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A organização empresarial prol educação na América Latina

Parte II – Particularidade latinoamericana e atuação empresarial na educação

4. Gênese da Rede Latinoamericana de Organizações da Sociedade Civil para Educação –

4.2. A organização empresarial prol educação na América Latina

Embora presentes, poucos eram os grupos de empresários organizados prol educação na América Latina até anos 1980. Foi a partir das décadas de 1990 e 2000 que ocorreu a proliferação destes grupos e um significativo aumento de seu protagonismo junto à política educacional.

As reformas ocorridas neste período se fundamentam em um novo modelo de regulação, no qual as categorias ‘sociedade civil’ e ‘cidadania’ sofrem uma mudança radical (KRAWCZYK, 2005). As políticas de descentralização do Estado tiveram grande responsabilidade por essa mudança. O novo modelo vem sendo concretizado a partir de um processo de descentralização, desenhado em três dimensões: descentralização entre os diferentes órgãos de governo (municipalização), para escola (autonomia escolar) e para o mercado (responsabilidade social). Na descentralização para o mercado, o compartilhamento das responsabilidades por formular e executar políticas implica uma articulação entre Estado, setores privados e organizações não governamentais. A partir da ideia de que a responsabilidade pela educação pode ser assumida por todos os segmentos da sociedade, e não ficar a cargo unicamente do Estado, novos sujeitos passam a ser considerados (KRAWCZYK, 2005, p. 803). Assim como Oliveira, (2011), entendemos que as reformas da época, sobretudo os processos de descentralização, passaram a ocupar espaço vital na fundamentação burguesa de ‘melhoria’ da qualidade da educação, promovendo o aumento da participação da ‘sociedade civil’, mormente na forma de OI’s, empresários e suas fundações na política educativa. Este é o cerne da passagem do governo para a governança.

Este foi o caso do aprofundamento das intervenções na educação latinoamericana por parte de organizações internacionais que expressam o padrão de dominação imperialista na América Latina, como o Banco Mundial, Usaid, BID, IAD através do PREAL (Programa de

Promoción de la Reforma Educativa para la América Latina y el Caribe). O PREAL se origina

em 1995 através de uma parceria entre o IAD (Diálogo Inter-Americano - Inter-American

Dialogue), com sede em Washington, e a CINDE (Corporación de Investigaciones para el Desarrollo), sediada em Santiago, Chile. Ele surge em uma época em que as relações entre os

Estados Unidos e a América Latina estavam muito próximas. O então presidente Bill Clinton se apresentava frente à América Latina como um político “em sintonia com os novos ventos da

região, incluindo um compromisso com a democracia e os direitos humanos” (PANIZZA,

2006, p. 4). Este ‘compromisso com a democracia e os direitos humanos’ também significou a estruturação de um grupo amplo e ativo para reformar a educação latinoamericana, conformando uma ‘parceria hemisférica’, que incluía OI’s, e localizava, taticamente, a educação na ideologia do ‘combate à pobreza’(OLIVEIRA, 2011, p. 113–114). O BID, combinando análise técnica com a participação da “cidadania” pretendia reformar a educação na América Latina, transforma-se em parceiro relevante na criação do PREAL. Outro parceiro fundamental na constituição do PREAL, foi o IAD, cujo “o calibre dos patrocinadores”60

(SHIROMA, 2014, p. 327), indica a escala dos interesses do capital influenciando nas políticas educativas latinoamericanas. Oficialmente, o IAD se apresenta como um think tank de análise de políticas voltado a assuntos do ‘mundo ocidental’, que reúne ‘líderes’61 de organizações públicas e privadas das Américas (não apenas no âmbito educacional, como também nos âmbitos econômico e político), com o intuito de debater, conceber, monitorar e assessorar políticas de governo em toda a extensão do continente62.

Ao interior do IAD já existia uma mobilização no sentido de identificar casos nos quais empresários de países latinoamericanos incidissem na educação pública de seus países de origem63 (ENTREVISTA 21, 2016). O IAD foi financiado pela Americas Society com apoio do

60 Fundado em 1982, a partir de iniciativa da família Rockefeller e do Departamento de Estado dos Estados Unidos, as

atividades desta organização não-governamental contam com o apoio técnico e financeiro da Usaid, BID, Banco Mundial, Fundações Avina e General Electric (GE), além das doações de países e corporações multinacionais.

61 Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil de 1995 a 2002, é o presidente emérito do Conselho de Diretores do IAD. 62 Fonte: https://www.thedialogue.org/about/ Acesso: 07/2018.

