremos o cerne de seu estudo: a identificação da existência ou não, de uma burguesia nacional comprometida, exclusivamente, com o desenvolvimento nacional. Tal como autor, entendemos que a realidade da globalização financeira (fase atual do capitalismo monopolista) em que se inserem os países periféricos, marcados pelas estratégias imperialistas, não permite a compreensão de uma burguesia comprometida com um projeto nacionalista. Reafirmamos a tese de Fernandes (2006) ao diagnosticar a dupla articulação como marca do desenvolvimento capitalista periférico e o interesse de classe que caracteriza a elite brasileira.

20 Além do Partido dos Trabalhadores e seu aliado histórico (PCdoB), de partidos de centro e centro-

direita (PL, PPS, PDT, PTB, PSB, PGT, PSC, PTC, PV, PMN, PHS e PCB) a frente contou com a participação de forças políticas empresariais de diferentes setores da economia e de movimentos populares do campo e da cidade.

de pensão (OLIVEIRA, 2003) e dos interesses empresariais (setores agropecuário, industrial, de serviços e financeiro) representados no bloco no poder e em políticas sociais focalizadas e descentralizadas para atendimento das demandas populares, minimizando, desse modo, os efeitos mais dramáticos da exploração e da desigualdade social. De acordo com Alves (2017), o programa neodesenvolvimentista tinha como eixo econômico, o crescimento com inclusão social e como eixo político, estratégias de conciliação de classe baseada no pragmatismo político visando a conservação no poder.

Assim, o desenvolvimento das políticas neoliberais se manteve, pois o governo Lula da Silva não rompeu com a composição do bloco no poder assegurando a hegemonia da classe empresarial e a confirmação de seu projeto de sociedade. Segundo Martins (2009a, p. 226):

[...] a classe empresarial em seu conjunto manteve uma posição privilegiada dentro da aparelhagem estatal, beneficiando-se de sua posição hegemônica como na conjuntura anterior. A fração financeira se manteve na posição de comando, subordinando todas as demais forças integrantes do bloco no poder aos seus interesses, embora a fração industrial e a fração agrária tivessem conseguido se reposicionar, ocupando um lugar um pouco mais vantajoso para a defesa de seus interesses específicos.

Para confirmar a associação do governo Lula da Silva aos ditames da burguesia brasileira, Oliveira (2016) identifica outros três processos importantes: a ampla coligação com diferentes espectros políticos, exemplificada pela incorporação do PSL, PMDB e PP ao bloco no poder; a votação final da reforma da previdência em 2003 com baixo apoio da base aliada mais à esquerda e votos favoráveis do PSDB e do PFL21; e a composição ministerial em 2004, marcada pela inserção de mais um membro do PMDB, Eunício de Oliveira, empresário vinculado ao agronegócio.

Minella (2018) revela que a fração financeira da classe burguesa tem forte presença no processo eleitoral no Brasil, bem como na cultura e na educação por meio de suas organizações sociais que atuam na definição e implementação de políticas públicas. Para efeitos de apresentação, o autor seleciona o caso do grupo financeiro Itaúsa (Itaú Unibanco) e o financiamento das eleições 2010 e 2014, demonstrando que a classe não opera por

21 Em análise sobre a atual proposta da Reforma da Previdência (PEC 287/16) encapada pelo governo

Michel Temer, a revista Veja relembra as matérias vinculadas a essa agenda em 2003, em que não perdeu tempo em denunciar o caráter mais conservador do governo Lula. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reveja/reforma-da-previdencia-o-que-lula-ensinou-em-2003-e-o-que- o-brasil-aprendeu-em-2005/

preferências partidárias, de modo que as doações do grupo na ocasião se distribuíram pelos partidos PSDB, PT e PSB.

Segundo Oliveira (2016) a classe empresarial atua no sentido de subsidiar os diferentes partidos, cuidando em assegurar suas posições caso o processo político resulte em alterações na composição do governo. Em que pese se cercar de todos os lados para manter sua hegemonia, a burguesia atende especialmente aos partidos que compõe a base do governo, uma vez que, no jogo de interesses, garantem o desenvolvimento de seus ideais econômicos, políticos e sociais.

Na relação com a sociedade civil, o governo Lula da Silva expandiu “o trabalho de seus aparelhos formuladores e aparelhos difusores da nova ideologia e manteve acionados os vínculos com as organizações que já se encontravam em sua zona de influência hegemônica” (MARTINS, 2009a, p. 227, grifo do autor). Na aparelhagem estatal buscou fortalecer o ideal de parceria, promovendo ajustes organizativos e aperfeiçoando o trabalho de educação política do governo anterior, reforçando aquilo que Martins (2009a; 2009b) denominou de “direita para o social”22. O conjunto de leis que possibilitam uma nova relação entre o setor

público e o privado pode ser tomado como um dos desdobramentos desse processo23.

No campo educacional, a compreensão de que a educação deveria responder às demandas sociais assegurando aos indivíduos aprendizagens básicas intensificou a participação de aparelhos de hegemonia nas escolas, aprofundando a ideologia da responsabilidade social e fortalecendo a apropriação privada do conhecimento sistematizado.

