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Parte II – Particularidade latinoamericana e atuação empresarial na educação

6. Dinâmicas de trabalho e as bases operacionais da R EDUCA

6.3. Entrelaçamento e circulação de atores na R EDUCA

6.3.1. Circulação de atores na R EDUCA

Ilustrando a ‘circulação de atores’, temos que, além de construir complexas redes de poder através de seus fundadores e apoiadores, a REDUCA e seus membros,

também procura aceder a altos cargos na burocracia estatal, como aconteceu nos casos do Brasil, Chile, México e Colômbia.

O momento para o lançamento da REDUCA foi propício. Se, previamente, o

diálogo entre os grupos empresariais e os governos latinoamericanos enfrentava obstáculos, a criação da REDUCA representou uma possibilidade de abertura para a

participação, conforme expressa Cabrol, chefe da divisão de Educação do BID:

O que se está vendo na América Latina é que os atuais e futuros ministros da Educação estão cada vez mais interessados em escutar os grupos da sociedade civil. É uma mudança do que se passava há cinco anos, quando eles eram vistos como adversários (Marcelo Cabrol, o chefe da divisão de Educação do BID no momento do lançamento da REDUCA,REVISTA EDUCAÇÃO, 2011).

Ao longo da história, diversos atores conectados ao meio empresarial ocuparam cargos na burocracia estatal de formas diferenciadas, “segundo o sentido das

disputas políticas internas e de acordo com as relações que conseguem estabelecer com os detentores do poder institucional” (SHIROMA; EVANGELISTA, 2014, p. 31). O que

se observa com a REDUCA,é a ampliação da circulação de atores não apenas em nível

local, mas regional e transnacional. Consideramos que, acompanhada da circulação de atores, circulam também os recursos, as ideologias, as informações e as políticas, numa dinâmica entre as organizações internacionais, os setores público e privado. Esta ferramenta tem sido denominada como ‘porta giratória’ (revolving door) (STONE, 2005; DURAND, 2016; CASTELLANI, 2019). Assim como Durand (2016), entendemos que a utilização da ‘porta giratória’ ou, a circulação de atores, promove vantagens que são

acumuladas por determinados grupos sociais provocando, como contrapartida, maiores desigualdades e implicações para a democracia.

Ilustração 1: Exemplo de porta giratória na REDUCA

Fonte: Elaboração própria.

O esquema ilustra o uso da ‘porta giratória’, ou da circulação de membros entre a REDUCA e seus integrantes, governos e organizações internacionais, dinâmica que

foi ocultada por Cabrol no mencionado depoimento. Para Stone (2005, p. 16), a ‘porta giratória’ pode implicar numa rota de influência mais intangível e indireta, na qual “a

cultura do debate é alterada, onde as ideias e valores dominantes de uma sociedade são formados”.

Concordamos Osorio (2014, p. 37), quando este argumenta que as funções administrativas ⸺ que tendem a ser apresentadas como neutras do ponto de vista social ⸺ estão atravessadas pelo aspecto do poder do Estado, que significa assegurar a reprodução da sociedade sob a orientação de interesses sociais específicos. No caso da REDUCA, assim como na pesquisa de Shiroma (2014, p. 342), compreendemos que, no

setor de educação, o Estado não foi ‘substituído’ pelas redes de governança, mas é, ele próprio, um nó estratégico na rede de políticas. No nível regional, a participação de atores privados na educação tornou-se naturalizada e eles se converteram em parceiros dos Ministérios da Educação, ou, como visto na ‘Ilustração 1’, em ‘prepostos’ que assumiram o próprio posto de ministros de educação. Com o apoio de setores financeiros internacionais, da grande mídia e de organismos internacionais, a participação das associações empresariais está sendo ‘naturalizada’ (e até mesmo estimulada e desejada) pelos governos. De forma convergente, empresários e governos agem por meio da governança em redes, colaborando funcionalmente para criar políticas educativas que são mutuamente benéficas, incluindo o benefício direto dos interesses empresariais.

Partimos do pressuposto de que novos atores, como a REDUCA e seus

membros, produzem ‘capital humano’. Neste sentido, apoiamos o argumento de Stone, (2005), segundo o qual, estes novos atores promovem um treinamento político e uma experiência ‘no trabalho’ que fornecem aos indivíduos as “habilidades burocráticas e os

contatos políticos para avançar em uma carreira no governo ou ‘desenvolvimento internacional’ ” (p 16). Ecoando esta afirmação, atores importantes que compõe as redes

integrantes da REDUCA, (incluindo alguns de seus fundadores), passaram a integrar

governos ou organizações internacionais, num movimento de circulação de altos cargos nos setores público e privado. Castellani (2019), explica que esse fluxo pode ocorrer tanto do setor privado para o público, ao contrário, ou até mesmo simultaneamente no desempenho das posições de ambas esferas, implicando em um forte processo de erosão da autonomia do Estado no momento da formulação de políticas, uma vez que “o poder

econômico consegue conduzir a ação do Estado em benefício próprio ou apropriar-se de informações e redes de contatos valiosos” (2019, p. 4).

A ‘porta giratória’ ilustra que a circulação de sujeitos entre as organizações internacionais, as redes de empresários e os governos é fortalecida pela formação em rede que a REDUCA proporciona. Um exemplo concreto do acesso privilegiado ao governo são os casos nos quais os membros da REDUCA estabeleceram parcerias de cooperação e/ou

Quadro 10: Parcerias de cooperação e/ou assistência técnica promovidas por integrantes da REDUCA (casos)

IntegranteREDUCA Parcerias de cooperação

e/ou assistência técnica

Parceiros do governo

TPE Conexões pela Educação

(anteriormente denominado “Grupos de Assessoramento” ou grupos consultivos116

Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase) e MEC

TPE Devolutivas pedagógicas das

Avaliações117

INEP

Mexicanos Primero Convenio de Concertación118 SEP

Fundación Educación 2020 Asistencias Técnicas Educativas (ATEs)119

MINEDUC

Fonte: Elaboração própria.

Existe uma ‘circulação de atores’ entre os membros da REDUCA e os governos locais, que habilita canais pelos que transitam informações e recursos, criando novos espaços de produção de política e facilitando a ‘governança’ em rede. Nos três casos listados anteriormente, TPE, Mexicanos Primero e Fundación Educación 2020, empregaram a ‘porta giratória’ entre funcionários públicos e as organizações ou vice- versa. Para Ball (2014) estes são ‘espaços opacos’, onde o Estado e a sociedade se refazem e os limites tradicionais entre estes setores se desmancham flexibilizando as fronteiras entre o legal e o ilícito em torno do discurso moralizador do mercado.