63 “Há uma história, [...] é um projeto que desenvolvemos com Americas Society. [...] Americas Society foi fundada por David

Rockefeller há muitos anos e é muito empresarial, isto é, sua ênfase são empresários na América Latina e [empresários] dos Estados Unidos que fazem negócios na América Latina. [...] Eles queriam alguma ênfase na educação e eu e alguém de lá organizamos este projeto que foi o primeiro de uma série de estudos de caso: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, etc., etc., sobre casos de empresários ou empresas que se preocupavam com a educação. Nós resumimos cada caso, identificamos os casos interessantes, e, em seguida, fizemos uma série de observações e conclusões [sobre] como pensar [...] a relação entre

Conselho Empresarial da América Latina (CEAL) para desenvolver um projeto com o objetivo de auxiliar os líderes empresariais da América Latina a utilizarem seus recursos e influência para incidir nas políticas para educação primária e secundária a fim de aumentar a competitividade econômica na região. Um dos produtos deste trabalho foi a publicação

“Partners for Progress: Education and the Private Sector in Latin America and the Caribbean” de 1997, documento que reúne casos exitosos de experiências de incidência

empresarial em educação que ocorreram nos Estados Unidos e Malásia, além de diversos países da América Latina e Caribe: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Guatemala, México, República Dominicana e Venezuela64. Em relação à incidência na política educativa e à mobilização empresarial, uma das conclusões do estudo foi a de que o empresariado latinoamericano e caribenho ainda não se encontrava tão organizado quanto os empresários estadunidenses (PURYEAR, 1997). Naquele momento, a maioria dos empresários da região não participava de nenhuma iniciativa prol educação e, mesmo as poucas empresas envolvidas em tais iniciativas, praticavam a filantropia tradicional a partir de programas ou ajudas pontuais. Entende-se, assim, que, já em 1997, o IAD identifica a falta de um amplo processo de convencimento da comunidade empresarial para incidência na política educativa nos países latinoamericanos.

Com estes precedentes, o PREAL foi criado no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), tendo como marco as resoluções da I Cúpula das Américas, realizada em Miami em 1994. Oliveira (2011), conta que a I Cúpula das Américas possibilitou “uma onda

de ‘cooperação e consenso’ em relação aos governos latino-americanos ávidos pelas iniciações de implementação das ‘reformas’” (p. 114). Desde seu surgimento, existe uma

sinergia entre o PREAL, OI’s e ministérios nacionais. Tal sinergia, é explicada por Shiroma (2014), pela sua própria constituição em rede. Por exemplo, o conselho consultivo de PREAL é formado por “cidadãos bem conhecidos” da Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, El Salvador, EUA, México, Uruguai e Venezuela, como ex-presidentes, ministros e chefes de OI’s, incluindo o Banco Mundial, BID, UNESCO e Fundo das Nações Unidas para a

empresários e educação. Como, o que sabemos e o que pode ser feito. Essa foi uma primeira tentativa. [...] Nos interessamos muito pelo tema e começamos a tentar promover a participação dos empresários na educação. Durante vários anos tivemos um projeto (com financiamento) para tentar envolver os empresários em diferentes países. Havia alguma ênfase na América Central para estabelecer e fortalecer um grupo ou uma aliança de empresários em cada país para trabalhar na melhoria da educação” (Entrevista 21, 2016, p. 21, Vice-Presidente para Política Social no Inter-American Dialogue e Codiretor of the Partnership for Educational Revitalization in the Americas – (Preal)).

64 A maioria dos casos retratados nesta publicação traz um tipo de incidência empresarial entendida como “localizada”:

Programas para fortalecer os estabelecimentos de ensino nas comunidades industriais; Programas de vinculação de escolas ao trabalho; Programas de apoio à administração escolar; Sugestões para o desenvolvimento de currículos inovadores em matemática e tecnologia; Criação de escolas particulares para a camada desfavorecida.

Infância (UNICEF)65. Uczak (2014), ainda considera o PREAL uma “‘versão atualizada’ da

intervenção dos Estados Unidos via USAID, na educação latino-americana” (p. 103), uma vez

que o então chefe da seção regional da USAID para a América Latina e o Caribe, Davis Evans, afirma em 2003 que “o PREAL representa uma ‘contribuição’ dos Estados Unidos à América

Latina e ao Caribe, por intermédio da USAID, como resposta às metas assinadas nas Cúpulas das Américas, a fim de melhorar a eficácia educacional e a prestação de contas” (TERCEIRA

REUNIÃO DE MINISTROS DA EDUCAÇÃO, 2003 apud UCZAK, 2014).

Finalmente, Shiroma (2014), sugere que o PREAL impacta as organizações dos setores público e privado, ao promover discussões informadas sobre políticas educacionais e a reforma educacional. Como tática, o programa identifica e divulga as ‘boas práticas’, além de monitorar o progresso educacional na região. Para atingir seus objetivos, a PREAL promove parcerias entre empresas, governo e organizações da sociedade civil em reformas educacionais, fornecendo ideias e propostas para orientar o pensamento dos tomadores de decisão. Este foi o caso do ‘Balanço da década’ (PREAL, 2001a, 2001c), documento no qual o PREAL recomenda dar continuidade ao fortalecimento da participação empresarial e das fundações privadas “e sua

extensão para além do aporte financeiro, podendo incidir também na definição de estratégias e políticas” (KRAWCZYK, 2002, p. 45). Os documentos também sugeriam “a necessidade de uma melhor articulação entre o setor empresarial e os executores das políticas públicas, para evitar o risco de, pela ausência de mecanismos reguladores, aumentar as desigualdades” (p.

45).