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Parte II – Particularidade latinoamericana e atuação empresarial na educação

5. A Rede Latinoamericana de Organizações da Sociedade Civil pela Educação –

5.6. Agenda regional e áreas de atuação de R EDUCA

A REDUCA parte de um pressuposto de que os problemas educativos são

comuns a todos os países da região latinoamericana. Entretanto, sua ‘agenda regional’ está conectada com as agendas dos movimentos que precederam sua formação. Por exemplo, desde a LABES, em 2001 — mobilização que reuniu BID e empresários lationoamericanos e estadunidenses prol reformas na educação latinoamericana — os empresários procuram imprimir a lógica empresarial ao interior da política educativa: estabelecimento de padrões, metas e avaliações padronizadas, seguidos de prestação de contas e responsabilização pelo não cumprimento das metas:

Como empresas, temos uma visão pragmática sobre como abordar um desafio de tal amplitude e complexidade. O primeiro passo é estabelecer altos padrões acadêmicos de modo que todas tenham absolutamente claros em mente as metas e objetivos para todos os estudantes. Segundo, a esses padrões devem seguir-se avaliações, não como medida punitiva, mas como etapa de diagnóstico para assegurar que nenhuma escola ou criança fique para trás. Terceiro, a identificação dos padrões de sucesso (benchmarking), conquanto ainda rara em educação, deve tornar-se o procedimento padrão. É uma prática comum no mundo dos negócios, onde a concorrência e a eficiência exigem que as empresas identifiquem os métodos mais eficazes a serem compartilhados e duplicados. E, finalmente, uma prestação pública permanente de contas (public accountability) assegurará que as primeiras três medidas sejam executadas de forma equitativa e rigorosa para reformar e melhorar as escolas. Os sistemas eficazes de prestação de contas incluem prêmios e sanções que sejam instituídos de forma justa e que incentivem o continuo aprimoramento (PREAL, 2001b, p. 41–42, grifos do original).

Durante as reuniões promovidas pelo PREAL, no marco do PAEE, como foi o caso do ‘Encuentro Centroamericano y República Dominicana de Empresarios por la

Educación’, realizado na Guatemala, em 2012, os empresários reafirmam a necessidade

de uma maior articulação entre o sistema educativo e os requisitos para formação do setor produtivo (EXE-GUATEMALA, 2013). A incidência na política educativa pressupõe um trabalho ‘conjunto’ entre empresários e governos, que pode tornar as fronteiras entre os setores público e privado mais ‘opacas’, levando os atores privados a operarem em uma ‘esfera parapolítica’ (HORNE, 2002, apud BALL; OLMEDO, 2013), “dentro da qual

eles podem criar sua própria agenda de políticas” (p. 39). Diante desta afirmação, a partir

da bandeira consensual da ‘melhoria da qualidade da educação’, os empresários propuseram uma agenda que contemplasse: a seleção de professores com base no mérito, na avaliação e remuneração alinhados com os resultados da aprendizagem; padrões de aprendizagem para estudantes; sistemas de avaliação próprios ou participação das

avaliações internacionais; e prestação de contas sobre cumprimento de metas e indicadores (p. 24), pautas que podem ser observadas na ‘Reforma empresarial da educação’, e que coincidem com a agenda da REDUCA.

Para Freitas (2018, p. 78), a lógica desta reforma prevê um ‘alinhamento’: a definição do que ensinar, a averiguação se a ‘escola’ ensinou o previsto e a responsabilização (premiação ou punição) pelo ensinado. O autor segue explicando a dinâmica deste alinhamento: estabelecimento de bases curriculares / verificação do ensino via testes padronizados (usualmente censitários) / responsabilização: dinâmica válida para estudantes e para a formação dos profissionais da educação. Tal engenharia padronizadora, acarretaria “pouco espaço para a escola ou para o magistério criar, sendo

sufocado por assessorias, testes, plataformas de ensino online e manuais igualmente desenvolvidos e padronizados a partir das bases nacionais comuns” (p. 82). Soma-se a

isso, a possibilidade de criar condições para a privatização da educação, uma vez que se estipulam “metas que são difíceis de serem atingidas, nas condições atuais de

funcionamento da educação pública, desmoralizando a educação pública e o magistério”

(p. 80).