Neste contexto, a inserção empresarial na esfera educacional pode ser verificada através do organismo Todos pela Educação (TPE) que se apresentou como um importante aparelho formulador e difusor das orientações educacionais do governo Lula da Silva.

Segundo Martins (2009b), este organismo foi criado em 2006 por intelectuais orgânicos da classe empresarial a partir de reflexões e análises deste grupo sobre a realidade educacional na atual configuração do capitalismo. Inspirados nas orientações de organizações internacionais, os estudos realizados pela burguesia, mais uma vez, concluíram que os baixos índices educacionais estavam articulados à incapacidade técnica e política dos diferentes

22 Martins (2009) constatou que a partir de 1990 houve uma modificação das iniciativas empresariais

por meio de um aprimoramento de suas intervenções no campo social e nas políticas públicas. Com adoção de estratégias para promover o chamado bem-comum os empresários passaram a difundir a ideologia da “responsabilidade social” cujo objetivo é organizar a própria classe e subordinar o conjunto da população ao conformismo burguês. Esse movimento foi denominado pelo autor de “direita para o social”.

23 Constituição Federal /1988; Lei nº 9.637/1998; Lei n. 11.079/2004; Lei n. 11. 494/2007; Decreto nº

governos na formulação e implementação das políticas educacionais, o que resultou em sérios problemas para os interesses do capital.

Diante disso, o TPE buscou orientar as definições da política educacional inserindo a concepção de “competências básicas”, instrumentos estandardizados de avaliação e metas de desempenho escolar, sintetizando a agenda empresarial no processo de formação da classe trabalhadora.

Assim como as orientações do Instituto Ethos na década anterior, o TPE também entendeu que a melhoria da educação só poderia ocorrer através da articulação entre pessoas da sociedade civil e órgãos políticos da sociedade num movimento de “corresponsabilidade” e “parceria” que busca instituir novo parâmetro para as relações entre essa duas instâncias e, assim, contribuir para a assimilação da sociabilidade do programa da Terceira Via.

Segundo Neves (2004), a mudança na relação entre sociedade civil e Estado tem como principal característica a substituição dos conflitos e antagonismos de classes pela noção de colaboração e coesão social. Apoiado nesta perspectiva, Martins (2009b) entende que a noção de parceria apresentada pelo TPE reforça as estratégias de dominação, já que em nome de uma “boa educação” a sociedade deve abrir mão de projetos alternativos ao capital em favor das proposições empresariais.

Trata-se de resultados do reformismo encampado pelo bloco no poder no aspecto mais amplo da política governamental. Associando-se com as mais diversas frações da classe burguesa, o Partido dos Trabalhadores “renegou a luta de classes e criou o mito do progresso social sem se atentar contra a ordem oligárquica burguesa [...]” (ALVES, 2019, p. 129) e, nos períodos áureos da economia, sustentou-se por uma suposta conciliação de classe, capaz de eleger Dilma Rousseff em 2010 e reelegê-la em 2014, sendo a última uma eleição acirrada, cuja vitória se dá em um contexto adverso que já sinalizava as dificuldades em manter a estratégia neodesenvolvimentista.

Neste processo, os aparelhos da classe empresarial se apresentam cada vez mais organizados e os princípios que fundamentam suas propostas, mais aperfeiçoados, de modo que a atuação no sistema educacional vem se consolidando e interferindo, significativamente, na formação das futuras gerações de trabalhadores.

Exemplo disso é a nova intervenção proposta pela CNI em 2013, por meio da divulgação do documento Educação para o Mundo do Trabalho em que conclama diferentes setores da sociedade civil para desenvolverem “linhas de ação” que resultem na melhoria da

educação básica e profissional brasileira, com vistas à garantia do melhor desenvolvimento no cenário competitivo nacional e internacional.

Segundo o documento, o Brasil não está bem situado no campo da competitividade e suas pesquisas têm demonstrado que a desfavorável posição no ranking mundial é reflexo do baixo desempenho educacional do país. Assim, “a indústria brasileira se ressente do preparo dos candidatos aos postos de trabalho. A causa fundamental é a qualidade da formação básica oferecida pela educação escolar” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2013, p. 11).

Para tanto, a Confederação defende um conjunto de mudanças no sistema educacional em que o foco seja oferecer aos educandos “conhecimentos, competências e habilidades indispensáveis ao seu desenvolvimento pessoal, como cidadão e como agente produtivo” (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2013, p. 19), promovendo assim, uma educação para o mundo de trabalho. O alcance deste objetivo pressupõe o reordenamento em áreas consideradas estruturantes destacadas no documento: mudanças curriculares, formação e valorização do professor, participação da família, gestão da escola, infraestrutura escolar, educação técnica e profissional e financiamento.

Ao diagnosticar a situação atual da educação brasileira, a CNI busca legitimar suas estratégias de ação imputando à escola pública a “ineficiência” dos trabalhadores frente ao avanço técnico-científico do mundo do trabalho e atribuindo à classe empresarial o empenho na construção de uma agenda que transforme a realidade educacional. Isso pode ser confirmado na seguinte afirmação:

Nos últimos anos, a CNI tem liderado, apoiado e acompanhado a mobilização de protagonistas expressivos da sociedade civil que, conscientes do quadro descrito, desenvolvem ações de responsabilidade social visando à melhoria da qualidade da educação no país. Casos exitosos como os da Fundação Roberto Marinho, Fundação Victor Civita, Instituto Ayrton Senna, Fundação Itaú Social, Fundação Bradesco, Fundação Brava, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, Fundação Lemann, dentre tantos outros, revelam o compromisso do mundo empresarial com a elevação dos padrões educacionais da população brasileira (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA, 2013, p. 15).

A relação direta entre melhoria educacional, avanço econômico e melhores condições de vida é identificada pelos dados que apontam o Brasil como a 7ª maior economia mundial, mas como a 85ª em nível de desigualdades. Assim, as formulações da confederação

apontam para uma compreensão de que ao promover o avanço educacional será possível superar a desigualdade social.

Essa concepção demonstra a defesa de que o capitalismo é a forma natural de produção e reprodução da existência material do homem e desconsidera que são as desigualdades sociais, estruturais desse sistema, que afetam e muitas vezes impedem o desenvolvimento pleno da educação. Segundo Oliveira (1988), as desigualdades sociais são resultado de dois fatores essenciais para a taxa de lucro da classe empresarial: o salário da classe trabalhadora e as políticas sociais. O retorno justo pela riqueza produzida pelo trabalhador implica necessariamente na diminuição da extração da mais-valia e o investimento efetivo em políticas sociais (saúde, educação, moradia, saneamento básico, entre outras) depende de maiores tributações da classe burguesa, diminuição dos impostos dos trabalhadores e liberação do fundo público.

Esta realidade revela a disputa por este fundo, uma vez ser ele o padrão de financiamento público da economia capitalista que:

[...] por meio de regras universais e pactuadas, [...] passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação do capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais (OLIVEIRA, 1988, p. 8).

Deste modo, a natureza de um capitalismo subdesenvolvido e dependente, de industrialização hipertardia e formação colonial-escravista de via prussiana e atualmente inserido no circuito do capital-imperialismo, produz um maior acirramento das desigualdades sociais e a dinâmica no aparelho de Estado é perpassada por estratégias que assegurem a maximização dos lucros e benefícios para a burguesia reservando o mínimo de direitos e condições dignas para a existência objetiva da classe trabalhadora.

É neste cenário que se desenvolve mais um aparelho de hegemonia com o objetivo de conformar os trabalhadores brasileiros aos ditames burgueses. A hegemonia das forças dominantes na educação se expressa por uma nova intervenção curricular que passou a ser defendida pela classe empresarial.

Em 2013, a classe se organizou e criou a organização Movimento pela Base Nacional Comum (MBNC). Trata-se de uma organização formada por diversas entidades, sendo elas: ABAVE, CENPEC, Comunidade Educativa CEDAC, Fundação Lemann, Fundação Maria

Cecilia Souto Vidigal, Fundação Roberto Marinho, Instituto Ayrton Senna, Instituo Inspirare, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú BBA, Todos pela Educação, CONSED e UNDIME.

A atuação do MBNC foi decisiva na criação de um currículo único no país, que se materializou na política da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), traduzindo o desejo histórico da burguesia de orientar a educação destinada à classe trabalhadora. Esta atuação pode indicar o surgimento de uma organização específica e diretiva no campo curricular traduzindo um novo aspecto na história da educação brasileira.

A análise das formulações desta organização para a formação das crianças e jovens brasileiros, matriculados na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, bem como as estratégias de atuação no cenário educacional brasileiro, é o principal objetivo desta pesquisa e será desenvolvida nos capítulos de análise empírica, capítulos cinco e seis.

O projeto empresarial para a conformação dos trabalhadores conta com estratégias bem definidas que incluem “reformas” curriculares. Essa concepção vem sendo historicamente gestada (e muitas vezes praticadas) pela burguesia brasileira e, apesar de se fazer presente durante os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff, foi a partir da realidade histórica que vivenciamos em 2016 que encontrou terreno fértil para seu pleno desenvolvimento.

Todo o debate sobre a implementação de “referenciais nacional curriculares”, fortemente difundido nos anos de 199024, voltam sob o mantra da instituição de “bases

nacionais comuns curriculares” em vários países25, inclusive no Brasil. Segundo Freitas

(2018, p. 11) esta é uma estratégia que faz parte de um:

[...] movimento global de reforma da educação que pede mais padronização, testes e responsabilização (accoutability) na educação (SAHLBERG, 2011), atropelando a diversidade e os Estados nacionais, já que o capital financeiro rentista (criador do neoliberalismo) opera de forma supranacional (CHAUI, 2018).

No documento monicadiasmedeirospires (páginas 70-76)