Assente em um padrão de reformas educativas que ocorrem globalmente, Sahlberg (2011), denomina esta dinâmica como Movimento Global de Reforma Educacional ou GERM109 (The Global Educational Reform Movement), cujas

características seriam: padronização da/na educação; foco curricular em letramento e numeramento; ensino para resultados predeterminados; transferência de inovação do mundo corporativo para o mundo educacional como principal fonte de mudança; e adoção de políticas de responsabilização baseadas em testes para escolas. Contudo, esta interpretação tem sido criticada por limitar-se ao campo educativo, assumindo o que Dale e Robertson (2009) identificam como ‘educacionalismo’ (educationism), perspectiva que se inclina a “basear estudos de políticas educacionais em abordagens que vêm

exclusivamente de dentro do campo da educação” (VERGER; NOVELLI;

ALTINYELKEN, 2018, p. 7). Para Verger (et al., 2018), as transformações na política educativa devem ser analisadas inseridas em “complexos de economia política locais,

nacionais e globais interdependentes” (idem).

109 Salvaguardando as particularidades de cada conceito, outros termos têm sido utilizados para localizar a reforma

educacional, tais como: “Reforma empresarial da educação” (AU; FERRARE, 2015a; FREITAS, 2012; RAVITCH, 2011; SALTMAN, 2011), “Política educativa global” (GEP) (BALL, 2014; VERGER; NOVELLI; ALTINYELKEN, 2018; RIZVI; LINGARD, 2009); e “Políticas de educação empresarial” (BURCH; SMITH, 2015).

Tendo em mente que as políticas passam por traduções e recontextualizações para contextos educacionais específicos (COWEN, 2009; VERGER; LUBIENSKI; STEINER-KHAMSI, 2016), os temas, ou áreas de atuação, delineados ao interior da agenda da REDUCA são: a formação e carreira docente da educação básica, o financiamento e a ‘profissionalização’ da gestão educacional e o uso dos resultados das avaliações de larga escala de forma pedagógica pelas escolas (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2011a, p. 148). ‘Primeira infância’, ‘carreira docente’ e ‘evasão’ (principalmente no ensino secundário), configuram-se como os temas prioritários da agenda regional de REDUCA110, conteúdos que coincidem com as prioridades estabelecidas pelos OI’s, como o Banco Mundial (BANCO MUNDIAL, 2018a) e BID para educação pública latinoamericana. Na cerimônia de lançamento REDUCA, Marcelo

Cabrol, na época chefe da divisão de educação do BID, destaca em seu discurso três pontos que são as prioridades do banco e que devem ser incorporados na agenda externa da rede:

[...] para um grupo de empresários com uma situação tão ampla, estabelecer prioridades, sobre o meu ponto de vista, essas seriam as primeiras prioridades na agenda externa [...]. Três insumos quero levantar que são importantes para o debate. Agora vamos falar sobre as prioridades do BID. Primeiro a questão da Primeira Infância. Como vou ensinar as habilidades cognitivas aos oito anos? [...] Porque se não se adquiriu as habilidades cognitivas até os oito anos, não podemos alcançar esse tipo de habilidade depois. O desafio maior é ter políticas educacionais e planos para atender a questão da Primeira Infância. [...] Segunda prioridade: professores, obviedade. [...] Temos um problema de qualidade de professor. Para o Banco [BID] esta é uma das prioridades mais importantes. [...] Precisamos também assegurar que as crianças terminem o secundário. [...] Um secundário de qualidade e relevante. Apesar de que a maioria começa o secundário, 40% dos que começam não terminam. Quero dizer o sistema latino-americano lhes toma 12 anos. Um sistema completamente ineficiente. Quero dizer, que terminar o secundário é importante. (Discurso de Marcelo Cabrol, no lançamento da REDUCA, 2011. Grifos nossos).

Nos aprofundaremos neste tema no capítulo ‘Formas globais, contextos locais e dinâmicas regionais das políticas educativas: a Reforma empresarial da educação na América Latina’.

110 Desde 2013, a rede recebe, inclusive, financiamento da União Europeia para executar projetos relacionados a estas